Uma pessoa é católica praticante, porém por desgostos pessoais com a vida, enforcou-se. Antigamente, não se podia celebrar a missa de corpo presente. Hoje, isso seria possível?
O internauta parte do pressuposto de já conhecer a normativa do Código
de Direito Canônico de 1917. Contudo, tendo em vista uma resposta mais
convincente, já que a maioria de nossos internautas (paroquianos
virtuais) não teve acesso às normas daquele Código, apresento duas
breves alavancas como resposta, tendo como base os dois Códigos:
1) A privação das exéquias no Código de 1917
O cânon 1240 do Código de 1917 era taxativo, ao afirmar que estavam privados de sepultura eclesiástica, salvo restando que tivessem manifestado algum sinal de arrependimento antes da morte:
1. Os apóstatas notórios da fé cristã e os que eram afiliados a uma seita herética, cismática, à seita maçônica ou outra afiliação do mesmo gênero;
2. Os excomungados ou interditados, após a sentença condenatória ou declaratória;
3. Os que se suicidaram, deliberadamente;
4. Os que morriam em duelo ou de um ferimento nele recebido;
5. Os que solicitaram a cremação de seu cadáver;
6. Os pecadores públicos e manifestos.
Determinava ainda o mesmo cânon, parágrafo segundo, que em caso de dúvida, fosse consultado o Ordinário do lugar. Somente se concedia a sepultura eclesiástica, caso isso não provocasse escândalo na comunidade. E uma vez que era negada a sepultura eclesiástica a um fiel cristão, negava-se-lhe também a missa exequial (missa de corpo presente).
2. A privação das exéquias no Código de 1983
O Código de 1983 admite que sejam celebradas as missas de corpo presente até mesmo aos catecúmenos, às crianças que morreram sem serem batizadas e aos batizados não católicos (cânon 1183). No caso dos catecúmenos, são admitidos, porque são pessoas que já estão inseridos na comunidade eclesial e são equiparados aos batizados. No caso de crianças não batizadas, são admitidas com a licença do Ordinário local, desde que os genitores manifestem que pretendiam o seu batismo na Igreja. E no caso dos cristãos acatólicos, podem ser admitidos, desde que eles não tenham manifestado uma vontade contrária a isso.
Em relação à privação das exéquias eclesiásticas, o cânon 1184 legisla que são excluídos:
1. Os apóstatas, os hereges e os cismáticos notórios;
2. Os que escolheram a cremação de seus corpos, por motivos contrários à fé cristã;
3. Os outros pecadores manifestos, caso forem motivo de escândalo público.
Reza ainda o cânon que em caso de dúvida, seja consultado o Ordinário local (cânon 1184, § 2). E a quem são negadas as exéquias, também lhes é negada a missa de corpo presente (cânon 1185).
Fazendo um paralelo entre os dois Códigos, podemos colher as seguintes orientações, à guisa de conclusões:
1) A normativa atual é menos restritiva, colocando apenas algumas balizas orientativas, deixando a critério do bom senso do pároco ou do administrador paroquial uma margem muito larga, sobretudo voltada para inclusão e não tanto à exclusão das exéquias, como era no Código anterior;
2) Não são mais privados de exéquias os que pretendem a cremação de seus corpos, salvo restando que sejam por motivos contrários à doutrina cristã (cânon 1176, § 3);
3) Não são mais privados de exéquias os cristãos que, não obstante sejam católicos, tenham se afiliado a um movimento religioso ou teosófico não católico, como era o caso, por exemplo, da maçonaria. Basta que isso não provoque escândalo na comunidade.
Portanto, aplicando o Código de 1917 ao caso em tela, o internauta não teria dúvida em negar a sua celebração de corpo presente, como era o caso de uma pessoa que suicidava, pelo enforcamento.
Hoje, havendo como
panorama de fundo o critério da misericórdia sobre a lei e da salvação
das pessoas (cânon 1752), aliado à evolução das ciências na compreensão
mais profundo do ser humano, não temos elementos objetivos para excluir
da celebração de corpo presente um caso como esse, pelo simples fato de
não sabermos os reais motivos do seu enforcamento. Antes de toda e
qualquer atitude condenatória, tenhamos presente a mensagem de Cristo,
legada à humanidade no momento crucial de sua morte, ao bom ladrão:
"Hoje mesmo estarás presente comigo no paraíso" (Lc 23,43).
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