A
solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério que se
esconde por detrás de “um Deus em três pessoas”; mas é um convite a contemplar
o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para
os fazer comungar nesse mistério de amor.
Na
primeira leitura, o Deus da comunhão e da aliança, apostado em estabelecer
laços familiares com o homem, auto-apresenta-Se: Ele é clemente e compassivo,
lento para a ira e rico de misericórdia.
Na
segunda leitura, Paulo expressa – através da fórmula litúrgica “a graça do
Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam
convosco” – a realidade de um Deus que é comunhão, que é família e que pretende
atrair os homens para essa dinâmica de amor.
No
Evangelho, João convida-nos a contemplar um Deus cujo amor pelos homens é tão
grande, a ponto de enviar ao mundo o seu Filho único; e Jesus, o Filho,
cumprindo o plano do Pai, fez da sua vida um dom total, até à morte na cruz, a
fim de oferecer aos homens a vida definitiva. Nesta fantástica história de amor
(que vai até ao dom da vida do Filho único e amado), plasma-se a grandeza do
coração de Deus.
1ª leitura – Ex. 34,4b-6.8-9 - AMBIENTE
O
nosso texto faz parte das “tradições sobre a aliança do Sinai” – um conjunto de
tradições de origem diversa, cujo denominador comum é a reflexão sobre um
compromisso (“berit” – “aliança”) que Israel teria assumido com Jahwéh.
O
texto situa-nos no deserto do Sinai, “em frente do monte” (cf. Ex. 19,1). No
texto bíblico, não temos indicações geográficas suficientes para identificar o
“monte da aliança”. Em si, o nome “Sinai” não designa um monte, mas uma enorme
península de forma triangular, com mais ou menos 420 quilômetros de extensão
norte/sul, estendendo-se entre o mar Mediterrâneo e o mar Vermelho (no sentido
norte/sul) e o golfo do Suez e o golfo da Áqaba (no sentido oeste/este). A
península é um deserto árido, de terreno acidentado e com várias montanhas que
chegam a atingir 2400 metros de altura.
Segundo
alguns autores, este texto pode ter sido a primitiva versão jahwista da aliança
do Sinai (séc. X a.C.); mas, na versão final do Pentateuco (séc. V-IV a.C.),
foi utilizado para descrever a renovação da primeira aliança, entretanto
rompida pelo pecado do Povo. No estado atual do Pentateuco, o esquema é o
seguinte: Israel comprometeu-se com Jahwéh (cf. Ex. 19); mas, durante a
ausência de Moisés, no cimo do monte, o Povo construiu um bezerro de ouro para
representar Jahwéh – o que lhe estava interdito pelos mandamentos da aliança
(cf. Ex. 32,1-29); então, Moisés intercedeu pelo Povo e Deus renovou a aliança
com Israel (cf. Ex. 34,1-10).
MENSAGEM
Depois
de ter obtido o perdão de Deus para o Povo, Moisés subiu sozinho à presença de
Jahwéh. Consigo, levava as duas novas tábuas de pedra que havia talhado e sobre
as quais seriam gravados os mandamentos da aliança.
Precisamente aqui, o autor insere a teofania (“manifestação de Deus”). Deus aproxima-se de Moisés “na nuvem”: a nuvem, que paira a meio caminho do céu e da terra, é, no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do Deus que vem ao encontro do homem; ao mesmo tempo a nuvem, simultaneamente, esconde e manifesta: sugere o mistério de Deus, escondido e presente, cujo rosto o homem não pode ver, mas cuja presença adivinha.
Precisamente aqui, o autor insere a teofania (“manifestação de Deus”). Deus aproxima-se de Moisés “na nuvem”: a nuvem, que paira a meio caminho do céu e da terra, é, no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do Deus que vem ao encontro do homem; ao mesmo tempo a nuvem, simultaneamente, esconde e manifesta: sugere o mistério de Deus, escondido e presente, cujo rosto o homem não pode ver, mas cuja presença adivinha.
A
teofania continua, depois, com uma auto-apresentação do próprio Jahwéh. Como é,
então, que o próprio Deus Se define? Que é que Ele diz de Si próprio?
