sábado, 27 de dezembro de 2014

FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS, MARIA E JOSÉ.


Tema da Festa da Sagrada Família
A liturgia deste domingo propõe-nos a família de Jesus como exemplo e modelo das nossas comunidades familiares… Como a família de Jesus – diz-nos a liturgia deste dia – as nossas famílias devem viver numa atenção constante aos desafios de Deus e às necessidades dos irmãos.
O Evangelho põe-nos diante da Sagrada Família de Nazaré apresentando Jesus no Templo de Jerusalém. A cena mostra uma família que escuta a Palavra de Deus, que procura concretizá-la na vida e que consagra a Deus a vida dos seus membros. Nas figuras de Ana e Simeão, Lucas propõe-nos também o exemplo de dois anciãos de olhos postos no futuro, capazes de perceber os sinais de Deus e de testemunhar a presença libertadora de Deus no meio dos homens.
A segunda leitura sublinha a dimensão do amor que deve brotar dos gestos dos que vivem “em Cristo” e aceitaram ser “Homem Novo”. Esse amor deve atingir, de forma muito especial, todos os que conosco partilham o espaço familiar e deve traduzir-se em determinadas atitudes de compreensão, de bondade, de respeito, de partilha, de serviço.
A primeira leitura apresenta, de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais… É uma forma de concretizar esse amor de que fala a segunda leitura.

LEITURA I – Sir 3,3-7.14-17a (versão grega: 3,2-6.12-14)
Leitura do Livro de Ben-Sirá Deus quis honrar os pais nos filhos e firmou sobre eles a autoridade da mãe.
Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados e acumula um tesouro quem honra sua mãe.
Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos e será atendido na sua oração.
Quem honra seu pai terá longa vida, e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe.
Filho, ampara a velhice do teu pai e não o desgostes durante a sua vida.
Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida, porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida e converter-se-á em desconto dos teus pecados.

AMBIENTE
O Livro de Ben Sira (também chamado “Eclesiástico”) é um livro de carácter sapiencial que, como todos os livros sapienciais, tem por objectivo deixar aos candidatos a “sábios” um conjunto de indicações práticas sobre a arte de bem viver e de ser feliz. O seu autor é um tal Jesus Ben Sira, um “sábio” israelita que viveu na primeira metade do séc. II a.C.…
A época de Jesus Ben Sira é uma época conturbada para o Povo de Deus. Os selêucidas dominavam a Palestina e procuravam impor aos judeus, com agressividade, a cultura helénica. Muitos judeus, seduzidos pelo brilho da cultura grega, abandonavam os valores tradicionais e a fé dos pais e assumiam comportamentos mais consentâneos com a “modernidade”. A identidade cultural e religiosa do Povo de Deus corria, assim, sérios riscos… Neste contexto, Jesus Ben Sira – um “sábio” tradicional – escreve para preservar as raízes do seu Povo. No seu livro, apresenta uma síntese da religião tradicional e da “sabedoria” de Israel e procura demonstrar que é no respeito pela sua fé, pelos seus valores, pela sua identidade que os judeus podem descobrir o caminho seguro para a felicidade.

MENSAGEM
O nosso texto apresenta uma série de indicações práticas que os filhos devem ter em conta nas relações com os pais.
A palavra que preside a este conjunto de conselhos do “sábio” Ben Sira é a palavra “honrar” (repete-se 5 vezes, nestes poucos versículos). O que é que significa, exactamente, “honrar os pais”?
A expressão leva-nos ao Decálogo do Sinai (“honra teu pai e tua mãe” – Ex 20,12). Aí, o verbo utilizado é o verbo “kabad”, que costuma traduzir-se como “dar glória”, “dar peso”, “dar importância”. Assim, “honrar os pais” é dar-lhes o devido valor e reconhecer a sua importância; é que eles são os instrumentos de Deus, fonte de vida.
Ora, reconhecer que os pais são os instrumentos através dos quais Deus concede a vida deve conduzir os filhos à gratidão; e a gratidão não é apenas uma declaração de intenções, mas um sentimento que implica certas atitudes práticas. Jesus Ben Sira aponta algumas: “honrar os pais” significa ampará-los na velhice e não os desprezar nem abandonar; significa assisti-los materialmente – sem inventar qualquer desculpa – quando já não podem trabalhar (cf. Mc 7,10-11); significa não fazer nada que os desgoste; significa escutá-los, ter em conta as suas orientações e conselhos; significa ser indulgente para com as limitações que a idade ou a doença trazem…
Dado o contexto da época em que Ben Sira escreve, é natural que, por detrás destas indicações aos filhos, esteja também a preocupação com o manter bem vivos os valores tradicionais, esses valores que os mais antigos preservam cuidadosamente e que os mais novos, às vezes, negligenciam.
Como recompensa desta atitude de “honrar os pais”, Jesus Ben Sira promete o perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de Deus.

