domingo, 15 de novembro de 2015

33º DOMINGO DO TEMPO COMUM - A VINDA GLORIOSA DE JESUS É A LUZ DE UM NOVO DIA!

A liturgia do 33º domingo do tempo comum apresenta-nos, fundamentalmente, um convite à esperança. Convida-nos a confiar nesse Deus libertador, Senhor da história, que tem um projeto de vida definitiva para os homens. Ele vai – dizem os nossos textos – mudar a noite do mundo numa aurora de vida sem fim.
A primeira leitura anuncia aos crentes perseguidos e desanimados a chegada iminente do tempo da intervenção libertadora de Deus para salvar o Povo fiel. É esta a esperança que deve sustentar os justos, chamados a permanecerem fiéis a Deus, apesar da perseguição e da prova. A sua constância e fidelidade serão recompensadas com a vida eterna.
No Evangelho, Jesus garante-nos que, num futuro sem data marcada, o mundo velho do egoísmo e do pecado vai cair e que, em seu lugar, Deus vai fazer aparecer um mundo novo, de vida e de felicidade sem fim. Aos seus discípulos, Jesus pede que estejam atentos aos sinais que anunciam essa nova realidade e disponíveis para acolher os projetos, os apelos e os desafios de Deus.
A segunda leitura lembra que Jesus veio ao mundo para concretizar o projecto de Deus no sentido de libertar o homem do pecado e de o inserir numa dinâmica de vida eterna. Com a sua vida e com o seu testemunho, Ele ensinou-nos a vencer o egoísmo e o pecado e a fazer da vida um dom de amor a Deus e aos irmãos. É esse o caminho do mundo novo e da vida definitiva.
 
1ª leitura: Dan. 12,1-3 - AMBIENTE
Em 333 a.C., Alexandre da Macedônia derrotou Dario III, rei dos Persas, na batalha de Issos (Síria). A Palestina, até aí sob o domínio dos Persas, ficou integrada no império de Alexandre. Alexandre procurou impor a ideia da “oikouméne”, quer dizer, a ideia de um mundo em que todos os homens eram uma só família, unidos sob uma só lei divina, em que todos os cidadãos do império eram cidadãos de uma mesma cidade e comungavam dos mesmos valores e da mesma cultura.
Quando Alexandre morreu, em 323 a.C., o império foi disputado pelos seus generais. A Palestina foi, então, objeto de disputa entre os ptolomeus, que ocupavam o Egito, e os selêucidas, que dominavam a Síria e a Mesopotâmia. Num primeiro momento, os ptolomeus asseguraram o domínio da Palestina e da Síria; mas o selêucida Antíoco III, aliado com Filipe V da Macedônia, acabou por vencer os ptolomeus (batalha das fontes do Jordão, ano 200 a.C.) e por conquistar o domínio da Palestina.
Se o período ptolomaico tinha sido uma época de relativa benevolência para com a cultura judaica, a situação mudou radicalmente durante o reinado do selêucida Antíoco IV Epífanes (174-164 a.C.). Este rei, interessado em impor a cultura helénica em todo o seu império, praticou uma política de intolerância para com a cultura e a religião judaicas. A perseguição foi dura e as marcas da intolerância selêucida provocaram feridas muito graves no universo social e religioso judaico. Se muitos judeus renegaram a sua fé e assumiram os valores helénicos, muitos outros resistiram, defenderam a sua identidade cultural e religiosa. Uns optaram abertamente pela insurreição armada (como foi o caso de Judas Macabeu e dos seus heróicos seguidores); outros, contudo, optaram por fazer frente à prepotência dos reis helênicos com a sua palavra e os seus escritos.
O livro de Daniel surge neste contexto. O seu autor é um judeu fiel à cultura e aos valores religiosos dos seus antepassados, interessado em defender a sua cultura e a sua religião, apostado em mostrar aos seus concidadãos que a fidelidade aos valores tradicionais seria recompensada por Jahwéh com a vitória sobre os inimigos. Contando a história de um tal Daniel, um judeu exilado na Babilônia, que soube manter a sua fé num ambiente adverso de perseguição, o autor do Livro de Daniel pede aos seus concidadãos que não se deixem vencer pela perseguição de Antíoco IV Epífanes e que se mantenham fiéis à religião e aos valores dos seus pais. Neste livro, o autor garante-lhes que Deus está do lado do seu Povo e que recompensará a sua fidelidade à Lei e aos mandamentos. Estamos na segunda metade do séc. II a.C., pouco antes do desaparecimento de cena de Antíoco (que aconteceu em 164 a.C.).
