O encontro entre Jesus e a samaritana reflete o encontro de duas sedes: a sede de Deus pela alma do homem e a sede do homem por Deus. Por vezes, ao ler esse texto, imagino Jesus naquele sol escaldante, fatigado, cansado, sem forças, sentado ao lado de uma fonte, e o pior, em uma terra em que Ele não era tão bem recebido, a Samaria.
Esse texto, esse rico e profundo texto, revela a qualidade e a profundidade da oração que somos chamados a “ter” com o Senhor. Ele se coloca como necessitado diante de nós como se colocou diante daquela mulher, para despertar em nosso coração a necessidade que temos de estar diante dele, de “beber” da sua presença, de saciar-nos do seu amor.
Encontramos hoje diversos materiais, livros, textos, pregações, cursos, que definem, nos falam, explicam... sobre a vida de oração, mas nada tão real e concreto do que vivenciar esse encontro tão pessoal que se passa entre Deus e eu.
Não existe “hora” para fazer oração, existe sim, vida de oração. A oração não se trata de um mero compromisso marcado, como fazemos com uma reunião, uma consulta médica... Seria terrivelmente empobrecedor nos relacionarmos com Deus assim; a oração é algo muito mais abrangente, é um encontro entre um eu e um tu, é Presença de Deus em mim, e isso não se resume a uma ou duas horas, mas se estende por todo o meu dia, por toda a minha vida. Claro, necessitamos parar, silenciarmos diante de Deus, dialogarmos com Ele em algum momento durante o dia, mas isso só enriquece a minha experiência oracional, não é o fim, não a define, é mais um meio de cultivar essa presença que eu trago e amo “com todo o meu coração, alma e espírito”. Se não nos conscientizarmos dessa presença em nós, passaremos a vida inteira a ler, estudar e não aprenderemos a rezar, a ter oração. Ficaremos sempre no fazer, e amizade não se faz, se vive.
Por exemplo: por mais que eu queira esquematizar o que partilharei ao meu amigo na próxima conversa que teremos, sei que tudo na hora terá o seu livre curso, porque não há nada mais livre, espontâneo, gostoso e verdadeiro do que o diálogo entre amigos, assim percebo que é com Deus, por mais que se fale, pense, estude sobre oração, faz-se necessário rezar, experimentar, dialogar, silenciar, perscrutar...
Deus tem sede de mim e essa certeza me impulsiona a Ele, mesmo se na minha inconstância os meus sentimentos me traem, desaparecem. A amizade com Deus é uma convicção de fé que vai além de qualquer outro sentimento.
Por vezes pensamos que devemos ser muito santos e virtuosos para ser tido com amigo de Deus. Pura ilusão e pretensão! A amizade é uma escolha e Deus me escolheu e eu o escolhi, sustentada é claro, pela escolha primeira dele. Essa escolha escapa de todos os roteiros, definições e modelos, porque a cada dia Deus nos trata de forma pessoal e não podemos perder a riqueza de desbravar o caminho espiritual que Ele traçou para nós. A forma única que Deus se relaciona comigo enriquecerá o mundo, a Igreja, assim como Ele se relacionou com a samaritana, o jovem rico e os grandes mestres espirituais.
A oração não é coisa para monge, eremita, consagrado, místico. A oração é um dom para cada homem que se descobre amado, filho de Deus. É impossível não querer estar perto de quem nos sentimos amados. Todas as experiências de oração alheias são válidas para me ajudar a traçar o meu itinerário espiritual. Não esperemos tempo, ocasião, lugar, para começarmos a orar, pois como Ele disse a samaritana “a hora já chegou, e os verdadeiros adoradores adorarão em espírito e em verdade”. Essa palavra é de um poder encorajador, não importa onde e como, sou capaz de Deus, na minha vida normal e ordinária sou capaz de Deus, de estar e viver com Deus, de falar-lhe, de escutar-lhe. Que alegria! Me maravilho quando imagino que bem longe, na mais distante terra e cultura, existe um homem que é capaz de Deus, de ser amigo de Deus, de se relacionar com Ele. “É um saber maravilhoso e me ultrapassa, é alto demais: não posso atingi-lo!”.
Vamos ao poço que é o próprio Cristo e deixemos que todo o nosso corpo, alma e espírito, história de vida, verdade, se renda diante do seu imperscrutável mistério. Deixemos que das nossas “profundezas” suba o nosso clamor.
Uma vida saudável é fruto de uma espiritualidade sadia. Por isso, quanto mais amigo de Deus, mais somos amigos dos homens e sensível as suas dores e também as nossas. Longe de nos centralizarmos nele, nos envia ao encontro do outro. Uma vida de oração que não tem doação está longe de ser verdadeira, ao contrário, é estéril. O homem orante se oferta, tem como desejo a doação e não apenas faz “gestos” de doação.
Quanto mais nos envolvemos com o outro, mais pertencemos a Deus. Rezar é dialogar! A oração é uma escola de amor. É um dom, “se tu soubesses o dom de Deus...”. É impossível imaginarmos a altura, a profundidade desse amor. Quanto mais orante, mais feliz, mais humano. Encarnamos com convicção os valores e os ideais de Cristo. A oração é amizade, como define Santa Teresa d`Ávila. E amizade é uma relação pessoal com quem amamos. Por vezes, pensa-se de forma errônea que oração é solidão consigo mesmo, puro egoísmo! Oração é solidão com o Outro. Eu me recolho com alguém, Deus que está dentro de mim. Orar é “entrar”, é viver! (Frei Maximiliano Herraiz).
Deixemos Deus ser o protagonista da nossa vida de oração, para que na sua presença possamos nos surpreender, nos enamorarmos com seus “regalos”.
Márcia Fernanda Moreno dos Santos
Shalom Maná
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