ATUALIZAÇÃO
A reflexão deste texto pode fazer-se a partir dos seguintes dados:
• Sentimo-nos gratos aos nossos pais porque eles aceitaram ser, em nosso favor, instrumentos do Deus criador? Lembramo-nos de lhes demonstrar a nossa gratidão?
• Apesar da sensibilidade moderna aos direitos humanos e à dignidade das pessoas, a nossa civilização cria, com frequência, situações de abandono, de marginalização, de solidão, cujas vítimas são, muitas vezes, aqueles que já não têm uma vida considerada produtiva, ou aqueles a quem a idade ou a doença trouxeram limitações. Que motivos justificam o desprezo, o abandono, o “virar as costas” àqueles a quem devemos “honrar”?
• É verdade que a vida de hoje é muito exigente a nível profissional e que nem sempre é possível a um filho estar presente ao lado de um pai que precisa de cuidados ou de acompanhamento especializado. No entanto, a situação é muito menos compreensível se o afastamento de um pai do convívio familiar (e o seu internamento num lar) resulta do egoísmo do filho, que não está para “aturar o velho ou a velha”… Sem julgarmos nem condenarmos ninguém, que sentido é que faz “desfazermo-nos” daqueles que foram, para nós, instrumentos do Deus criador e fonte de vida?
• O capital de maturidade e de sabedoria de vida que os mais idosos possuem é considerado por nós uma riqueza ou um desafio ridículo à nossa modernidade e às nossas certezas?
• Face à invasão contínua de valores estranhos que, tantas vezes, põem em causa a nossa identidade cultural e religiosa (quando não a nossa humanidade), o que significam os valores que recebemos dos nossos pais? Avaliamos com maturidade a perenidade desses valores, ou estamos dispostos a renegá-los ao primeiro aceno dos “valores da moda”?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 127 (128)
Refrão 1: Felizes os que esperam no Senhor, e seguem os seus caminhos.
Refrão 2: Ditosos os que temem o Senhor, ditosos os que seguem os seus caminhos.
Feliz de ti, que temes o Senhor e andas nos seus caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos, serás feliz e tudo te correrá bem.
Tua esposa será como videira fecunda no íntimo do teu lar; teus filhos serão como ramos de oliveira ao redor da tua mesa.
Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.
De Sião te abençoe o Senhor: vejas a prosperidade de Jerusalém
todos os dias da tua vida.