Com o livro de Daniel, inaugura-se a literatura apocalíptica. Num tempo de perseguição, o autor pretende – servindo-se de um gênero literário que recorre, frequentemente, a símbolos e a uma linguagem cifrada – restaurar a esperança e assegurar ao seu Povo a vitória de Deus e dos seus fiéis sobre os opressores.
MENSAGEM
Aos crentes perseguidos, o autor do livro anuncia a chegada iminente do tempo da intervenção salvadora de Deus para salvar o Povo fiel. Nesse sentido, ele refere-se à intervenção de “Miguel”, o chefe do exército celestial, que Deus enviará para castigar os perseguidores e para proteger os santos. No imaginário religioso judaico, “Miguel” é concebido como um espírito celeste (uma espécie de anjo protetor) que vela pelo Povo de Deus e que, por mandato divino, opera a libertação dos justos perseguidos, cujo nome está inscrito “no livro da vida” (v. 1).
Essa intervenção iminente de Deus não atingirá, na perspectiva do nosso autor, somente aqueles que ainda caminham na história; mas Deus irá, também, ressuscitar os que já morreram, a fim de lhes dar o prêmio pela sua vida de fidelidade ou o castigo pelas maldades que praticaram (v. 2). Em concreto, o autor estará a falar daquilo que costumamos chamar “o fim do mundo”? O que ele está a falar é de uma intervenção de Deus que porá fim ao mundo da injustiça, da opressão, da prepotência, de morte e que iniciará um mundo novo, de justiça, de felicidade, de paz, de vida verdadeira.
Aqueles que, apesar da perseguição e do sofrimento, se mantiveram fiéis a Deus e aos seus valores, esses estão destinados à “vida eterna”. O autor deste texto não explica diretamente em que consistirá essa “vida eterna”; mas os símbolos utilizados (“resplandecerão como a luminosidade do firmamento”; “brilharão como as estrelas com um esplendor eterno” v. 3) evocam a transfiguração dos ressuscitados. Essa vida nova que os espera não será uma vida semelhante à do mundo presente, mas será uma vida transfigurada.
É esta a esperança que deve sustentar os justos, chamados a permanecerem fiéis a Deus, apesar da perseguição e da prova. A sua vida não é – garante-nos o nosso autor – sem sentido e não está condenada ao fracasso; mas a sua constância e fidelidade serão recompensadas com a vida eterna. Embora sem dados muito concretos e sem definições muito claras, começa aqui a esboçar-se a teologia da ressurreição.
ATUALIZAÇÃO
A mensagem de esperança que o nosso texto nos deixa destinava-se a animar os crentes que sofriam a perseguição numa época e num contexto particulares. No entanto, é uma mensagem válida para os crentes de todas as épocas e lugares. A “perseguição” por causa da fidelidade aos valores em que acreditamos é uma realidade que todos conhecemos e que faz parte da nossa existência comprometida. Hoje, essa “perseguição” nem sempre é sangrenta; manifesta-se, muitas vezes, em atitudes de marginalização ou de rejeição, em ditos humilhantes, em atitudes provocatórias, na colagem de “rótulos” (“conservadores”, “atrasados”, “fora de moda”), em julgamentos apressados e injustos, em preconceitos e oposições… Contudo, é sempre uma realidade que faz sofrer o Povo de Deus. Este texto garante-nos que Deus nunca abandona o seu Povo em marcha pela história e que a vitória final será daqueles que se mantiverem fiéis às propostas e aos caminhos de Deus. Esta certeza constitui um “capital de esperança” que deve animar a nossa caminhada diária pelo mundo.
O livro de Daniel põe, também, a questão da fidelidade aos valores verdadeiramente importantes, que estão para além das conveniências políticas e sociais, ou das imposições e perspectivas de quem dita a moda… Daniel, o personagem central do livro, é uma figura interpelante, que nos convida a não transigirmos com os valores efêmeros, sobretudo quando eles põem em causa os valores essenciais. O cristão não é uma “cana agitada pelo vento” que, por interesse ou por cálculo, esquece os valores e as exigências fundamentais da sua fé; mas é “profeta” que, em permanente diálogo com o mundo e sem se alhear do mundo, procura dar testemunho dos valores perenes, dos valores de Deus.
