É interessante contemplar e entender como o Espírito Santo
age através da formação. A Palavra de Deus assim nos diz: “Mas o Paráclito, o
Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e
vos recordará tudo o que vos tenho dito”[1]. Deste pequeno texto bíblico logo
percebemos duas ações do Espírito Santo: ensinar e recordar. É apropriado ao
Espírito Santo nos ensinar e isso significa que Ele aguça a nossa visão
espiritual para enxergarmos a abrangência, a beleza, a atualidade e a
efetividade daquilo que nos está sendo transmitido, além de escrever em nossos
corações os conteúdos da fé, a sã doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo,
confiada à sua Igreja, Mãe e Mestra, e ministrados pelos seus servos
formadores. É, inclusive, por isso que São Paulo nos diz que somos uma carta de
Cristo escrita pelo Espírito Santo[2]. Ao mesmo tempo, o Espírito Santo
potencializa as nossas audição e percepção espirituais acerca do que se está
aprendendo, de modo a captarmos de uma forma particular aquilo que é normativo
para todos, gerando em nós frutos de santidade conforme as nossas
características únicas.
De outro lado, é igualmente apropriado ao Espírito nos
“recordar” tudo o que Jesus nos ensinou. Em outras palavras, isso significa nos
dar a capacidade de aplicar os conteúdos da fé às diversas situações do nosso
dia a dia. Diante de cada situação o Espírito traz à tona algo que já
aprendemos, isto é, algo que Ele mesmo escreveu a fogo em nossos corações e mentes,
levando-nos a discernir corretamente as nossas ações, palavras, postura, tomada
de decisões, etc. Precisamente a esse respeito o Senhor nos exorta que não
devemos nos preocupar com o que haveremos de falar em nossa defesa quando
formos levados às sinagogas, aos tribunais, porque o Espírito Santo nos
inspirará naquela hora o que deveremos dizer…[3] Trata-se de aplicar o que se
aprendeu à realidade que se impõe. É realmente maravilhosa a obra do Espírito
em nós através da formação!
São Tomás de Aquino nos ensina que “a fé não termina nas
fórmulas, mas na realidade. Entretanto, é através das fórmulas que se chega à
realidade”[4]. Depreende-se daqui que é absolutamente necessário viver os
conteúdos da fé que se professa, isto é, ser coerente; entretanto, isso só será
plenamente possível na medida em que conhecermos e nos aprofundarmos nas
fórmulas (enunciados) da fé, através de uma formação gradual, continuada. A
vivência abrangente da fé só se torna possível a partir do seu conhecimento,
enraizado e potencializado pelo Espírito Santo. Aqui é importante salientar um
equívoco que muitas vezes ouvimos por aí: há quem diga, que a formação
“enquadra” ou até “extingue” o Espírito Santo. Vimos que é justamente o
contrário: o Espírito age poderosamente em nós através da formação, levando-nos
a traduzi-la na vida, capacitando-nos de forma mais arrojada para toda boa
obra, ampliando a nossa visão, gerando em nós frutos de santidade, de inserção
e de comunhão eclesial, dando-nos a segurança necessária para anunciarmos a
Boa-Nova do Reino com parresia, isto é, com audácia apostólica, com ousadia,
com ardor.
