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Muita gente tem sobre a infalibilidade do Papa uma noção que a Igreja nunca, e em parte alguma, ensinou. Neste texto, confira uma resposta às principais objeções que as pessoas têm a esse dogma.
Sinto, meus irmãos, que alguns gostariam de fazer certas
objeções — objeções que ouviram, ou leram, contra a infalibilidade do
Papa. Não se pode imaginar quanta ideia errônea circula por aí a
respeito desse dogma e quanta gente há que levanta contra ele objeções,
porque tem sobre a infalibilidade do Papa uma noção que a Igreja nunca, e em parte alguma, ensinou.
Ouçamos o que alguns dizem sobre essa questão.
1. “Tudo o que ouvimos até agora é certo. É preciso que seja assim. Não duvido. Mas que o Papa seja infalível em tudo, não posso crê-lo.”
Mas onde é que a Igreja ensina semelhante coisa, meus irmãos? Onde é que ela ensina que o Papa é infalível em tudo? É unicamente nas questões de fé e de moral, e, ainda, somente quando ele não se pronuncia como doutor particular [1], mas quando, oficialmente, como chefe da Igreja, proclama uma decisão que atinge toda a Igreja. É só então — e não noutros casos.
Suponhamos, por exemplo, que seja eleito Papa alguém que antes era um
grande matemático. E eis que se apresenta a ele um professor de
matemática e lhe diz: “Santíssimo Padre, há anos que lido com um
problema, e agora consegui resolvê-lo. Vede se a solução está exata.” O
Papa examina-a. “Está exata” — diz ele enfim. E agora a solução está certamente exata porque o “Papa infalível” assim a achou? De modo algum. Por quê? Porque Cristo não lhe deu a infalibilidade para isso. E por que não? Porque isso não interessa à salvação dos homens, e a infalibilidade não é necessária nesse caso.
Tomemos outro exemplo. O Papa Pio XI, antes do seu pontificado, era o
sábio bibliotecário da biblioteca Ambrosiana em Milão. Suponhamos que
um historiador fosse ter com ele, levando um velho manuscrito, e lhe
dissesse: “Santíssimo Padre, descobri um manuscrito extremamente
importante, mas não posso decidir se não é falsificado.” O Papa
examina-o e responde: “O documento é autêntico.” É ele agora seguramente
autêntico porque o “Papa infalível” o disse? Absolutamente não. E por
quê? Porque Cristo não lhe deu a infalibilidade para isso.
Se o Papa calcula mal, ou engana-se em História, isso não interessa à
salvação eterna dos fiéis. Mas quando decide em matéria de fé e de
moral, não pode enganar-se. Porém, mesmo aqui, somente se ele toma uma decisão aplicável à Igreja universal, e na qualidade de chefe de toda a Igreja.
2. Outros apresentam outra objeção. Consideram inconveniente que o Papa, em virtude da infalibilidade, “seja elevado a uma glória sobre-humana”, como se “deixasse de ser mortal”, e até mesmo que esteja seguro da sua salvação eterna, visto como — dizem eles —, se ele é infalível, “então não pode mais pecar”.
Precisarei, irmãos, dizer-vos que absolutamente não se trata disto?
a) “O Papa está circundado de glória sobre-humana”?
Quando o Papa é coroado, é conduzido solenemente em procissão à Basílica
de São Pedro. Mas o mestre de cerimônias faz parar a procissão e,
acendendo um punhado de estopa, diz ao Papa: Beatissime Pater, sic transit gloria mundi, que quer dizer: “Santo Padre, assim passa a glória do mundo”. A vossa também passará — mas sois infalível, porque as duas coisas são independentes.
b) “O Papa deixa de ser um mortal”? Na terça-feira
gorda tem lugar o célebre carnaval italiano. Mas, no dia seguinte, as
igrejas estão cheias de fiéis para receber as cinzas. Na capela do
Vaticano um velho sacerdote, vestido de branco, está ajoelhado diante do
altar; outro sacerdote desce do altar e, enquanto impõe as cinzas na
fronte do Papa e o Papa inclina a cabeça branca, a Igreja pronuncia
sobre ele a mesma fórmula que sobre os milhões de fiéis nesse dia: Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris, “Lembra-te, homem, de que és pó e ao pó hás de tornar”. Também vós, Santíssimo Padre, volvereis ao pó — mas sois infalível, porque, as duas coisas são independentes.
c) “E o Papa não pode mais pecar”? A infalibilidade não
significa isso. Ele não pode enganar-se em questões de fé e de moral,
mas pode enganar-se na sua própria vida moral. As fraquezas da natureza
humana subsistem no Papa, ele também pode cometer pecados e — ai! — a
história narra tristes quedas morais relativamente a alguns. Cristo, que suportou até mesmo um Judas entre seus Apóstolos, não escolheu os Papas unicamente dentre os santos.
Sim, tem havido entre eles mais santos e personagens virtuosos do que
em qualquer família reinante; mas houve também — infelizmente — um
Alexandre VI. E não há Papa que ouse aproximar-se do altar sem recitar,
nas orações ao pé do altar, o que todo padre recita: Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa, “Por minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa”.
Uma tarde em cada semana, quando os derradeiros raios do sol poente
iluminam as janelas do Vaticano, por trás de uma dessas janelas, um
sacerdote de vestes brancas levanta-se da mesa de trabalho, percorre um
corredor silencioso e bate a uma porta. Um simples padre levanta-se para
lhe atender ao chamado. “Queria confessar-me”, e o Papa ajoelha-se no
confessionário. Ao cabo de alguns minutos, sobre o Papa ajoelhado, sobre
o Papa que se confessou, descem as palavras da absolvição: Ego te absolvo, “Eu te absolvo”. Então o Papa se confessa? Certamente. O Papa infalível também pode pecar? Sim, pode, pois as duas coisas são independentes.
Nós não fazemos, pois, do Papa “um ente sobrenatural”; o Papa não deixa de ser “um homem mortal, frágil e suscetível de cair”, apesar do que cremos e confessamos a seu respeito.
(via Pe. Paulo Ricardo)
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