•A certeza da presença de Deus a acompanhar a caminhada dos crentes e a convicção de que a vitória final será de Deus e dos seus fiéis, permite-nos olhar a história da humanidade com confiança e esperança. O cristão não pode ser, portanto, um “profeta da desgraça”, que tem permanentemente uma perspectiva negra da história e que olha o mundo com azedume e pessimismo; mas tem de ser uma pessoa alegre e confiante, que olha para o futuro com serenidade e esperança, pois sabe que, presidindo à história dos homens, está esse Deus que protege, que cuida e que ama cada um dos seus filhos.
•O nosso texto garante a vida eterna àqueles que procuraram viver na fidelidade aos valores de Deus. A certeza de que a vida não acaba na morte liberta-nos do medo e dá-nos a coragem do compromisso. Podemos, serenamente, enfrentar neste mundo as forças da opressão e da morte, porque sabemos que elas não conseguirão derrotar-nos: no final da nossa caminhada por este mundo, está sempre a vida eterna e verdadeira, que Deus reserva para os que estão “inscritos no livro da vida”.
 
2ª leitura: Hb. 10,11-14.18 - AMBIENTE
Pela última vez, neste ano litúrgico, é-nos apresentado um texto da carta aos Hebreus. Esta “carta” (que, mais do que uma “carta”, é uma “homilia”) destina-se a comunidades cristãs que vivem dias complicados… À falta de entusiasmo de muitos dos seus membros na vivência do compromisso cristão, junta-se a hostilidade dos inimigos e as confusões causadas à fé comunitária por certos pregadores pouco ortodoxos que ensinam doutrinas estranhas e pouco cristãs. São, portanto, comunidades fragilizadas, cansadas e desalentadas, que necessitam de redescobrir o seu entusiasmo inicial, de revitalizar o seu compromisso com Cristo e de apostar numa fé mais coerente e mais empenhada.
Nesse sentido, o autor da “carta” apresenta-lhes o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência, cuja missão é pôr os crentes em relação com o Pai e inseri-los nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã. Uma vez comprometidos com Cristo, os crentes são chamados a fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar uma experiência de fé enfraquecida pela hostilidade do ambiente, pela acomodação, pela monotonia e pelo arrefecimento do entusiasmo inicial.
O texto que nos é proposto é parte da conclusão da reflexão sobre o sacerdócio de Cristo (cf. Hb. 10,1-18). Aí, o autor repete temas desenvolvidos nos capítulos precedentes, procurando, uma vez mais, pôr em relevo a dimensão salvadora da missão sacerdotal de Jesus. O objetivo é despertar no coração dos crentes uma resposta adequada ao amor de Deus, manifestado na ação de Jesus.
MENSAGEM
Os “sacrifícios pelo pecado” constituíam um dos pilares do culto israelita. Introduzidos no sistema cultual de Israel em época relativamente tardia (alguns autores duvidam mesmo da sua existência antes do exílio na Babilônia), tinham a função de expiar os pecados do Povo e de refazer a comunhão entre os crentes e Deus. Ao oferecer, sobre o altar do Templo, a vida de um animal, o crente pedia a Jahwéh perdão pelo pecado, manifestava a sua intenção de continuar a pertencer à comunidade de Deus e mostrava a sua vontade de reatar essa relação com Deus que o pecado tinha interrompido. O autor da Carta aos Hebreus está convencido, no entanto, que os sacrifícios oferecidos pelo pecado não eram eficazes e não conseguiam, de forma duradoura, restabelecer essa corrente de vida e de comunhão entre o Povo e Deus. Tratava-se de ritos externos e superficiais, que nunca lograram transformar os corações duros e egoístas dos homens em corações capazes de viverem no amor a Deus e aos irmãos.
