A liturgia deste domingo apresenta-nos
essa comunidade de Homens Novos que nasce da cruz e da ressurreição de Jesus: a
Igreja. A sua missão consiste em revelar aos homens a vida nova que brota da
ressurreição.
Na primeira leitura temos, na “fotografia”
da comunidade cristã de Jerusalém, os traços da comunidade ideal: é uma
comunidade fraterna, preocupada em conhecer Jesus e a sua proposta de salvação,
que se reúne para louvar o seu Senhor na oração e na Eucaristia, que vive na
partilha, na doação e no serviço e que testemunha – com gestos concretos – a
salvação que Jesus veio propor aos homens e ao mundo.
No Evangelho sobressai a ideia de que
Jesus vivo e ressuscitado é o centro da comunidade cristã; é à volta d’Ele que
a comunidade se estrutura e é d’Ele que ela recebe a vida que a anima e que lhe
permite enfrentar as dificuldades e as perseguições. Por outro lado, é na vida
da comunidade (na sua liturgia, no seu amor, no seu testemunho) que os homens
encontram as provas de que Jesus está vivo.
A segunda leitura recorda aos membros
da comunidade cristã que a identificação de cada crente com Cristo –
nomeadamente com a sua entrega por amor ao Pai e aos homens – conduzirá à
ressurreição. Por isso, os crentes são convidados a percorrer a vida com esperança
(apesar das dificuldades, dos sofrimentos e da hostilidade do “mundo”), de
olhos postos nesse horizonte onde se desenha a salvação definitiva.
1ª
leitura – At. 2,42-47 – AMBIENTE
Depois de descrever a vinda do Espírito
Santo sobre os discípulos reunidos no cenáculo (cf. At. 2,1-13) e de apresentar
(através de um discurso posto na boca de Pedro) um resumo do testemunho dado
pelos primeiros discípulos sobre Jesus (cf. At. 2,14-36), Lucas refere o
resultado da pregação dos apóstolos: as pessoas aderem em massa (Lucas fala de
três mil pessoas que, nesse dia, se juntaram aos discípulos) e nasce a
comunidade cristã de Jerusalém (cf. At. 2,37-41). São os primeiros passos de um
caminho que a Igreja de Jesus vai percorrer, desde Jerusalém a Roma (o coração do
mundo antigo).
O nosso texto faz parte de um conjunto
de três sumários, através dos quais Lucas descreve aspectos fundamentais da
vida da comunidade cristã de Jerusalém. Este primeiro sumário é dedicado ao
tema da unidade e ao impacto que o estilo cristão de vida provocou no povo da
cidade (os outros dois sumários tratam da partilha dos bens – cf. At. 4,32-35 –
e do testemunho da Igreja através da atividade miraculosa dos apóstolos – At.
5,12-16).
Naturalmente, este sumário não é um
retrato histórico rigoroso da comunidade cristã de Jerusalém, no início da
década de 30 (embora possa ter algumas bases históricas). Quando Lucas escreve
este relato (década de 80), arrefeceu já o entusiasmo inicial dos cristãos:
Jesus nunca mais veio para instaurar definitivamente o “Reino de Deus” e
posicionam-se no horizonte próximo as primeiras grandes perseguições… Há algum
desleixo, falta de entusiasmo, monotonia, divisão e confusão (até porque
começam a aparecer falsos mestres, com doutrinas estranhas e pouco cristãs). Neste
contexto, Lucas recorda o essencial da experiência cristã e traça o quadro
daquilo que a comunidade deve ser.
MENSAGEM
Como será, então, essa comunidade
ideal, que nasce do Espírito e do testemunho dos apóstolos?
Em primeiro lugar, é uma comunidade de irmãos,
que vive em comunhão fraterna (“os irmãos” – v. 42). Essa fraternidade resulta
da identificação com Cristo e da vida de Cristo que anima cada crente –
membros, todos eles, do mesmo corpo – o Corpo de Cristo.
Em segundo lugar, é uma comunidade
assídua ao ensino dos apóstolos. Quer dizer, é uma comunidade empenhada em
conhecer e acolher a proposta de salvação que vem de Jesus, através do
testemunho dos apóstolos (e não através dessas doutrinas estranhas trazidas
pelos falsos mestres e que começam a invadir a comunidade). A catequese deve
incidir sobre a pessoa de Jesus, o seu projecto, os seus valores, a sua vida de
doação e de entrega. Os crentes são convidados a descobrir que o sentido
fundamental da vida está na obediência ao plano do Pai e na entrega aos irmãos;
e que uma vida vivida desse jeito conduz à ressurreição e à vida plena, mesmo
que passe pela experiência da cruz.
