Ó Jesus que me remistes com o Vosso Sangue, fazei que o Vosso Sangue produza em mim todo o Seu fruto.
Na liturgia de hoje [1] sobressai a majestosa figura de Jesus, como a
de um rei que se apresenta ao povo no esplendor do seu manto real:
“Quem é este — canta o Ofício do dia — que vem… com vestidos tingidos,
esplendoroso na sua túnica?” (Breviário Romano). Mas o manto envergado por Cristo não é resplandecente pelo bisso ou pela púrpura, mas pelo sangue, pelo Seu Sangue, derramado pelos nossos pecados: “Está vestido com uma veste manchada de Sangue, e chama-se o Verbo de Deus” (ib.).
Aquele Sangue que o Verbo, ao incarnar, tomou da nossa natureza humana, todo no-lo devolveu como preço do nosso resgate. Não o fez obrigado por ninguém, mas livremente, porque quis, porque nos amou: “Cristo amou-nos e lavou-nos dos nossos pecados no seu sangue” (Ap 1, 5). Todos os mistérios da nossa redenção são mistérios de amor e todos, por isso, nos incitam ao amor; mas aquele que hoje meditamos tem uma nota particularmente comovedora,
porquanto nos leva a considerar a Redenção sob o seu aspecto mais
cruento: a efusão do Sangue de Jesus, que corre do Calvário tingindo de
púrpura o mundo inteiro, rociando todas as almas.
Cristo remiu-nos “não com sangue dos bodes ou bezerros — exclama S. Paulo na Epístola (Hb 9, 11-15) — mas com o seu próprio sangue”: grandiosa realidade, realidade que se fosse deveras compreendida, seria mais que suficiente para fazer de nós autênticos santos.
Devemos ter o “sentido” do Sangue de Cristo, do Sangue que Ele derramou
por nós até à última gota, Sangue que, por meio dos sacramentos — da
confissão, em particular — jorra continuamente para rociar as nossas almas,
para as lavar, purificar e enriquecer com os méritos infinitos do
Redentor. “Banhai-vos no Sangue, mergulhai no Sangue, revesti-vos do
Sangue de Cristo”, era o grito incessante de Santa Catarina de Sena.
No Ofício do dia, S. Paulo convida-nos com ardor a correspondermos ao
dom de Cristo: “Jesus, para santificar o povo com o seu sangue padeceu
fora da porta [de Jerusalém]. Saiamos pois ao seu encontro… levando o
seu opróbrio”. Se queremos que o Sangue de Cristo produza em nós todo o seu fruto, devemos unir-lhe o nosso.
Somente o Seu é preciosíssimo, tão precioso que uma só gota era
suficiente para salvar todo o mundo. Todavia Jesus quer, como sempre,
que lhe juntemos a nossa parte, o nosso contributo de sofrimento, de
sacrifício, “levando o seu opróbrio”.
Se formos sinceros temos de reconhecer que procuramos fugir quanto podemos aos opróbrios de Cristo;
se às vezes uma falta de delicadeza, uma pequena ofensa ou uma
palavrita mordaz basta para nos irritar, como poderemos dizer que somos
capazes de partilhar as humilhações do Mestre divino? Ei-lO tratado como
um malfeitor, arrastado pela soldadesca, entre escárnios grosseiros,
para fora da porta de Jerusalém e aí crucificado no meio de dois
ladrões. E nós, que parte tomamos na Sua Paixão? De que modo partilhamos os Seus opróbrios?
Foi para nos redimir que “Jesus sofreu a cruz sem fazer caso da
ignomínia… E vós — censura S. Paulo — ainda não resististes até ao
sangue, combatendo contra o pecado” (Hb 12, 2 e 4). Poderemos
dizer que somos capazes de lutar “até ao sangue” para vencer os nossos
defeitos, o nosso orgulho, o nosso amor próprio? Oh! quão
fracos e covardes somos na luta, quão indulgentes e compassivos para
conosco, sobretudo para com o nosso orgulho! Jesus, inocentíssimo,
castigou em Si mesmo os nossos pecados, a ponto de padecer uma morte
sangrenta e ignominiosa; e nós, que somos culpados, não sabemos puni-los
em nós mesmos, não digo até ao sangue, mas nem sequer até ao sacrifício
do nosso amor próprio.
Eis o sangue que Jesus nos pede para juntar ao Seu: o sangue que brota da negação plena e sincera do nosso eu,
da aceitação humilde e generosa de tudo o que mortifica, quebra e
destrói o nosso orgulho. O Sangue preciosíssimo de Jesus dar-nos-á para
isso a força “porque a alma que se inebria e se submerge no Sangue de
Cristo, veste-se de verdadeiras e reais virtudes” (Santa Catarina de
Sena).
Colóquio — “Ó Jesus, dulcíssimo amor, para fortalecerdes a minha alma e a libertardes da fraqueza em que havia caído pelo pecado, cercaste-a com um muro tendo amassado a cal com a abundância do Vosso Sangue,
deste Sangue que une e confirma a alma na doce vontade e caridade de
Deus! E como para unir as pedras se põe cal amassada com água, assim
Vós, meu Deus, pusestes, entre Vós e as criaturas o Sangue do Vosso
Unigênito Filho, amassado com a cal viva do fogo duma ardentíssima
caridade; por isso não há Sangue sem fogo nem fogo sem Sangue. O Vosso Sangue, ó Cristo, foi derramado com o fogo do amor” (Sta. Catarina de Sena).
“Eu vos adoro, ó Sangue preciosíssimo de Jesus, flor da criação,
fruto da virgindade, instrumento inefável do Espírito Santo, e exulto
pensando que, provindo das gotas do sangue virginal, ao qual imprimiu
movimento o eterno amor, fostes assumido pelo Verbo e deificado na Sua
pessoa. Enterneço-me profundamente pensando que do Coração da Virgem passastes ao Coração do Verbo, e animado pelo sopro da divindade, vos tornastes digno de adoração por serdes Sangue de um Deus.
Eu vos adoro encerrado nas veias de Jesus, conservado na Sua
Humanidade como o maná na arca de ouro, memorial da Redenção eterna, por
Ele operada nos dias da Sua vida mortal. Adoro-vos, Sangue do Novo e
eterno Testamento, irrompendo das veias de Jesus no Getsêmani,
das Suas carnes flageladas no Pretório, das mãos e pés trespassados e do
lado aberto no Gólgota. Adoro-vos nos sacramentos; adoro-vos na Eucaristia, onde sei que estais substancialmente contido…
Em vós deposito a minha confiança, ó adorável Sangue, nosso preço e nosso banho. Caí gota a gota, suavemente, nos corações transviados e abrandai a sua dureza.
Limpai, ó Sangue adorável de Jesus, limpai as nossas manchas,
salvai-nos da ira do anjo exterminador. Regai a Igreja: fecundai-a de
taumaturgos e de apóstolos, enriquecei-a de almas santas, puras e
radiantes de beleza divina” (S. Alberto Magno).
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