A
cura dita “entre gerações” não pode significar que uma geração tenha de
prestar expiação pelos pecados dos antepassados pois cada um responde
por si apenas.
Pode-se entender tal cura do seguinte modo: todo pecado deixa suas
consequências na sociedade em que tenha sido cometido: mau exemplo, ódio
de uns para os outros, estímulo à vingança…
Ora o que o cristão pede a Deus, não é o perdão dos pecados alheios
(no além já não há conversão), mas pede que faça cessar a má influência
que os pecados dos antepassados exercem seja extinta, ficando todos os
descendentes isentos de qualquer consequência negativa derivada dos
pecados dos antepassados.
Debate-se muito a questão da “cura entre gerações”: deveria uma
geração prestar satisfação a Deus pelos pecados de seus antepassados? – É
o que passamos a examinar nas páginas subsequentes.
1. Uma falsa interpretação
Há
quem julgue que o sofrimento que alguém hoje padece não é senão a
consequência dos pecados dos antepassados, pois está escrito em Êx 20,5:
“Castigo a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta
geração dos que me odeiam”. Seria preciso então pedir a Deus a cessação
de tal castigo.
Esta concepção é falha a mais de um título:
a) pode dar a crer que estamos sujeitos a certa
fatalidade, pesada e cruel, atormentando pessoas inocentes. O livre
arbítrio não funcionaria; haveria um destino traçado para cada ser
humano em consequência dos pecados dos antepassados:
No tempo do exílio de Judá na Babilônia (587-538), muitos dos
exilados se recusavam a fazer penitência, pois diziam que estavam sendo
punidos não por causa de seus pecados, mas por causa da iniquidade dos
ancestrais. Assim se exprimia a mentalidade do clã: todos pagam por um. –
A este modo de pensar se opuseram, em nome do Senhor, os profetas
Jeremias e Ezequiel:
Jr 31, 29s: “Naqueles dias não se dirá mais: os pais
comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos ficaram embotados. Mas cada
um morrerá por sua própria iniquidade: todo aquele que comer uvas
verdes, ficará com os dentes embotados.” Ver Ezequiel 18, 1-9.
Como se vê, a responsabilidade é pessoal, ao invés do que pensavam os
antigos judeus, que professava a mentalidade do clã: esta não levava
devidamente em conta o indivíduo, mas o clã, o conjunto a que pertencia
cada indivíduo. Aos poucos foi-se valorizando o indivíduo como tal e
suas responsabilidades pessoais. Não há destino; o livre arbítrio do
homem é capaz de fazer suas opções, sem depender do que tenham feito ou
não feito os antepassados.
Locução semelhante ocorre em Êx 20, 8: “Uso de misericórdia até a
milésima geração com aqueles que me amam e observam os meus
mandamentos.” A alusão à mentalidade do clã chega a ser hiperbólica. –
Daí a pergunta:
2. Como entender a cura entre gerações?
Eis a explicação mais plausível:
Toda iniquidade, principalmente as graves falhas, deixam marcas na
sociedade em que vive o pecador: um mau exemplo, um precedente daninho
que se abre, ódio, desejo de retaliação… Não é só o pecador que se
prejudica pelo pecado, mas é a sociedade que com ele sofre danos físicos
ou morais. Principalmente os familiares mais próximos descendentes do
delinquente culpado sentirão a amargura da herança deixada pelo(s)
ancestrais falecidos. Os pecados cometidos pelos antepassados podem ter
consequências para as gerações futuras não porque Deus queira castigar a
estas, mas porque transmitem um âmbito marcado pelo pecado. Esse âmbito
pode influenciar o livre arbítrio de alguns descendentes, mas não lhe
tira a liberdade de optar pelo bem, à revelia do que sugere o legado
recebido dos ancestrais.
É
sobre este pano de fundo que se coloca a cura das gerações. Esta não
pede a Deus perdão pelas culpas dos antepassados, mas pede que os
desgastes causados pelo pecado dos mais velhos não afetem os
descendentes. O sofrimento de que padece alguém hoje não é
necessariamente castigo; pode ser uma provação; Deus é pai, que ama seus
filhos e, por isto, os educa e corrige, burilando suas arestas para que
possam ser cidadãos dignos da Jerusalém celeste. A graça de Deus pode
livrar determinado indivíduo dos seus sofrimentos, principalmente quando
obtida através da Santa Missa. Mas, como dito, o sofrimento pode ser
uma provação valiosa que faz amadurecer a nossa fé e que convém aceitar
generosamente, sem que o cristão peça a sua cessação, mas antes peça a
coragem para atravessar com alegria e magnanimidade o período da
provação, do qual poderá sair ainda mais santificado.
Em conclusão dizemos: a) após quanto ponderamos não creiamos que todo
sofrimento é castigo de pecados do sofredor ou dos seus antepassados,
mas b) também reconheçamos que estamos sujeitos a sofrer das
imprudências ou da altivez de nossos ancestrais (sem que Deus esteja
punindo por pecados do passado).
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