Em terceiro lugar, é uma comunidade que
celebra liturgicamente a sua fé. Lucas aponta dois momentos celebrativos
fundamentais: a “fração do pão” e as “orações”.
A “fração do pão” parece ser uma
expressão técnica para designar o memorial da “ceia do Senhor”, ou
“eucaristia”. Era a celebração que resumia toda a vida do Senhor Jesus, feita
doação da vida e entrega até à morte. Acompanhada, em geral, de uma refeição
fraterna, ela comportava ainda orações, uma pregação e, talvez, gestos de
comunhão e de partilha entre os cristãos. Era um momento de alegria, em que a
comunidade celebrava a sua união a Jesus e a comunhão fraterna que daí resultava.
Temos, ainda, as “orações”. Os
primeiros cristãos continuaram a frequentar o Templo (“todos os dias
frequentavam o Templo” – v. 46) e a participar da oração da comunidade judaica;
no entanto, é bastante provável que a comunidade cristã tenha começado a sentir
a necessidade de se encontrar para a oração tipicamente cristã, centrada na
pessoa de Jesus; e é, talvez, a esta oração comunitária cristã que Lucas se
refere. A comunidade de Jesus é, portanto, uma comunidade que se junta para
rezar, para louvar o seu Senhor.
Em quarto lugar, é uma comunidade que
partilha os bens. Da comunhão com Cristo, resulta a comunhão dos cristãos entre
si; e isso tem implicações práticas. Em concreto, implica a renúncia a qualquer
tipo de egoísmo, de auto-suficiência, de fechamento em si próprio e uma
abertura de coração para a partilha, para o dom, para o amor. Expressão
concreta dessa partilha e desse dom é a comunhão dos bens: “tinham tudo em
comum; vendiam propriedades e bens e distribuíam o dinheiro por todos, conforme
as necessidades de cada um” – v. 44-45). É uma forma concreta de mostrar que a
vida nova de Jesus, assumida pelos crentes, não é “conversa fiada”; mas é uma
libertação da escravidão do egoísmo e um compromisso verdadeiro com o amor, com
a partilha, com o dom da vida.
Finalmente, é uma comunidade que dá
testemunho. Os gestos realizados pelos apóstolos enchiam toda a gente de temor
(v. 43) – quer dizer, infundiam em todos aqueles que os testemunhavam a
inegável certeza da presença de Deus e dos seus dinamismos de salvação. Além
disso, a piedade, o amor fraterno, a alegria e a simplicidade dos crentes
provocavam a admiração e a simpatia de todo o povo; esse jeito de viver
interpelava os habitantes de Jerusalém e fazia com que aumentasse todos os dias
o número dos que aderiam à proposta de Jesus e à comunidade da salvação (v.
47).
A primitiva comunidade cristã, nascida
do dom de Jesus e do Espírito é verdadeiramente uma comunidade de homens e
mulheres novos, que dá testemunho da salvação e que anuncia a vida plena e
definitiva. A comunidade cristã de Jerusalém era, de fato, esta comunidade
ideal? Possivelmente, não (outros textos dos Atos falam-nos de tensões e
problemas – como acontece com qualquer comunidade humana); mas a descrição, que
Lucas aqui faz, aponta para a meta a que toda a comunidade cristã deve aspirar,
confiada na força do Espírito. Trata-se, portanto, de uma descrição da
comunidade ideal, que pretende servir de modelo à Igreja e às igrejas de todas
as épocas.
ATUALIZAÇÃO
• A comunidade cristã é uma família de
irmãos, reunida à volta de Cristo, animada pelo Espírito e que tem por missão
testemunhar na história a salvação. Os homens do séc. XXI podem acreditar ou
não na ressurreição de Cristo; mas têm de descobrir a vida nova e plena que
Deus lhes oferece, através do testemunho dos discípulos de Jesus. A comunidade
cristã tem de ser uma proposta diferente, que mostra aos homens como o amor, a
partilha, a doação, o serviço, a simplicidade e a alegria são geradores de vida
e não de morte.
