A lenta e gradual construção da “cidade dos homens” é obra de uma inteligência angélica.
Em uma das muitas alocuções que proferiu, o Papa Pio XII indicou o
caminho que o demônio pavimentou, ao longo da história, para destruir o
homem, criado à “imagem e semelhança” de Deus [1]:
“Ele se encontra em todo lugar e no meio de todos: sabe ser violento e astuto. Nestes últimos séculos tentou realizar a desagregação intelectual, moral, social, da unidade no organismo misterioso de Cristo. Ele quis a natureza sem a graça, a razão sem a fé; a liberdade sem a autoridade; às vezes a autoridade sem a liberdade. É um ‘inimigo’ que se tornou cada vez mais concreto, com uma ausência de escrúpulos que ainda surpreende: Cristo sim, a Igreja não! Depois: Deus sim, Cristo não! Finalmente o grito ímpio: Deus está morto; e, até, Deus jamais existiu. E eis, agora, a tentativa de edificar a estrutura do mundo sobre bases que não hesitamos em indicar como as principais responsáveis pela ameaça que pesa sobre a humanidade: uma economia sem Deus, um direito sem Deus, uma política sem Deus. O ‘inimigo’ tem trabalhado e trabalha para que Cristo seja um estranho na universidade, na escola, na família, na administração da justiça, na atividade legislativa, na assembleia das nações, lá onde se determina a paz ou a guerra.” [2]
A primeira coisa que Pio XII faz é colocar as pessoas diante do
“nemico”. O Papa quer convencer os homens de que a obra de destruição
que se apresenta aos seus olhos não é fruto do acaso ou, como pregam os
progressistas, do zeitgeist – o “espírito dos tempos”. Trata-se, de
verdade, de um empreendimento demoníaco. Há, por trás de toda a confusão
e barbárie deste e de outros séculos, uma inteligência angélica, que,
desde que caiu, trabalha incessantemente para perverter a obra da
Criação e fazer perder as almas que Cristo conquistou com o Seu sangue,
na Redenção.
Como explicar que o projeto de um anjo se torne tão concreto e visível
no decorrer da história, só é possível a partir dos agentes humanos que,
juntamente com o demônio, bradaram
“non serviam”, a fim de servirem ao mal. Embora seus destinos
eternos estejam nas mãos de Deus – e só Ele possa dizer se o “oitavo
sacramento”, a ignorância invencível, os salvou –, suas obras humanas
denunciaram clamorosamente sua identidade. Do Imperador Nero, no século
I, passando pelos iluministas anticristãos, até Karl Marx e seus
seguidores, muitos foram os homens que aderiram abertamente ao projeto
do mal e muitos foram os passos dados rumo ao “amor de si até ao
desprezo de Deus” [3].
É verdade que, hoje, tantas coisas más e perversas que os homens
cometem ganham gentilmente outros nomes. Hoje sequer se ouvem mais as
palavras “pecado” ou “erro”. Todas as ações humanas transitam entre o
“conveniente” e o “socialmente inapropriado”, entre o “agradável” e o
“politicamente correto”.
Só que nem mil jogos de palavras podem mudar ou desfazer a realidade das coisas.
Conscientemente ou não, quem quer que trabalhe para implantar no mundo
um “sistema de pecado” – como é o caso de organizações que financiam o
aborto, de grupos que querem a destruição da família e de religiosos que
pedem a implantação de uma religião única e mundial, sem Cristo e sem a
Igreja – está trabalhando para Satanás.
As palavras não são exageradas. O próprio Jesus não poupou palavras
para denominar os mentirosos: “Vós tendes como pai o demônio e quereis
fazer os desejos de vosso pai”. Semelhantes palavras podem ser dirigidas
a quem, obstinado no mal, opera incansavelmente para defender a morte e
a mentira, obras daquele “era homicida desde o princípio e não
permaneceu na verdade” [4].
É verdadeiramente monstruosa a construção – ou a destruição – que os
filhos das trevas fazem no mundo. No entanto, não é sadio que os
cristãos se detenham diante dessa imensa Babel, nem que cruzem os
braços, inertes. Afinal, “todas as coisas” – inclusive a ação dos anjos
decaídos – “concorrem para o bem dos que amam a Deus” [5]. Os filhos de
Deus não devem temer: nas batalhas desta vida, são guiados e amparados
por “aquela misteriosa presença de Deus na história, que é a
Providência” [6].
Referência
- Gn 1, 26
- Pio XII, Discorso agli uomini di Azione Cattolica, 12 ottobre 1952
- Santo Agostinho, De Civitate Dei, 14, 28
- Jo 8, 44
- Rm 8, 28
- Centesimus Annus, 59
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