Nesta apresentação, Deus não menciona a sua grandeza e onipotência, o seu poder e majestade; mas menciona as “qualidades” que fazem d’Ele o parceiro ideal na “aliança”: Jahwéh é o “Deus clemente e compassivo, sem pressa para se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade” (v. 6). Num desenvolvimento que aparece no texto bíblico, mas que a nossa leitura de hoje não conservou (v. 7), Jahwéh fala ainda da sua misericórdia (“até à milésima geração”), que é ilimitada e desproporcional quando comparada com a sua ira (“até à terceira e à quarta geração”). Aqui, os números não significam nada e não devem ser tomados à letra: são apenas uma forma de representar a desproporcional misericórdia de um Deus, infinitamente mais inclinado para o perdão do que para o castigo. De resto, Israel é convidado a descobrir e a comprometer-se com esse Deus que é sempre fiel aos seus compromissos e solidário com todos aqueles que d’Ele necessitam.
A questão essencial é esta: Deus ama o seu Povo e cuida dele com bondade e ternura. A sua misericórdia é ilimitada e, aconteça o que acontecer, irá sempre triunfar. Israel, o Povo da aliança, pode estar tranquilo e confiante, pois Jahwéh, o Deus do amor e da misericórdia, garante a sua eterna fidelidade a esses atributos que caracterizam o seu ser.
Nesta apresentação, Deus não menciona a sua grandeza e onipotência, o seu poder e majestade; mas menciona as “qualidades” que fazem d’Ele o parceiro ideal na “aliança”: Jahwéh é o “Deus clemente e compassivo, sem pressa para se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade” (v. 6). Num desenvolvimento que aparece no texto bíblico, mas que a nossa leitura de hoje não conservou (v. 7), Jahwéh fala ainda da sua misericórdia (“até à milésima geração”), que é ilimitada e desproporcional quando comparada com a sua ira (“até à terceira e à quarta geração”). Aqui, os números não significam nada e não devem ser tomados à letra: são apenas uma forma de representar a desproporcional misericórdia de um Deus, infinitamente mais inclinado para o perdão do que para o castigo. De resto, Israel é convidado a descobrir e a comprometer-se com esse Deus que é sempre fiel aos seus compromissos e solidário com todos aqueles que d’Ele necessitam.
A questão essencial é esta: Deus ama o seu Povo e cuida dele com bondade e ternura. A sua misericórdia é ilimitada e, aconteça o que acontecer, irá sempre triunfar. Israel, o Povo da aliança, pode estar tranquilo e confiante, pois Jahwéh, o Deus do amor e da misericórdia, garante a sua eterna fidelidade a esses atributos que caracterizam o seu ser.
Moisés
responde a esta apresentação com as petições habituais: que Jahwéh continue a
acompanhar o seu Povo em caminhada da terra da escravidão para a terra da
liberdade; que Jahwéh entenda a dureza do coração do Povo e que perdoe os seus
pecados; que Jahwéh renove a eleição (v. 9).
E
Deus, confirmando a sua auto-apresentação (Deus de amor e de bondade, lento
para a ira e rico de misericórdia), não só perdoa o Povo, como até lhe propõe a
renovação da aliança (v. 10).
ACTUALIZAÇÃO
•
Deus é sempre, para o homem, o mistério que a “nuvem” esconde e revela: detectamos
a sua presença, mas sem O ver; percebemos a sua proximidade, sem conseguirmos
definir os contornos do seu rosto. A ânsia do homem em penetrar o mistério de
Deus leva-o, com frequência, a inventar rostos de Deus; mas, muitas vezes,
esses rostos são apenas a projecção dos sonhos, dos anseios, das necessidades e
até dos defeitos dos homens e têm pouco a ver com a realidade de Deus. Para
entrarmos no mistério de Deus, é preciso estabelecermos com Ele uma relação de
proximidade, de comunhão, de intimidade que nos leve ao encontro da sua voz,
dos seus valores, dos seus desafios (“subir ao monte”). Procuro, dia a dia,
“subir ao monte” da “aliança” e estabelecer comunhão com Deus através do
diálogo com Ele (oração) e da escuta da sua Palavra?
•
No nosso texto, Deus apresenta-Se. Fundamentalmente, Ele define-Se como o Deus
da relação e da comunhão. Deixa claro que é um Deus “com coração” – e com um
coração cheio de amor, de bondade, de ternura, de misericórdia, de fidelidade.