• A comunidade cristã é uma comunidade
de irmãos. A minha comunidade cristã é uma comunidade de irmãos que vivem no
amor, ou é um grupo de pessoas isoladas, em que cada um procura defender os
seus interesses, mesmo que para isso tenha de magoar os outros? No que me diz
respeito, esforço-me por amar todos, por respeitar a liberdade e a dignidade de
todos, por potenciar as contribuições e as qualidades de todos?
• A comunidade cristã é, também, uma
comunidade assídua à catequese dos apóstolos. A minha comunidade cristã é uma
comunidade que se constrói à volta da Palavra de Deus, que escuta e que
partilha a Palavra de Deus? Da minha parte, procuro descobrir as propostas de
Deus num diálogo comunitário e numa partilha com os irmãos, ou deixo-me levar
por pretensas “revelações” pessoais, convicções pessoais, impressões pessoais –
que muitas vezes não são mais do que formas de manipular a Palavra de Deus para
“levar a água ao meu moinho”?
• A comunidade cristã é, ainda, uma
comunidade que celebra liturgicamente a sua fé. A celebração da fé comunitária
dá-nos a dimensão de um povo peregrino, que caminha unido, voltado para o seu
Senhor e tendo Deus como a sua referência. Da celebração comunitária da fé, sai
uma comunidade mais fortalecida, mais consciente da vida que une todos os seus
membros, mais adulta e com mais força para ser testemunha da salvação. O que é
que significa, para mim, a celebração comunitária da fé? A celebração
eucarística é um rito aborrecido, a que “assisto” por obrigação, ou uma
verdadeira experiência de encontro com o Jesus do amor e do dom da vida e uma
experiência de amor partilhado com os meus irmãos de fé?
• A comunidade cristã é uma comunidade
de partilha. No centro dessa comunidade está o Cristo do amor, do serviço, do
dom da vida… O cristão não pode, portanto, viver fechado no seu egoísmo,
indiferente à sorte dos outros irmãos. Em concreto, o nosso texto fala na
partilha dos bens… Uma comunidade onde alguns esbanjam os bens e onde outros
não têm o suficiente para viver dignamente será uma comunidade que testemunha,
diante dos homens, esse mundo novo de amor que Jesus veio propor?
2ª
leitura – 1 Pedro 1,3-9 – AMBIENTE
A primeira Carta de Pedro é uma carta
dirigida aos cristãos de cinco províncias romanas da Ásia Menor (a carta cita
explicitamente a Bitínia, o Ponto, a Galácia, a Ásia e a Capadócia – cf. 1 Pe
1,1). O seu autor apresenta-se com o nome do apóstolo Pedro; no entanto, a
análise literária e teológica não confirma que Pedro seja o autor deste texto:
em termos literários, a qualidade literária da carta não corresponde à maneira
de escrever de um pescador do lago de Tiberíades, pouco instruído; a teologia
apresentada demonstra uma reflexão e uma catequese bem posteriores à época de
Pedro; e o “ambiente” descrito na carta corresponde, claramente, à situação da
comunidade cristã no final do séc. I. Se Pedro morreu em Roma durante a
perseguição de Nero (por volta do ano 67), não pode ser o autor deste escrito.
O autor da carta será, portanto, um cristão anônimo culto – provavelmente um
responsável de alguma comunidade cristã – e que conhece profundamente a
situação das comunidades cristãs da Ásia Menor. Ele escreve em finais do séc. I
(nunca antes dos anos 80), provavelmente a partir de uma comunidade cristã não
identificada da Ásia Menor.
Os destinatários desta carta são as
comunidades cristãs que vivem em zonas rurais da Ásia Menor. A maioria destes
cristãos são pastores ou camponeses que cultivam as propriedades das classes
dominantes. Também há, nestas comunidades, pequenos proprietários que vivem em
aldeias, à margem das grandes cidades. De qualquer forma, trata-se de gente que
vive no meio rural, economicamente débil, vulnerável a um ambiente que começa a
manifestar alguma hostilidade para com o cristianismo.
O autor da carta conhece as provações
que estes cristãos sofrem todos os dias. Exorta-os, no entanto, a manterem-se
fiéis à sua fé, apesar das dificuldades. Convida-os a olharem para Cristo, que
passou pela experiência da paixão e da cruz, antes de chegar à ressurreição; e
exorta-os a manterem a esperança, o amor, a solidariedade, vivendo com alegria,
coerência e fidelidade a sua opção cristã.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto é uma ação
de graças, ao estilo das bênçãos judaicas. No entanto, apresenta, desde logo,
os temas principais que, depois, vão ser desenvolvidos ao longo da carta.
