Em
voo rumo ao Rio, um jovem católico se assenta ao lado de um senhor
protestante. Não demora muito para que os dois, respeitosamente, entrem
em choque.
Em um voo para o Rio de Janeiro, um jovem católico se assenta ao
lado de um senhor protestante. Ambos estão vestidos simples e
modestamente: camisa por dentro da calça social e sapatos pretos. Trocam
breves cumprimentos, afivelam seus cintos, enquanto os demais
passageiros se aconchegam em suas poltronas. O piloto inicia os
procedimentos para decolagem, e as aeromoças dão as instruções para a
segurança dos tripulantes. "Desliguem todos os seus equipamentos
eletrônicos; coloquem suas poltronas na posição vertical", pede uma
delas, falando ao microfone. Sentindo que a aeronave já estava no ar, o
rapaz católico traça o sinal da cruz, sob o olhar surpreso do senhor
protestante.
— Você é católico? — pergunta o senhor, dando início a um colóquio sobre imagens, santos, Maria, celibato etc.
— Sim, sou — responde o jovem.
— Como vocês, católicos, podem adorar imagens, se no livro de Êxodo, capítulo 20, Deus o proíbe?
—
Deus não proíbe as imagens, mas a idolatria. Em Êxodo, 25, duas páginas
à frente do capítulo que o senhor mencionou, Deus pede a Moisés que
faça duas imagens de Querubins para a Arca da Aliança. — E o católico
prossegue: — Ora, Deus não é esclerosado. Nós, católicos, temos imagens como um ícone, um sinal que nos remete para os céus. Num tempo de tanto ateísmo, as imagens são muito importantes para nos lembrar da existência de Deus.
— Não concordo com isso — rebate o protestante —, assim como não concordo com o celibato dos padres. Pedro se casou, você sabia?
—
Sim, mas Pedro, como vocês, protestantes, costumam dizer, não é o
caminho, a verdade e a vida. Esse caminho é Jesus. E Ele não se casou. Os padres seguem o exemplo de Cristo.
— Mas, quanto a Maria — insiste o senhor —, Jesus disse que todo aquele que faz a vontade do Pai é seu irmão e sua mãe.
— Todos
os anos, na festa da Apresentação de Nossa Senhora, a Igreja proclama
justamente esse Evangelho, pois se trata de um elogio de Jesus a sua Mãe. Mais do que todos, Ela é a "bem-aventurada porque acreditou", a que realmente soube cumprir a vontade do Pai (cf. Lc 1,
45). Antes de ser Mãe de Jesus na carne, ela foi Mãe na fé. O Espírito
Santo diz pela boca de Santa Isabel: "A que devo a honra de vir a mim a
Mãe de meu Senhor?" (Lc 1, 43). Jesus não contradiz o Espírito Santo.
Ainda
não satisfeito com as explicações do jovem, embora extremamente
surpreendido com o conhecimento bíblico que ele demonstrara, o
protestante acusa:
— Essa é a interpretação da sua Igreja. Infelizmente, a Bíblia pode ser interpretada de várias formas.
— Concordo com o senhor — torna a responder o católico, pronto para finalizar a disputatio —, mas a livre interpretação da Bíblia foi algo inventado por Martinho Lutero, o fundador da sua religião. Nós, católicos, seguimos a Tradição Apostólica. Cremos naquilo que os cristãos sempre acreditaram, não em fábulas de homens quaisquer.
A
conversa estende-se por mais alguns minutos. Vendo a eloquência dos
argumentos católicos, o protestante "baixa a guarda", por assim dizer, a
fim de prestar atenção às palavras daquele jovem que demonstrava tanta
convicção em sua fé, que falava com tanto amor da Virgem Maria, dos
santos e, sobretudo, de Jesus Cristo. De repente, a Igreja Católica já
não parecia o monstro pintado pelos pastores evangélicos. O debate agora
era uma conversa entre aluno e catequista. O protestante queria
conhecer aquela beleza escondida, o patrimônio cristão de séculos,
amputado pela ruptura luterana.
De fato, no imaginário protestante comum, a Igreja Católica é, na melhor das hipóteses, uma Igreja como as demais, não a unica Christi Ecclesia,
como reafirmou o Concílio Vaticano II [1]. Desde cedo, por causa de um
proselitismo demasiado agressivo, muitos evangélicos são ensinados a
considerar a religião católica uma seita, uma espécie de sincretismo
pagão. Ademais, é-se criado um estereótipo. Por isso, certa feita, disse
mui acertadamente o venerável Fulton Sheen: "Talvez não haja
nos Estados Unidos uma centena de pessoas que odeiem a Igreja Católica;
mas há milhões de pessoas que odeiam aquilo que erroneamente supõem ser a
Igreja Católica." O senhor protestante odiava uma falsa Igreja
Católica; odiava o espantalho, porque desconhecia o corpo verdadeiro.
Posto, no entanto, diante da verdadeira fé cristã, não pôde senão
exprimir sua perplexidade. O castelo de cartas havia ruído. Embaraçado
com a descoberta, o senhor protestante questiona o jovem católico:
—
Vejo que você é um rapaz que ama a Jesus Cristo, que dedica sua vida à
Igreja. Você é diferente da maioria dos católicos que conheci. Gostaria
de entender, então, por que grande parte dos católicos são relaxados.
Digo, por que vão à missa mal vestidos, as mulheres com decotes e
minissaias, os rapazes com bermudas ou as calças caídas, se lá está
presente Jesus, como você me explicou? Nós, protestantes, sempre vamos
ao culto com boas roupas, bem vestidos, pois queremos entregar nosso
melhor para Deus. Por que essa diferença?