Apesar de o seu Povo ter violado os compromissos que assumiu, Deus não só
perdoa o pecado do Povo, mas propõe o refazer da “aliança”: é que, acima de
tudo, este Deus do amor preza a comunhão com o homem: o seu objetivo é integrar
os homens na família de Deus. É este Deus em que eu acredito? É deste Deus que
eu dou testemunho?
•
Deus, da sua parte, faz tudo para viver em comunhão com o homem. No entanto,
respeita, de forma absoluta, a liberdade do homem. Eu sou livre de aceitar, ou
não, a proposta de “aliança” que Deus me faz. Como é que eu respondo ao Deus da
“aliança”? Eu aceito esta vontade que Ele manifesta de viver em relação de
comunhão comigo? O que é que eu faço para responder a este desafio?
2 leitura – 2 Cor 13,11-13 - AMBIENTE
A
Primeira Carta aos Coríntios (que criticava alguns membros da comunidade por
atitudes pouco condizentes com os valores cristãos) provocou uma reação
extremada e uma campanha organizada no sentido de desacreditar Paulo. Este,
informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento
confronto com os seus detratores. Depois, retirou-se para Éfeso. Tito, amigo de
Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de tentar
a reconciliação.
Paulo, entretanto, partiu para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.
Paulo, entretanto, partiu para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.
Reconfortado,
Paulo escreveu uma tranquila apologia do seu apostolado, à qual juntou um apelo
em favor de uma coleta para os pobres da Igreja de Jerusalém. Esse texto é a
nossa Segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos nos anos 56/57.
O
texto que nos é proposto é, precisamente, a conclusão da Segunda Carta de Paulo
aos Coríntios. Se compararmos esta despedida com a da Primeira Carta aos
Coríntios (cf. 1Cor. 16,19-24), ela surpreende-nos pela brevidade, frieza e
impessoalidade. Não parece a despedida de uma “carta de reconciliação”, mas
antes uma despedida entre partes que conservam uma certa tensão na sua relação.
MENSAGEM
Paulo
começa por deixar algumas recomendações de caráter geral aos membros da
comunidade. Pede-lhes que sejam alegres; que procurem, sem desistir, chegar à
perfeição; e que, nas relações fraternas, se animem mutuamente, tenham os
mesmos sentimentos e vivam em paz. São conselhos que devem ser entendidos no
contexto das dificuldades e tensões vividas recentemente pela comunidade.
O
mais notável desta carta é, contudo, a fórmula final de saudação: “a graça do
Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam
convosco”. Esta fórmula – a mais claramente trinitária de todo o Novo
Testamento – é, certamente de origem litúrgica. Provavelmente, era a fórmula
que os cristãos utilizavam quando, no contexto da celebração eucarística,
trocavam a saudação da paz.
Esta
fórmula constitui uma impressionante confissão de fé no Deus trino. Ela
manifesta a fé dos crentes nesse Deus é amor e, portanto, que é “família”, que
é comunidade. Ao utilizarem esta fórmula, os crentes reconhecem-se como membros
dessa “família de Deus”; e reconhecem também que ser “família de Deus” é
fazerem todos parte de uma única família de irmãos. São, portanto, convocados
para viverem em unidade: em comunhão com Deus e em união com todos os irmãos.
ATUALIZAÇÃO
•
A comunidade cristã é convidada a descobrir que Deus é amor. A fórmula “Pai,
Filho e Espírito Santo” expressa essa realidade de Deus como amor, como
família, como comunidade.
•
Os membros da comunidade cristã, que pelo batismo aderiram ao projeto de
salvação que Deus apresentou aos homens em Jesus e cuja caminhada é animada
pelo Espírito, são convidados a integrarem esta comunidade de amor. O fim
último da nossa caminhada é a pertença à família trinitária.
•
Esta “vocação” deve expressar-se na nossa vida comunitária. A nossa relação com
os irmãos deve refletir o amor, a ternura, a misericórdia, a bondade, o perdão,
o serviço, que são as consequências práticas do nosso compromisso com a
comunidade trinitária. É isso que acontece? As nossas relações comunitárias
refletem esse amor que é a marca da “família de Deus”?