Jesus, no entanto, com a entrega da sua vida, conseguiu concretizar esse objetivo de aproximar os homens de Deus. Ele obedeceu a Deus em tudo e ofereceu a sua vida em dom de amor aos homens. Com o seu exemplo e testemunho, Ele propôs aos homens um caminho novo, mudou os seus corações e ensinou-os a viverem numa total disponibilidade para com os projetos de Deus, na entrega total aos irmãos. Dessa forma, Jesus venceu a lógica do egoísmo e do pecado e colocou os homens no caminho certo para integrarem a família de Deus. O sacrifício de Jesus, oferecido de uma só vez, libertou, efetivamente, os homens de uma dinâmica de egoísmo e de pecado e permitiu-lhes aproximarem-se de Deus com um coração renovado. Assim, Ele “tornou perfeitos para sempre os que são santificados” (v. 14).
Cumprida a sua missão na terra, Jesus “sentou-Se para sempre à direita de Deus” (v. 12). Esta imagem de triunfo e de glória mostra, não apenas como o caminho percorrido por Cristo é um caminho que tem a aprovação de Deus mas, sobretudo, qual é a “meta” final da caminhada do homem: a divinização, a comunhão com Deus, a pertença à família de Deus. Se o caminho da fidelidade aos projetos de Deus e da entrega por amor aos irmãos levou Jesus a sentar-Se à direita do Pai, também aqueles que seguem Jesus chegarão à mesma meta e sentar-se-ão, por sua vez, à direita de Deus.
Desta forma, o autor da carta aos Hebreus exorta os cristãos a viverem na fidelidade aos compromissos que assumiram com Cristo no dia do seu batismo. Quem, apesar das dificuldades, percorre o mesmo caminho de Cristo, está destinado a sentar-se “à direita de Deus” e a viver, para sempre, em comunhão com Deus.
ATUALIZAÇÃO
O pecado, consequência da nossa finitude, é sempre uma realidade que impede a comunhão plena com Deus e o acesso à vida verdadeira. É, portanto, algo que constitui um obstáculo à nossa realização plena, ao aparecimento do Homem Novo. Estaremos, em consequência, fatalmente condenados a não realizar a nossa vocação de comunhão com Deus e a não concretizar o nosso desejo de vida em plenitude? A segunda leitura deste domingo garante-nos que Deus não abandona o homem que faz, mesmo conscientemente, opções erradas. O nosso egoísmo, o nosso orgulho, a nossa auto-suficiência, o nosso comodismo, o nosso pecado não têm a última palavra e não nos afastam decisivamente da comunhão com Deus e da vida eterna; a última palavra é sempre do amor de Deus e da sua vontade de salvar o homem.
Jesus, o Filho amado de Deus, veio ao mundo para concretizar o projeto de Deus no sentido de nos libertar do pecado e de nos inserir numa dinâmica de vida eterna. Com a sua vida e com o seu testemunho, Ele ensinou-nos a vencer o egoísmo e o pecado e a fazer da vida um dom de amor a Deus e aos irmãos. No dia do nosso Batismo, aderimos ao projeto de vida que Jesus nos apresentou e passamos a integrar a comunidade dos filhos de Deus. Resta-nos, agora, seguir os passos de Jesus e percorrer, dia a dia, esse caminho de amor e de serviço que Ele nos deixou em herança. É um compromisso sério e exigente, que necessita de ser continuamente renovado. O nosso compromisso com Jesus e com a sua proposta de vida exige que, como Ele, vivamos no amor, na partilha, no serviço, se necessário até ao dom total da vida; exige que lutemos, sem desanimar, contra tudo aquilo que rouba a vida do homem e o impede de chegar à vida plena; exige que sejamos, no meio do mundo, testemunhas de uma dinâmica nova – a dinâmica do amor. A nossa vida tem sido coerente com esse compromisso?
Cristo gastou toda a sua existência na luta contra tudo aquilo que escraviza o homem e lhe rouba o acesso à vida verdadeira. A sua morte na cruz foi uma consequência de ter enfrentado as forças do egoísmo e do pecado que oprimiam os homens. Contudo, a morte não O venceu e Ele “sentou-Se para sempre à direita de Deus”. O seu triunfo garante-nos que uma vida feita dom de amor não é uma vida perdida e fracassada, mas é uma vida destinada à eternidade. Quem, como Ele, luta para vencer o pecado que escraviza os homens, há-de chegar à comunhão plena com Deus, à vida eterna. Esta certeza deve animar a nossa caminhada e dar-nos a coragem do compromisso. Ainda que as forças da morte nos ameacem, o exemplo de Cristo deve animar-nos a prosseguir o nosso combate contra o egoísmo, a injustiça, a opressão, o pecado.
