Hoje, porém, a humildade é uma das virtudes mais esquecidas e desprezadas. Em um mundo que valoriza muito as aparências, em uma sociedade do marketing e do “impressionar”, a humildade é muitas vezes vista como uma fraqueza e uma possível limitação. Em certo sentido não faltam razões para pensar assim. Muitos têm um conceito de humildade que significa um menosprezo da pessoa. Às vezes acredita-se que humildade é proclamar a pouca habilidade ou valor que se tem, falar de si mesmo em termos pouco elogiosos, dizer com aparente sinceridade que é pouco inteligente, que não é hábil em tal ou qual coisa, que os outros são muito melhores que si mesmo.
Humilde, porém, não é o que se menospreza nem o que nega seu próprio valor como pessoa. O Senhor nos dá uma chave fundamental para entender o que é a humildade quando nos diz: «Aprendam de mim, que sou manso e humilde de coração» (Mt 11,29). Ele é a verdade, e aprender dEle é precisamente deixar-nos iluminar por sua verdade. A humildade, então, pode ser entendida como andar na verdade. O que significa andar na verdade? Significa reconhecer e aceitar, como filhos de Deus, nossa dignidade e nossa condição humana, com todas as suas grandezas e fragilidades. Neste sentido, a gnosis à qual nos convida São Pedro em sua escada espiritual (ver 2Pe 1,5) está muito relacionada com a humildade, pois nos convida a conhecer-nos cada vez melhor no encontro com o Senhor Jesus, deixando-nos iluminar por Ele, reconhecendo com simplicidade e autenticidade tanto nossas grandezas como nossas limitações.
«A humildade — dizia São João Paulo II — não se identifica com a humilhação ou resignação. Não é igual à pusilanimidade. Justamente o contrário. A humildade é submissão criativa à força da verdade e do amor. A humildade é rejeição das aparências e da superficialidade; é a expressão da profundidade do espírito humano; é condição de sua grandeza»[1]. Humildade e verdade estão, então, profundamente relacionadas. Com Cristo e em Cristo podemos viver a humildade, que nos leva a reconhecer com sinceridade nossas faltas, recorda-nos a grande dignidade que todos possuímos como filhos de Deus, e nos convida a viver uma relação de autenticidade com Jesus e nEle com nós mesmos e com nossos irmãos. «A humildade de Cristo — nos diz o Papa Francisco — é real… é um modo de ser e de viver que parte do amor, parte do coração de Deus»[2]. Aproximar-nos cada vez mais do Senhor Jesus, aprendendo dEle e portanto, deixando-nos converter por Ele, irá de mãos dadas com uma humildade cada vez maior.
Caminho para chegar mais alto
A humildade é também caminho de liberdade e, embora possivelmente a princípio não pareça, caminho de grandes ideais. Certamente não os “grandes ideais” segundo o “mundo”, mas sim o grande ideal da santidade e da vida em Cristo. A humildade nos permite ser objetivos quanto a nossas capacidades e realistas em nossas aspirações. Isto não significa que devemos ser pouco ambiciosos em nossos ideais. Muitas vezes uma falsa humildade — que pode disfarçar medo de errar ou soberba — nos leva a assumir uma atitude pacata, como a do servo do Evangelho que por medo de seu Senhor preferiu enterrar o talento que este lhe confiou em vez de pô-lo para render[3].
Uma falsa humildade aparece às vezes como um pensamento que nos diz: “Não conseguirás” porque tu és “pouca coisa”. Evidentemente há muitas coisas que objetivamente não podemos fazer porque superam nossas capacidades. E não se trata de achar que somos “capazes de tudo” para estimular a “auto-estima”. A falsa humildade, seja por excesso ou por defeito, leva-nos a nos colocarmos no centro. O caminho da humildade nos ajuda a pôr o centro de nossa vida no Senhor Jesus e aprender com Ele a reconhecer nosso valor, nosso chamado. Enraizados em Jesus aprendemos a confiar, a nos lançarmos atrás do ideal que Ele nos propõe a partir de uma reta e veraz consideração de nossas capacidades e limitações.
A humildade, como podemos ver, ajuda-nos a integrar, em nossa vida cotidiana, a consciência real de que contamos com a força de Deus, sem a qual não há crescimento em santidade; de que mesmo que sintamos que não somos capazes — como se vê tantas vezes na Escritura — se o Senhor nos pedir algo é porque podemos fazê-lo com Ele; a consciência de que se caímos e erramos o rumo no caminho, podemos reconhecer nossa falta, nos arrepender e recorrer com confiança à misericórdia amorosa do Pai. Como caminho de liberdade, a humildade nos liberta das cadeias da soberba, da vanglória, da autorreferencialidade e nos ajuda a dirigir nossa vida para os altos ideais que Jesus nos apresenta.
Tudo isto nos leva também a não colocar barreiras inúteis diante de nós ou desculpas injustificadas que muitas vezes não são outra coisa que mesquinhez e egoísmo frente a um maior compromisso com o Senhor. Libertar-nos dessas barreiras, vivendo a humildade, significa avançar por um caminho de autêntica liberdade e desdobramento. «Quer ser grande? Começa pelo menor. Pensa construir um grande edifício que se eleve muito? Pensa antes no alicerce da humildade», dizia Santo Agostinho[4].
Assim como a humildade nos dá uma valorização mais autêntica de nós mesmos, também é caminho para conhecer melhor os outros. A humildade segue de mãos dadas com uma aceitação de nossa realidade, que não se esgota em nossos dons e fragilidades, e nos leva precisamente a uma aceitação da outra pessoa a partir de sua realidade mais profunda que vai muito além de seus dons e fragilidades, de seus acertos e falhas. Ela ilumina nossa vida com a luz do Senhor Jesus, e na aceitação sincera de nós, aprendemos a aceitar e valorizar os outros. Torna-nos mais compreensivos com quem nos rodeia e mais dispostos a entender o próximo.