Evangelho – Jo 3,16-18v - AMBIENTE
16Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. 17De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele.
18Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito.
18Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito.
O
nosso texto pertence à secção introdutória do Quarto Evangelho (cf. Jo
1,19-3,36). Nessa secção, o autor apresenta Jesus e procura – através dos
contribuição dos diversos personagens que vão sucessivamente ocupando o centro
do palco e declamando o seu texto – dizer quem é Jesus.
Mais
concretamente, o trecho que nos é proposto faz parte da conversa entre Jesus e
um “chefe dos judeus” chamado Nicodemos (cf. Jo 3,1). Nicodemos foi visitar
Jesus “de noite” (cf. Jo 3,2), o que parece indicar que não se queria
comprometer e arriscar a posição destacada de que gozava na estrutura religiosa
judaica. Membro do Sinédrio, Nicodemos aparecerá, mais tarde, a defender Jesus,
perante os chefes dos fariseus (cf. Jo 7,48-52); também estará presente na
altura em que Jesus foi descido da cruz e colocado no túmulo (cf. Jo 19,39).
A
conversa entre Jesus e Nicodemos apresenta três etapas ou fases.
Na
primeira (cf. Jo 3,1-3), Nicodemos reconhece a autoridade de Jesus, graças às
suas obras; mas Jesus acrescenta que isso não é suficiente: o essencial é
reconhecer Jesus como o enviado do Pai.
Na
segunda (cf. Jo 3,4-8), Jesus anuncia a Nicodemos que, para entender a sua
proposta, é preciso “nascer de Deus” e explica-lhe que esse novo nascimento é o
nascimento “da água e do Espírito”.
Na
terceira (cf. Jo 3,9-21), Jesus descreve a Nicodemos o projeto de salvação de
Deus: é uma iniciativa do Pai, tornada presente no mundo e na vida dos homens
através do Filho e que se concretizará pela cruz/exaltação de Jesus. O nosso
texto pertence a esta terceira parte.
MENSAGEM
Depois
de explicar a Nicodemos que o Messias tem de “ser levantado ao alto”, como
“Moisés levantou a serpente” no deserto (a referência evoca o episódio da
caminhada pelo deserto em que os hebreus, mordidos pelas serpentes, olhavam uma
serpente de bronze levantada num estandarte por Moisés e se curavam – cf. Nm
21,8-9), a fim de que “todo aquele que n’Ele acredita tenha vida definitiva”
(Jo 3,14-15), Jesus explica como é que a cruz se insere no projeto de Deus. A
explicação vem em três passos…
O
primeiro (v. 16) refere-se ao significado último da cruz. Esse Homem que vai
ser levantado na cruz veio ao mundo, encarnou na nossa história humana, correu
o risco de assumir a nossa fragilidade, partilhou a nossa humanidade; e, como
consequência de uma vida gasta a lutar contra as forças das trevas e da morte
que escravizavam os homens, foi preso, torturado e morto numa cruz. A cruz é o
último ato de uma vida vivida no amor, na doação, na entrega.
Ora,
esse Homem é o “Filho único” de Deus. A expressão evoca, provavelmente, o
“sacrifício de Isaac” (cf. Gn. 22,16): Deus comporta-Se como Abraão, que foi
capaz de desprender-se do próprio filho por amor (no caso de Abraão, amor a
Deus; no caso de Deus, amor aos homens)… A cruz é, portanto, a expressão
suprema do amor de Deus pelos homens. O quadro dá-nos a dimensão do
incomensurável amor de Deus por essa humanidade a quem Ele quer oferecer a
salvação.
Qual
é o objetivo de Deus ao enviar o seu Filho único ao encontro dos homens? É
libertá-los do egoísmo, da escravidão, da alienação, da morte, e dar-lhes a
vida eterna. Com Jesus – o Filho único que morreu na cruz – os homens aprendem
que a vida definitiva está na obediência aos planos do Pai e no dom da vida aos
homens, por amor.
O
segundo (vers. 17) deixa claro que a intenção de Deus, ao enviar ao mundo o seu
Filho único, não era uma intenção negativa. Jesus veio ao mundo porque o Pai
ama os homens e quer salvá-los. O Messias não veio com uma missão judicial, nem
veio excluir ninguém da salvação. Pelo contrário, Ele veio oferecer aos homens
– a todos os homens – a vida definitiva, ensinando-os a amar sem medida e
dando-lhes o Espírito que os transforma em Homens Novos.