 
Evangelho: Mc. 13,24-32 - AMBIENTE
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos.
Naquele tempo, 13 24 disse Jesus a seus discípulos: “Naqueles dias, depois dessa tribulação, o sol se escurecerá, a lua não dará o seu resplendor; 25 cairão os astros do céu e as forças que estão no céu serão abaladas. 26 Então verão o Filho do homem voltar sobre as nuvens com grande poder e glória. 27 Ele enviará os anjos, e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos, desde a extremidade da terra até a extremidade do céu. 28 Compreendei por uma comparação tirada da figueira. Quando os seus ramos vão ficando tenros e brotam as folhas, sabeis que está perto o verão. 29 Assim também quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o Filho do homem está próximo, às portas. 30 Em verdade vos digo: não passará esta geração sem que tudo isto aconteça. 31 Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão. 32 A respeito, porém, daquele dia ou daquela hora, ninguém o sabe, nem os anjos do céu nem mesmo o Filho, mas somente o Pai”.
Palavra da Salvação.

 
O texto que nos é hoje proposto como Evangelho situa-nos em Jerusalém, pouco antes da paixão e morte de Jesus. É o terceiro dia da estadia de Jesus em Jerusalém, o dia dos “ensinamentos” e das polêmicas mais radicais com os líderes judaicos (cf. Mc. 11,20-13,1-2). No final desse dia, já no “Jardim das Oliveiras”, Jesus oferece a um grupo de discípulos (Pedro, Tiago, João e André – cf. Mc. 13,3) um amplo e enigmático ensinamento, que ficou conhecido como o “discurso escatológico” (cf. Mt. 13,3-37).
A maior parte dos estudiosos do Evangelho segundo Marcos consideram que este discurso, apresentado com uma linguagem profético-apocalíptica, descreve a missão da comunidade cristã no período que vai desde a morte de Jesus até ao final da história humana. É um texto difícil, que emprega imagens e linguagens marcadas pelas alusões enigmáticas, bem ao jeito do gênero literário “apocalipse”. Não seria tanto uma reportagem jornalística de acontecimentos concretos, mas antes uma leitura profética da história humana. O seu objetivo seria dar aos discípulos indicações acerca da atitude a tomar frente às vicissitudes que marcarão a caminhada histórica da comunidade, até ao momento em que Jesus vier para instaurar, em definitivo, o novo céu e a nova terra.
Os quatro discípulos referenciados no início do “discurso escatológico” representam a comunidade cristã de todos os tempos… Os quatro são, precisamente, os primeiros discípulos chamados por Jesus (cf. Mc. 1,16-20) e, como tal, convertem-se em representantes de todos os futuros discípulos. O discurso escatológico de Jesus não seria, assim, uma mensagem privada destinada a um grupo especial, mas uma mensagem destinada a toda a comunidade crente, chamada a caminhar na história com os olhos postos no encontro final com Jesus e com o Pai.
A missão que Jesus (que está consciente de ter chegado a sua hora de partir ao encontro do Pai) confia à sua comunidade não é uma missão fácil… Jesus está consciente de que os seus discípulos terão que enfrentar as dificuldades, as perseguições, as tentações que “o mundo” vai colocar no seu caminho. Essa comunidade em marcha pela história necessitará, portanto, de estímulo e de alento. É por isso que surge este apelo à fidelidade, à coragem, à vigilância… No horizonte último da caminhada da comunidade, Jesus coloca o final da história humana e o reencontro definitivo dos discípulos com Jesus.
O “discurso escatológico” divide-se em três partes, antecedidas de uma introdução (cf. Mc. 13,1-4). Na primeira parte (cf. Mc. 13,5-23), o discurso anuncia uma série de vicissitudes que vão marcar a história e que requerem dos discípulos a atitude adequada: vigilância e lucidez. Na segunda parte, o discurso anuncia a vinda definitiva do Filho do Homem e o nascimento de um mundo novo a partir das ruínas do mundo velho (cf. Mc. 13,24-27). Na terceira parte, o discurso anuncia a incerteza quanto ao “tempo” histórico dos eventos anunciados e insiste com os discípulos para que estejam sempre vigilantes e preparados para acolher o Senhor que vem (cf. Mc. 13,28-37). O nosso texto apresenta-nos, precisamente, a segunda parte e alguns versículos da terceira parte do “discurso escatológico”.