Silêncio na aeronave.
Agora era a vez do jovem católico abaixar a cabeça em sinal de
lamentação. Que poderia responder ele? Que poderia dizer em favor de
seus irmãos católicos? Acaso não era verdade — para nossa vergonha — o
que o senhor protestante observara?
— Os doze apóstolos —
respondeu o jovem, depois de pensar um pouco — testemunharam por três
anos a pregação, os milagres e, principalmente, o amor de Cristo pelo
homem. Na cruz, no entanto, restaram umas poucas mulheres e apenas um
apóstolo. Um discípulo o traiu, outro ainda o negou, e os nove demais se
esconderam por medo… A Igreja de ontem se parece muito com a Igreja de
hoje. É forçoso reconhecer, mas, mesmo nos maus exemplos, ela é
apostólica.
O diálogo entre esses dois personagens elucida muito
bem a situação em que muitos cristãos, sejam católicos, sejam
protestantes, se encontram hoje. Já falamos, ao menos um pouco, das
razões que levam os evangélicos a se afastarem do catolicismo. A
propaganda hostil contra a Igreja, com base na famosa falácia do espantalho
— isto é, a criação de uma caricatura para substituir o que é original
—, é uma delas. Mas seria bastante desonesto culpar somente o
proselitismo pela evasão de fiéis. Na história do cristianismo, o
contra-testemunho sempre foi uma pedra de tropeço. É preciso, por isso,
um mea culpa.
Existe uma tendência dentro da Igreja,
hoje em dia, de se reduzir a espiritualidade a alguns chavões bonitos,
mas vazios. Certa filosofia da calça jeans, por exemplo, tem feito muitos confundirem a Celebração da Santa Missa com a barraca de peixe da feira. Vai-se à Eucaristia como se se tratasse de algo qualquer, sem o devido decoro ou a mínima reverência.
Jovens que rezam e zelam pela casa de Deus são achincalhados e
segregados em suas comunidades. Performances de dança e peças de teatro
encenadas na frente do Santíssimo, ao contrário, são consideradas
expressões da universalidade. Um jovem de roupa social é "careta",
outro, mostrando a roupa de baixo, é "descolado". A lista de
contradições é comprida e cansativa. Sem mais delongas, recordemos o que
São Paulo insistentemente ensinava: "Os que exercem bem o ministério,
recebem uma posição de estima e muita liberdade para falar da fé em
Cristo Jesus" (1 Tm 3, 13). Nada mais que o óbvio. Se
os ateus, os agnósticos, os protestantes etc. não enxergarem a piedade e
o zelo dos católicos pelo bem mais sublime da fé, como poderão crer?
Falta formação. Apascentar as ovelhas de Cristo com a ciência e a doutrina (cf. Jr 3, 15). Lembrar-se de que além de mãe, a Igreja é mestra. Mater et Magistra, como dizia São João XXIII. Os maus exemplos visíveis em tantas comunidades são, na sua maioria, decorrentes da falta de conhecimento.
Seria simples farisaísmo responsabilizar o laicato por tais abusos,
quando muitos deles são feitos com a reta intenção de agradar a Deus.
Não, a responsabilidade é de outro departamento. É serviço do clero
ensinar a fé e a moral, segundo a Tradição. É serviço dos padres abrir
os tesouros da Igreja para todos. Quem tem acesso a esse conteúdo, por
conseguinte, não só muda de vida, como também contribui para o
crescimento espiritual dos demais. Cria-se um círculo virtuoso. E ainda
que custe o descanso e o tempo, só assim se formam "pastores com o
'cheiro das ovelhas', pastores no meio do seu rebanho, e pescadores de
homens" [2]. Vale recordar o que diz o Concílio Vaticano II, acerca da
missão dos bispos:
"No exercício do seu múnus de ensinar, anunciem o Evangelho de Cristo aos homens, que é um dos principais deveres dos Bispos, chamando-os à fé com a fortaleza do Espírito ou confirmando-os na fé viva. Proponham-lhes na sua integridade o mistério de Cristo, isto é, aquelas verdades que não se podem ignorar sem ignorar o mesmo Cristo. E ensinem-lhes o caminho que Deus revelou para ser glorificado pelos homens e estes conseguirem a bem-aventurança eterna." [3]
Não se está exigindo — atentem-se — nem o uso de
véus, nem de saias, nem a comunhão de joelhos, tampouco missas em latim.
Essa não é a questão. Apenas se faz um chamado ao bom senso. Salta aos
olhos a indiferença que dia sim, dia também, se faz presente em tantas
paróquias. Em alguns casos, torna-se mesmo difícil distinguir entre uma matinée e uma Missa, dada a quantidade de pirotecnia, firulas e vestimentas, no mínimo, indecorosas presentes na celebração.
A
Igreja Católica é a mais sublime de todas as instituições porque é a
perpetuação da encarnação de Cristo na Terra. Mas, para um protestante
acostumado a imaginar o espantalho construído por seu pregador, o mau
exemplo de tantos católicos torna quase impossível o encontro dessa
verdade. Para cada espantalho filosófico, há uma porção de espantalhos ambulantes.
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- Constituição Dogmática Lumen Gentium, 21 de novembro de 1964, n. 8
- Papa Francisco, Homilia da Quinta-Feira Santa, 28 de março de 2013
- Concílio Vaticano II, Decreto Christus Dominus, 28 de outubro de 1965, n. 12
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