Reparemos
neste fato notável: Deus não enviou o seu Filho único ao encontro de homens
perfeitos e santos; mas enviou o seu Filho único ao encontro de homens
pecadores, egoístas, auto-suficientes, a fim de lhes apresentar uma nova
proposta de vida… E foi o amor de Jesus – bem como o Espírito que Jesus deixou
– que transformou esses homens egoístas, orgulhosos, auto-suficientes e os
inseriu numa dinâmica de vida nova e plena.
O
terceiro (v. 18) descreve as duas atitudes que o homem pode tomar, diante da
oferta de salvação que Jesus faz: quem aceita a proposta de Jesus, adere a Ele,
recebe o Espírito, vive no amor e na doação, escolhe a vida definitiva; mas
quem prefere continuar escravo de esquemas de egoísmo e de auto-suficiência,
auto-exclui-se da salvação. A salvação ou a condenação não são, nesta
perspectiva, um prêmio ou um castigo que Deus dá ao homem pelo seu bom ou mau
comportamento; mas são o resultado da escolha livre do homem, face à oferta
incondicional de salvação que Deus lhe faz. A responsabilidade pela vida
definitiva ou pela morte eterna não recai assim sobre Deus, mas sobre o homem.
De
acordo com a perspectiva de João, também não existe um julgamento futuro, no
final dos tempos, no qual Deus pesa na sua balança os pecados dos homens, para
ver se os há-de salvar ou condenar: o juízo realiza-se aqui e agora e depende
da atitude que o homem assume diante da proposta de Jesus.
Em
resumo: porque amava a humanidade, Deus enviou o seu Filho único ao mundo com
uma proposta de salvação. Essa oferta nunca foi retirada; continua aberta e à
espera de resposta. Diante da oferta de Deus, o homem pode escolher a vida
eterna, ou pode excluir-se da salvação.
ATUALIZAÇÃO
•
João é o evangelista abismado na contemplação do amor de um Deus que não
hesitou em enviar ao mundo o seu Filho, o seu único Filho, para apresentar aos
homens uma proposta de felicidade plena, de vida definitiva; e Jesus, o Filho,
cumprindo o mandato do Pai, fez da sua vida um dom, até à morte na cruz, para
mostrar aos homens o “caminho” da vida eterna… No dia em que celebramos a
Solenidade da Santíssima Trindade, somos convidados a contemplar, com João,
esta incrível história de amor e a espantar-nos com o peso que nós – seres
limitados e finitos, pequenos grãos de pó na imensidão das galáxias – adquirimos
nos esquemas, nos projetos e no coração de Deus.
•
O amor de Deus traduz-se na oferta ao homem de vida plena e definitiva. É uma
oferta gratuita, incondicional, absoluta, válida para sempre; mas Deus respeita
absolutamente a nossa liberdade e aceita que recusemos a sua oferta de vida. No
entanto, rejeitar a oferta de Deus e preferir o egoísmo, o orgulho, a
auto-suficiência, é um caminho de infelicidade, que gera sofrimento, morte,
“inferno”. Quais são as manifestações desta recusa da vida plena que eu
observo, na vida das pessoas, nos acontecimentos do mundo, e até na vida da
Igreja?
•
Nós, crentes, devíamos ser as testemunhas desse Deus que é amor; e as nossas
comunidades cristãs ou religiosas deviam ser a expressão viva do amor
trinitário. É isso que acontece? Que contributo posso eu dar para que a minha
comunidade – cristã ou religiosa – seja sinal vivo do amor de Deus no meio dos
homens?
•
A celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender
e decifrar essa estranha charada de “um em três”. Mas deve ser, sobretudo, a
contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há
três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família – pai, mãe e filho – é
afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o
Espírito são três formas diferentes de apresentar o mesmo Deus, como três
fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é, também,
negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, de um Deus
comunidade, expressa-se na nossa linguagem imperfeita das três pessoas. O Deus
família torna-se trindade de pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui,
temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue “dizer” o
indizível, não consegue definir o mistério de Deus.
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