Formar significa alinhar, dar forma a algo, ordenar,
constituir, orientar o crescimento; é essencialmente um ato de amor, um grande
gesto de promoção humana. O profeta Oséias já denunciava: “porque meu povo se
perde por falta de conhecimento”.[5] É evidente que essa falta de conhecimento
denunciada pelo profeta difere da eventual carência de cultura acadêmica;
reflete o desconhecimento interior dos conteúdos da fé, reflete a ausência do
“conhecer” bíblico, isto é, do conhecimento que conduz à experiência de Deus
para relacionar-se de uma maneira nova com Ele. Portanto, formar significa
garantir a caminhada de um povo pela verdadeira estrada, pelo verdadeiro sentido
que é Jesus Cristo, povo este que é dirigido e amparado pelo Paráclito, o
Consolador. O Catecismo da Igreja Católica nos ensina que “a finalidade
definitiva da catequese (formação) é levar à comunhão com Jesus Cristo; só Ele
pode conduzir ao amor do Pai no Espírito e fazer-nos participar da vida da
Santíssima Trindade. Na catequese (formação), é Cristo, Verbo Encarnado e Filho
de Deus, que é ensinado tudo o mais o é em referência a Ele. E só Cristo
ensina. Todo e qualquer outro o faz apenas na medida em que é seu porta-voz,
consentindo em que Cristo ensine pela sua boca.[6]” Neste mesmo raciocínio, eis
o que nos ensina o Documento de Aparecida: “A missão principal da formação é
ajudar os membros da Igreja a se encontrar sempre com Cristo, e assim reconhecer,
acolher, interiorizar e desenvolver a experiência e os valores que constituem a
própria identidade e missão cristã no mundo”.[7]
O processo formativo, potencializado pelo Espírito Santo,
nos leva a uma caminhada interior e ao mesmo tempo, exterior. Interior porque
nos conscientiza acerca do nosso Batismo que é fonte inesgotável de vida e
graça; leva-nos a mergulhar de forma sempre mais amadurecida em nossa
Identidade levando-nos a assumi-la com todas as suas consequências; conduz-nos
a um autoconhecimento que é fator tão essencial para identificarmos limitações,
defeitos, desvios, habilidades, talentos, e a partir de então nos aceitamos e
nos amamos mais; leva-nos ao discernimento exato acerca de nosso chamado, de
nossa vocação; dá-nos maturidade na fé e perseverança no seguimento de Jesus
Cristo (discipulado). Paralelamente, exterior porque impulsiona-nos à missão
responsável, ao compromisso efetivo com a Igreja no mundo, ao amor filial e
sentimento de pertença a esta Igreja Mãe e Mestra, ao exercício equilibrado e
coerente dos carismas. Faz-nos agentes de transformação social, autênticos
Apóstolos da Efusão do Espírito Santo, construtores da Civilização do Amor.
Enfim, formação é um poderoso instrumento que Deus utiliza para nos curar e
libertar.
Nesse sentido, o Sagrado Magistério da Igreja não cessa de
nos exortar acerca da importância vital da formação para os cristãos. O
Catecismo da Igreja Católica nos recorda que “a catequese está intimamente
ligada a toda a vida da Igreja. Dependem essencialmente dela não só a expansão
geográfica e o crescimento numérico, mas também, e muito mais ainda, o
crescimento interior da Igreja e a sua conformidade com o desígnio de Deus”[8]
e que “os períodos de renovação da Igreja são também tempos fortes de catequese”.[9]
Ora, sendo esse o tempo da primavera, o tempo de uma ação poderosa do Espírito
no meio de nós, sem dúvida alguma é tempo forte de catequese (de formação).
Além disso, o Concílio Vaticano II em diversos de seus Documentos destaca a
importância da formação e exorta os fieis a buscá-la com amor e boa disposição.
Vejamos alguns destes textos: “Todos os missionários, cada um seja preparado e
formado de acordo com a sua condição, para se acharem à altura das exigências
do trabalho futuro”[10]; “O apostolado não pode atingir eficácia plena, senão
por meio da formação múltipla e integral”[11]; “os grupos e as associações de
leigos, quer se dediquem ao apostolado, quer a outros fins sobrenaturais, devem
fomentar com diligência e assiduidade a formação para o apostolado”[12].