O autor lembra aos crentes que, pelo
batismo, se identificaram com Cristo; e isso significa, desde logo, renascer
para uma vida nova – de que a ressurreição de Cristo é modelo e sinal.
Conscientes de que Deus oferece a salvação àqueles que se identificam com
Jesus, os crentes vivem na alegria e na esperança: eles sabem que – aconteça o
que acontecer – lhes está reservada a vida plena e definitiva.
É verdade que a caminhada dos crentes
pela história é uma experiência de sofrimento, de provações, de perseguições.
Os sofrimentos, no entanto, são uma espécie de “prova”, durante a qual a fé dos
crentes é purificada, decantada de interesses mesquinhos, fortalecida; e, nesse
processo, o crente vai sendo transformado pela ação do Espírito, até se
identificar com Cristo e chegar à vida nova (para exemplificar o processo, o
autor lembra que o próprio ouro tem de ser purificado pelo fogo, antes de
aparecer em todo o seu esplendor).
De qualquer forma, o percurso
existencial dos crentes – cumprido simultaneamente na alegria e na dor – é
sempre uma caminhada animada pela esperança da salvação definitiva.
O grande apelo do autor da primeira
carta de Pedro é este: identifiquemo-nos com aquele a quem amamos sem o termos
visto (Cristo) – nomeadamente com a sua entrega por amor ao Pai e aos homens –
a fim de chegarmos, com Ele, à ressurreição.
ATUALIZAÇÃO
• Antes de mais, a Palavra de Deus
convida-nos a tomar consciência de que, pelo batismo, nos identificamos com
Cristo. A nossa vida tem de ser, como a de Cristo, vivida na obediência ao Pai
e na entrega aos homens nossos irmãos: é esse o caminho que conduz à
ressurreição. A lógica do mundo diz-nos que servir e dar a vida é um caminho de
fracos e perdedores; a lógica de Deus diz-nos que a vida plena resulta do amor
que se faz dom. Em quem é que acreditamos? De acordo com que lógica é que
conduzimos a nossa vida e fazemos as nossas opções?
• A questão do sentido do sofrimento
(sobretudo do sofrimento que atinge o justo) é tão antiga como o homem; as
respostas que o homem foi encontrando para essa questão foram sempre parciais e
insatisfatórias… A Palavra de Deus que hoje nos é proposta não esclarece
definitivamente a questão, mas acrescenta mais uma achega: o sofrimento
ajuda-nos, muitas vezes, a crescer, a amadurecer, a despirmo-nos de orgulhos e
auto-suficiências, a confiar mais em Deus… Somos convidados a tomar consciência
de que o sofrimento pode ser, também, um caminho para ressuscitarmos como
homens novos, para chegarmos à vida plena e definitiva.
• De qualquer forma, somos convidados a
percorrer a nossa vida com esperança, olhando para além dos problemas e
dificuldades que dia a dia nos fazem tropeçar e vendo, no horizonte, a salvação
definitiva. Isto não significa alhearmo-nos da vida presente; mas significa
enfrentar as contrariedades e os dramas de cada dia com a serenidade e a paz de
quem confia em Deus e no seu amor.
Evangelho
– Jo 20,19-31 – AMBIENTE
19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.
20Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.
21Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. 22E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”.
24Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”.
26Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”.
27Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. 28Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” 29Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”
30Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. 31Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
Continuamos na segunda parte do Quarto
Evangelho, onde nos é apresentada a comunidade da Nova Aliança. A indicação de
que estamos no “primeiro dia da semana” faz, outra vez, referência ao tempo
novo, a esse tempo que se segue à morte/ressurreição de Jesus, ao tempo da nova
criação.
A comunidade criada a partir da ação de
Jesus está reunida no cenáculo, em Jerusalém. Está desamparada e insegura,
cercada por um ambiente hostil. O medo vem do fato de não terem ainda feito a
experiência de Cristo ressuscitado.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto divide-se em
duas partes bem distintas.