Como viver a humildade?
Acostumados a julgar pelo exterior muitas vezes somos incapazes de reconhecer o realmente valioso que há em nosso interior. A conversão, que nos leva a viver cada vez mais como autênticos filhos de Deus, ajuda-nos a pôr os alicerces de uma sólida virtude da humildade. Esse é, então, o primeiro passo: um sério compromisso por querer ser cada vez mais como o Senhor Jesus, procurando viver em abertura à graça que nos transforma e nos dá forças para crescer.
Como a humildade não é nos lançar na lama nem nos menosprezar, um passo importante para ser humildes será também reconhecer os dons que temos. Se formos bondosos, ou inteligentes, ou possuímos grande espírito de serviço, a humildade nos leva a aceitar e reconhecer que temos esses dons. Não nos leva nem a ocultá-los quando podem usá-los, nem a fazer alarde deles para serem elogiados. Pelo contrário, com a genuína aceitação dos dons, leva-nos a reconhecer que os recebemos de Deus, e que são deste modo uma responsabilidade. Nem sempre é fácil reconhecer os dons e virtudes sem cair na vaidade e no orgulho, e por isso é importante reconhecer a ajuda e presença de Deus em nossas vidas para não nos atribuir exclusivamente os frutos de nosso esforço. Como dizia um mestre espiritual, «aquele que quer obter virtudes sem humildade, é como o que leva um pouco de pó ou cinza contra o vento: tudo se espalha, tudo voa com o vento»[5].
A humildade suporá também um sério esforço ascético para contrariar muitas inclinações que possivelmente descobrimos em nosso interior. Por exemplo, querer ter sempre a razão, acreditar cegamente que nossas ideias são as melhores, ou pôr nossa segurança em coisas externas e superficiais. Neste sentido, cultivar hábitos de simplicidade em nosso modo de falar e vestir ajudam a uma vivência mais profunda da humildade. Nisto, sobretudo, estaremos sendo particularmente sinais de contradição em um mundo que põe muito valor no externo e nas aparências, esquecendo que o essencial é o interior.
Em algumas ocasiões a humildade nos levará também a renunciar a ser reconhecidos, a procurar os melhores postos, a nos pôr adiante dos outros porque “merecemos”. O discernimento, que nos ajuda a procurar cumprir sempre o Plano de Deus, nos ajudará a ver com mais clareza quando devemos fazer assim, pois às vezes um posto de honra também será ocasião de uma maior capacidade para dar um testemunho evangélico. Nestas situações cabe a nós fazer um esforço especial para reconhecer o amor de Deus por nós que se manifesta de tantas maneiras e que nos dá a ocasião para dirigir o olhar para Ele, de quem provém todo bem.
Humildade e o serviço
Finalmente, um meio precioso para crescer em humildade é viver o serviço. Assim nos ensina o Senhor Jesus, que se despojou de sua condição divina para nos servir e nos abrir as portas do Céu. Ele disse aos Apóstolos: «Aquele que quiser ser grande entre vocês, será seu servo» (Mt 20,26). «Contemplando Jesus — diz o Papa Francisco — vemos que Ele escolheu o caminho da humildade e do serviço»[6]. Isso nos mostra também a Virgem Maria, que levando em seu seio o Salvador não duvidou em visitar sua prima Isabel para servir-la. O serviço nos leva a pôr o olhar no próximo, a reconhecer suas necessidades e, portanto, a viver o que é essencial em nosso peregrinar terreno: a doação caridosa, simples e humilde aos demais.
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Citações para a oração
Jesus nos convida à humildade: Mt 11,29, Mt 13,55; Mt 20,25-28.
Jesus nos dá o exemplo de humildade: Jo 13,3-11; Flp 2,5-11.
A humildade da Santa Maria: Lc 1,38; 1,39-45.48.
Perguntas para o diálogo
- Qual é a relação entre humildade e verdade?
- Que importância tem a centralidade de Jesus em relação à humildade?
- Por que o serviço é especialmente valioso para viver a humildade?
- Que meios posso pôr para crescer em humildade?
Trabalho de interiorização
- Reflita com as seguintes palavras de São João Paulo II: «A humildade não se identifica com a humilhação ou resignação. Não é igual à pusilanimidade. Justamente o contrário. A humildade é submissão criativa à força da verdade e do amor. A humildade é rejeição das aparências e da superficialidade; é a expressão da profundidade do espírito humano; é condição de sua grandeza».
- Como você explicaria as palavras do Papa a uma pessoa que pensa que a humildade é falar mal de si mesmo?
- Por que a humildade é condição da grandeza do homem?
- Medite com atenção a seguinte passagem do Evangelho:
«Ao ouvir isto, os outros dez indignaram-se contra os dois irmãos. Mas Jesus os chamou e disse: “Sabem que os chefes das nações as dominam como senhores absolutos, e os grandes as oprimem com seu poder. Não tem que ser assim entre vocês, mas quem quiser chegar a ser grande entre vocês, será seu servidor, e o que quiser ser o primeiro entre vocês, será seu servo; da mesma maneira que o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e a dar sua vida como resgate como muitos”» (Mt 20,24-28).
- Qual é a relação entre humildade e serviço?
[1]São João Paulo II, Angelus, 4/3/1979.
[2]Francisco, Discurso, 22/9/2013.
[3]Ver Mt 25,14ss.
[4] Santo Agostinho, Serm. 64, 2.
[5] Alonso Rodríguez, Exercício de perfeição e virtudes cristãs, parte 2, t.3, c.1.
[6]Francisco, Discurso, 22/9/2013.
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