Nesta mesma linha de exortação, o Papa João Paulo II nos
ensina que “a formação doutrinal dos fieis leigos mostra-se hoje cada vez mais
urgente, não só pelo natural dinamismo de aprofundar a sua fé, mas também pela
exigência de ‘racionalizar a esperança’ que está dentro deles, perante o mundo
e os seus problemas graves e complexos”[13] e conclui com a sabedoria que lhe
era peculiar que “a formação não é o privilégio de uns poucos, mas sim um
direito e um dever para todos.”[14] Das palavras do Sumo Pontífice João Paulo
II, portanto, detectamos claramente o apelo do Senhor dirigido a todos nós: a
formação não deve ser vista como algo facultativo para quem se decidiu pelo
seguimento incondicional do Senhor. Ao mesmo tempo, alegra-nos ser um direito
de todos sermos formados aos pés do Mestre e sob a ação do Espírito Santo.
Nossos bispos da América Latina e do Caribe, ao se reunirem
em Aparecida para a V Conferência Episcopal Latino-americana, em maio de 2007,
apresentaram-nos as seguintes conclusões: “A vocação e o compromisso de ser
hoje discípulos e missionários de Jesus Cristo na América Latina e no Caribe,
requerem uma clara e decidida opção pela formação dos membros de nossas
comunidades, a favor de todos os batizados, qualquer que seja a função que
desenvolvem na Igreja. Olhamos para Jesus, o Mestre que formou pessoalmente a
seus apóstolos e discípulos[15].
Sendo porta-voz eloquente do Espírito e representante de
Cristo-Mestre nestes últimos 8 anos, o nosso querido Papa Emérito Bento XVI igualmente
não se distanciará desta linha exortativa sempre tão necessária aos cristãos.
Ao proclamar o Ano da Fé, em comemoração ao 50º aniversário de abertura do
Concílio Vaticano II e ao 20º aniversário de promulgação do atual Catecismo da
Igreja Católica, o Sumo Pontífice nos exorta a mergulharmos ainda mais em nossa
fé, isto é, aprofundarmo-nos sempre mais nos conteúdos da nossa fé: “o
conhecimento dos conteúdos de fé é essencial para se dar o próprio
assentimento, isto é, para aderir plenamente com a inteligência e a vontade a
quanto é proposto pela Igreja. O conhecimento da fé introduz na totalidade do
mistério salvífico revelado por Deus”… “De fato, existe uma unidade profunda
entre o ato com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento”[16].
Em outras palavras, o Papa quis nos dizer que quanto mais nos aprofundamos nos
conteúdos da fé dos quais a Igreja é depositária, mais fortemente aderimos a
Cristo e à sua Palavra, mais sinceramente nos abrimos e nos entregamos a Ele,
mais O amamos, melhor nos relacionamos com Ele, mais eloquentemente O
anunciamos. Assim, podemos afirmar que o movimento de abertura e de entrega ao
Senhor é diretamente proporcional ao conhecimento que temos Dele, de sua
Palavra, de sua Igreja.
Ainda dentro do contexto do Ano da Fé, o Papa Emérito Bento
XVI nos convida a um gesto concreto de renovarmos o nosso compromisso para com
a formação, a começar por nós e a partir de nós, para todos os membros da
RCCBRASIL: “Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada,
vivida e rezada e refletir sobre o próprio ato com que se crê, é um compromisso
que cada crente deve assumir.”[17] Qual é a sua resposta para esse convite?