Na primeira parte (vs. 19-23),
descreve-se uma “aparição” de Jesus aos discípulos. Depois de sugerir a
situação de insegurança e de fragilidade em que a comunidade estava (o
“anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo”), o autor deste texto apresenta Jesus
“no centro” da comunidade (v. 19b). Ao aparecer “no meio deles”, Jesus
assume-se como ponto de referência, fator de unidade, videira à volta da qual
se enxertam os ramos. A comunidade está reunida à volta d’Ele, pois Ele é o
centro onde todos vão beber essa vida que lhes permite vencer o “medo” e a
hostilidade do mundo.
A esta comunidade fechada, com medo,
mergulhada nas trevas de um mundo hostil, Jesus transmite duplamente a paz (vs.
19 e 21: é o “shalom” hebraico, no sentido de harmonia, serenidade, tranquilidade,
confiança, vida plena). Assegura-se, assim, aos discípulos que Jesus venceu
aquilo que os assustava (a morte, a opressão, a hostilidade do mundo); e que,
doravante, os discípulos não têm qualquer razão para ter medo.
Depois (vers. 20a), Jesus revela a sua
“identidade”: nas mãos e no lado trespassado, estão os sinais do seu amor e da
sua entrega. É nesses sinais de amor e de doação que a comunidade reconhece
Jesus vivo e presente no seu meio. A permanência desses “sinais” indica a
permanência do amor de Jesus: Ele será sempre o Messias que ama e do qual
brotarão a água e o sangue que constituem e alimentam a comunidade.
Em seguida (v. 22), Jesus “soprou”
sobre os discípulos reunidos à sua volta. O verbo aqui utilizado é o mesmo do
texto grego de Gn 2,7 (quando se diz que Deus soprou sobre o homem de argila,
infundindo-lhe a vida de Deus). Com o “sopro” de Gn 2,7, o homem tornou-se um
ser vivente; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a vida nova que
fará deles homens novos. Agora, os discípulos possuem o Espírito, a vida de
Deus, para poderem – como Jesus – dar-se generosamente aos outros. É este
Espírito que constitui e anima a comunidade de Jesus.
Na segunda parte (vs. 24-29),
apresenta-se uma catequese sobre a fé. Como é que se chega à fé em Cristo
ressuscitado?
João responde: podemos fazer a
experiência da fé em Cristo vivo e ressuscitado na comunidade dos crentes, que
é o lugar natural onde se manifesta e irradia o amor de Jesus. Tomé representa
aqueles que vivem fechados em si próprios (está fora) e que não faz caso do
testemunho da comunidade, nem percebe os sinais de vida nova que nela se
manifestam. Em lugar de se integrar e participar da mesma experiência, pretende
obter (apenas para si próprio) uma demonstração particular de Deus.
Tomé acaba, no entanto, por fazer a
experiência de Cristo vivo no interior da comunidade. Porquê? Porque no “dia do
Senhor” volta a estar com a sua comunidade. É uma alusão clara ao Domingo, ao
dia em que a comunidade é convocada para celebrar a Eucaristia: é no encontro
com o amor fraterno, com o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada, com o
pão de Jesus partilhado, que se descobre Jesus ressuscitado.
A experiência de Tomé não é exclusiva
das primeiras testemunhas; todos os cristãos de todos os tempos podem fazer
esta mesma experiência.
ATUALIZAÇÃO
• A comunidade cristã gira em torno de
Jesus, constrói-se à volta de Jesus e é d’Ele que recebe vida, amor e paz. Sem
Jesus, estaremos secos e estéreis, incapazes de encontrar a vida em plenitude;
sem Ele, seremos um rebanho de gente assustada, incapaz de enfrentar o mundo e
de ter uma atitude construtiva e transformadora; sem Ele, estaremos divididos,
em conflito, e não seremos uma comunidade de irmãos… Na nossa comunidade,
Cristo é verdadeiramente o centro? É para Ele que tudo tende e é d’Ele que tudo
parte?
• A comunidade tem de ser o lugar onde
fazemos verdadeiramente a experiência do encontro com Jesus ressuscitado. É nos
gestos de amor, de partilha, de serviço, de encontro, de fraternidade, que
encontramos Jesus vivo, a transformar e a renovar o mundo. É isso que a nossa
comunidade testemunha? Quem procura Cristo, encontra-O em nós?
• Não é em experiências pessoais,
íntimas, fechadas e egoístas que encontramos Jesus ressuscitado; mas
encontramo-l’O no diálogo comunitário, na Palavra partilhada, no pão repartido,
no amor que une os irmãos em comunidade de vida. O que é que significa, para
mim, a Eucaristia?n
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