MENSAGEM
Os dois primeiros versículos do nosso texto referem-se – com imagens tiradas da tradição profética e apocalíptica – à queda desse mundo velho que se opõe a Deus e que persegue os crentes (v. 24-25). Em Is 13,10, o obscurecimento do sol, da lua e das estrelas anuncia o dia da intervenção justiceira de Jahwéh para destruir o império babilônico e para libertar o Povo de Deus exilado numa terra estrangeira (cf. Is. 34,4); em Jl. 2,10, as mesmas imagens são usadas para descrever os acontecimentos do “dia do Senhor”, o dia em que Jahwéh vai intervir na história para castigar os opressores e para salvar os seus eleitos. Ora, é esta linguagem que Marcos vai utilizar para descrever a falência dos impérios que lutam contra Deus e contra os seus santos. Trata-se de uma linguagem tradicional que, no entanto, é perfeitamente perceptível para leitores de Marcos. No mundo grego, por exemplo, o sol e a lua (“Élios”, e “Selénê”) eram adorados como deuses; e, no mundo romano, o imperador identificava-se como “o sol” (o imperador Nero, o primeiro perseguidor dos cristãos de Roma, fez erigir no palácio imperial uma estátua de bronze com trinta metros de altura que o representava como o deus “sol”). A mensagem é evidente: está para acontecer uma viragem decisiva na história; a velha ordem religiosa e política, os poderes que se opõem a Deus e que perseguem os santos, irão ser derrubados, a fim de darem lugar a um mundo novo, construído de acordo com os critérios e os valores de Deus. Marcos não se refere, aqui, àquilo que nós costumamos chamar “o fim do mundo”; mas refere-se, genericamente, à vitória de Deus sobre o mal que oprime e escraviza aqueles que optaram por Deus e pelas suas propostas.
A queda desse mundo velho aparece associada à vinda do Filho do Homem (v. 26). A imagem leva-nos a Dn. 7,13-14, onde se anuncia a vinda de um “Filho do Homem” “sobre as nuvens do céu” para afirmar a sua soberania sobre “todos os povos, todas as nações e todas as línguas”. O “Filho do Homem, cheio de poder e de glória, que virá “reunir os seus eleitos” (v. 27), não pode ser outro senão Jesus. Com esta imagem, Marcos assegura aos crentes o triunfo definitivo de Cristo sobre os poderes opressores e a libertação daqueles que, apesar das perseguições, continuaram a percorrer com fidelidade os caminhos de Deus.
A mensagem proposta por Marcos aos seus leitores é clara: espera-vos um caminho marcado pelo sofrimento e pela perseguição; no entanto, não vos deixeis afundar no desespero porque Jesus vem. Com a sua vinda gloriosa (de ontem, de hoje, de amanhã), cessará a escravidão insuportável que vos impede de conhecer a vida em plenitude e nascerá um mundo novo, de alegria e de felicidade plenas. O quadro destina-se, portanto, não a amedrontar, mas a abrir os corações à esperança: quando Jesus vier com a sua autoridade soberana, o mundo velho do egoísmo e da escravidão cairá e surgirá o dia novo da salvação/libertação sem fim.
Na segunda parte do nosso texto (vs. 28-32), Jesus responde à questão posta pelos discípulos em Mc. 13,4: “Diz-nos quando tudo isto acontecerá e qual o sinal de que tudo está para acabar”.
Para Jesus, mais importante do que definir o tempo exato da queda do mundo velho é ter confiança na chegada do mundo novo e estar atento aos sinais que o anunciam. O aparecimento nas figueiras de novos ramos e de novas folhas acontece, sem falhas, cada ano e anuncia ao agricultor a chegada do Verão e do tempo das colheitas (v. 28-29); da mesma forma, os crentes são convidados a esperar, com confiança, a chegada do mundo novo e a perceber, nos sinais de desagregação do mundo velho, o anúncio de que o tempo da sua libertação está a chegar. Certos da vinda do Senhor, atentos aos sinais que O anunciam, os crentes podem preparar o seu coração para O acolher, para aceitar os desafios que Ele traz, para agarrar as oportunidades que Ele oferece.