A Renovação Carismática Católica do Brasil desde logo
atentou para esse constante apelo da Igreja. Por isso, temos um material vasto,
rico e sempre crescente, que oferece a todos os seus membros uma formação
sólida e continuada, tornando-nos “sempre prontos a responder para a nossa
defesa a todo aquele que nos pedir a razão da nossa esperança”.[18]
O processo formativo na Renovação Carismática Católica não é
e não poderia ser diverso daquele que é proposto pela Mãe Igreja: inicia-se com
a fase querigmática, isto é, a fase do primeiro anúncio, do anúncio
fundamental. Nesta fase estão contemplados: (i) o Seminário de Vida no Espírito
– dinâmica que consiste em nove semanas de pregações querigmáticas ungidas
acompanhadas de fortes momentos de oração espontânea, partilhas em grupo e
leitura orante de textos bíblicos para cada dia destas semanas –; (ii) o Retiro
de Experiência de Oração – dinâmica que ocorre em finais de semana, em que
dá-se continuidade ao primeiro anúncio de maneira profundamente experiencial e
oracional, culminando com a experiência da Efusão do Espírito Santo; (iii)
segue-se com o Aprofundamento de Dons – dinâmica em forma de Seminário ou de
Retiro de finais de semana, em que se ministram pequenos ensinos acerca dos
dons do Espírito Santo, privilegiando-se a experiência do exercício inspirado
com os mesmos, sendo ainda opcional a aplicação do Seminário de Batismo no
Espírito Santo, utilizando-se a mesma dinâmica do Seminário de Vida no
Espírito. Esta fase inicial é fundamental, posto que é uma etapa de
apresentação da fé, de adesão pessoal e gradativa a Jesus Cristo; é uma fase de
profundo “encantamento” com o Senhor e com as coisas o Alto, é uma fase crucial
de inserção na comunidade eclesial.
Entretanto, como nos ensina o Frei Raniero Cantalamessa –
Pregador da Casa Pontifícia – na Igreja Católica a fase querigmática é só o
começo. “Depois daquela decisão, abre-se o caminho para o crescimento e a
plenitude da vida cristã e, graças à sua riqueza sacramental, ao magistério, ao
exemplo de muitos santos.”[19] Isso não significa dizer que esta fase é menos
importante ou apenas um resumo dos conteúdos de fé. Ao contrário, é o alicerce
sobre o qual se constrói o homem interior e contém a Revelação em sua
totalidade, que é, contudo, aprofundada na catequese. Portanto, na perspectiva
do Processo Formativo da Renovação Carismática Católica, segue-se ao Módulo
Básico de Formação – antes denominada Escola Paulo Apóstolo – dando início à
fase catequética/formativa desse processo. O Módulo Básico, que é permeado
também pelos Encontros de Formação Humana, confere ao membro da RCC uma visão
ampliada do Reino de Deus, do Movimento Eclesial do qual faz parte, da
comunidade carismática – Grupo de Oração – no qual está enraizado, além de
despertar para um trabalho interior em parceria com o Espírito Santo rumo à
santidade. É fundamental na medida em que é necessário conhecer o básico do
todo para dedicar-se à parte, conforme o chamado vocacional de cada um dentro
do Movimento.
A partir daí, seguem-se as formações específicas dos
diversos ministérios reconhecidos pela Igreja e suscitados pelo próprio Espírito
no seio da RCC para o bem comum e sempre em prol da totalidade do Movimento.
Essas e outras iniciativas de formação são facilmente verificadas em nosso
Movimento, o que nos leva a louvar e bendizer a Deus por estarmos em estreita
comunhão e obediência com o que nos pede a sua Igreja.
Nota:
[1] Jo. 14, 26
[2] Cf. II Cor. 3,3
[3] Cf. Lc. 12, 11-12
[4] Cf. Suma Teológica,
II-II, 1,2 ad 2
[5] Os. 4, 6a
[6] Catec. 426/427
[7] V CELAM – Documento de
Aparecida, 279
[8] Catec. 7
[9] Idem, 8
[10] CV II. Decreto Ad
Gentes, 26
[11] CV II. Decreto
Apostolicam Actuositatem, 28
[12] Idem, 30
[13] João Paulo II, Exortação
Apostólica Christifideles Laici, 60.
[14] Idem, 63
[15] V CELAM, Documento de
Aparecida, 276
[16] Bento XVI, Carta Apostólica
Porta Fidei, 10
[17] Idem, 9
[18] Cf. I Pd. 3, 15
[19] Trecho da 1ª Pregação do
Advento/2012
[20] II Cor. 6, 1-2
RCC
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