Não há uma data marcada para o advento dessa nova realidade (v. 32). De uma coisa, no entanto, os crentes podem estar certos: as palavras de Jesus não são uma bela teoria ou um piedoso desejo; mas são a garantia de que esse mundo novo, de vida plena e de felicidade sem fim, irá surgir (v. 31).
ATUALIZAÇÃO
•Ver os telejornais ou escutar os noticiários é, com frequência, uma experiência que nos intranquiliza e que nos deprime. Os dramas dessa aldeia global que é o mundo entram em nossa casa, sentam-se à nossa mesa, apossam-se da nossa existência, perturbam a nossa tranquilidade, escurecem o nosso coração. A guerra, a opressão, a injustiça, a miséria, a escravidão, o egoísmo, a exploração, o desprezo pela dignidade do homem atingem-nos, mesmo quando acontecem a milhares de quilômetros do pequeno mundo onde nos movemos todos os dias. As sombras que marcam a história atual da humanidade tornam-se realidades próximas, tangíveis, que nos inquietam e nos desesperam. Feridos e humilhados, duvidamos de Deus, da sua bondade, do seu amor, da sua vontade de salvar o homem, das suas promessas de vida em plenitude. A Palavra de Deus que hoje nos é servida abre, contudo, a porta à esperança. Reafirma, uma vez mais, que Deus não abandona a humanidade e está determinado a transformar o mundo velho do egoísmo e do pecado num mundo novo de vida e de felicidade para todos os homens. A humanidade não caminha para o holocausto, para a destruição, para o sem sentido, para o nada; mas caminha ao encontro da vida plena, ao encontro desse mundo novo em que o homem, com a ajuda de Deus, alcançará a plenitude das suas possibilidades.
•Os cristãos, convictos de que Deus tem um projeto de vida para o mundo, têm de ser testemunhas da esperança. Eles não lêem a história atual da humanidade como um conjunto de dramas que apontam para um futuro sem saída; mas vêem os momentos de tensão e de luta que hoje marcam a vida dos homens e das sociedades como sinais de que o mundo velho irá ser transformado e renovado, até surgir um mundo novo e melhor. Para o cristão, não faz qualquer sentido deixar-se dominar pelo medo, pelo pessimismo, pelo desespero, por discursos negativos, por angústias a propósito do fim do mundo… Os nossos contemporâneos têm de ver em nós, não gente deprimida e assustada, mas gente a quem a fé dá uma visão otimista da vida e da história e que caminha, alegre e confiante, ao encontro desse mundo novo que Deus nos prometeu.
•É Deus, o Senhor da história, que irá fazer nascer um mundo novo; contudo, Ele conta com a nossa colaboração na concretização desse projeto. A religião não é ópio que adormece os homens e os impede de se comprometerem com a história… Os cristãos não podem ficar de braços cruzados à espera que o mundo novo caia do céu; mas são chamados a anunciar e a construir, com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos, esse mundo que está nos projetos de Deus. Isso implica, antes de mais, um processo de conversão que nos leve a suprimir aquilo que, em nós e nos outros, é egoísmo, orgulho, prepotência, exploração, injustiça (mundo velho); isso implica, também, testemunhar em gestos concretos, os valores do mundo novo – a partilha, o serviço, o perdão, o amor, a fraternidade, a solidariedade, a paz.
•Esse Deus que não abandona os homens na sua caminhada histórica vem continuamente ao nosso encontro para nos apresentar os seus desafios, para nos fazer entender os seus projetos, para nos indicar os caminhos que Ele nos chama a percorrer. Da nossa parte, precisamos de estar atentos à sua proximidade e reconhecê-l’O nos sinais da história, no rosto dos irmãos, nos apelos dos que sofrem e que buscam a libertação. O cristão não pode fechar-se no seu canto e ignorar Deus, os seus apelos e os seus projetos; mas tem de estar atento e de notar os sinais através dos quais Deus Se dirige aos homens e lhes aponta o caminho do mundo novo.
•É preciso, ainda, ter presente que este mundo novo – que está permanentemente a fazer-se e depende do nosso testemunho – nunca será uma realidade plena nesta terra (a nossa caminhada neste mundo será sempre marcada pela nossa finitude, pelos nossos limites, pela nossa imperfeição). O mundo novo sonhado por Deus é uma realidade escatológica, cuja plenitude só acontecerá depois de Cristo, o Senhor, ter destruído definitivamente o mal que nos torna escravos.
 
 
 
 
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho

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