LEITURA II – Col 3, 12-21
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses
Irmãos: Como eleitos de Deus, santos e predilectos, revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência.
Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, se algum tiver razão de queixa contra outro.
Tal como o Senhor vos perdoou, assim deveis fazer vós também.
Acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição.
Reine em vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados para formar um só corpo.
E vivei em acção de graças.
Habite em vós com abundância a palavra de Cristo, para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros com toda a sabedoria; e com salmos, hinos e cânticos inspirados, cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão.
E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras, seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por Ele, a Deus Pai.
Esposas, sede submissas aos vossos maridos, como convém no Senhor.
Maridos, amai as vossas esposas e não as trateis com aspereza.
Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto agrada ao Senhor.
Pais, não exaspereis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo.
AMBIENTE
A Igreja de Colossos, destinatária desta carta, foi fundada por Epafras, um amigo de Paulo, pelos anos 56/57. Tanto quanto sabemos, Paulo nunca visitou a comunidade…
Hoje, não é claro para todos que Paulo tenha escrito esta carta (o vocabulário utilizado e o estilo do autor estão longe das cartas indiscutivelmente paulinas; também a teologia apresenta elementos novos, nunca usados nas outras cartas atribuídas a Paulo); por isso, é um tanto ou quanto difícil definirmos o ambiente em que este texto apareceu…
Para os defensores da autoria paulina, contudo, a carta foi escrita quando Paulo estava prisioneiro, possivelmente em Roma (anos 61/63). Epafras teria visitado o apóstolo na prisão e deixado notícias alarmantes: os colossenses corriam o risco de se afastar da verdade do Evangelho, por causa das doutrinas ensinadas por certos doutores de Colossos. Essas doutrinas misturavam práticas legalistas (o que parece indicar tendências judaizantes) com especulações acerca do culto dos anjos e do seu papel na salvação; exigiam um ascetismo rígido e o cumprimento de certos ritos de iniciação, destinados a comunicar aos crentes um conhecimento mais adequado dos mistérios ocultos e levá-los, através dos vários graus de iniciação, à vivência de uma vida religiosa mais autêntica.
Sem refutar essas doutrinas de modo directo, o autor da carta afirma a absoluta suficiência de Cristo e assinala o seu lugar proeminente na criação e na redenção dos homens.
O texto que nos é hoje proposto pertence à segunda parte da carta. Depois de constatar a supremacia de Cristo na criação e na redenção (1ª parte), o autor avisa os colossenses de que a união com Cristo traz consequências a nível de vivência prática (2ª parte): implica a renúncia ao “homem velho” do egoísmo e do pecado e o “revestir-se do Homem Novo”.

MENSAGEM
O que é que significa, concretamente, “revestir-se do Homem Novo”?
Para o autor da carta, viver como “Homem Novo” é cultivar um conjunto de virtudes que resultam da união do cristão com Cristo: misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência. Lugar especial ocupa o perdão das ofensas, a exemplo de Cristo que sempre manifestou uma grande capacidade de perdão. Estas virtudes, que devem ornar a vida do cristão, são exigências e manifestações da caridade, que é a fonte de onde brotam todas as virtudes do cristão.
Catálogos de exigências como este apareciam também nos discursos éticos dos gregos… O que é novo aqui é a fundamentação: tais exigências resultam da íntima relação do cristão com Cristo; viver “em Cristo” implica viver, como Ele, no amor total, no serviço, na disponibilidade, no dom da vida.
Uma vez apresentado o ideal da vida cristã nas suas linhas gerais, o autor da carta aplica o que acabou de dizer ao âmbito mais concreto da vida familiar. Às mulheres, recomenda o respeito para com os maridos (a referência à submissão das esposas deve ser entendida na perspectiva da linguagem e da prática da época); aos maridos, convida a amar as esposas, evitando o domínio tirânico sobre elas; aos filhos, recomenda a obediência aos pais; aos pais, com intuição pedagógica, pede que não sejam excessivamente severos para com os filhos, pois isso pode impedir o normal desenvolvimento das suas capacidades… Para uns e para outros, é essa “caridade” (“agapê”) – entendida como amor de doação, de entrega, a exemplo de Jesus que amou até ao dom da vida – que deve presidir às relações entre os membros de uma família.
É desta forma que, no espaço familiar, se manifesta o Homem Novo, o homem transformado por Cristo e que vive segundo Cristo.

ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar os seguintes elementos:
• Viver “em Cristo” implica fazer do amor a nossa referência fundamental e deixar que ele se manifeste em gestos concretos de bondade, de perdão, de doação, de compreensão, de respeito pelo outro, de partilha, de serviço… É este o quadro em que se desenvolvem as nossas relações com aqueles que nos rodeiam?
• A nossa primeira responsabilidade vai, evidentemente, para aqueles que connosco partilham, de forma mais chegada, a vida do dia a dia (a nossa família). Esse amor, que deve revestir-nos sempre, traduz-se numa atenção contínua àquele que está ao nosso lado, às suas necessidades e preocupações, às suas alegrias e tristezas? Traduz-se em gestos sentidos e partilhados de carinho e de ternura? Traduz-se num respeito absoluto pela liberdade e pelo espaço do outro, por um deixar o outro crescer sem o sufocar? Traduz-se na vontade de servir o outro, sem nos servirmos dele?
• As mulheres não gostam de ouvir Paulo pedir-lhes a submissão aos maridos… No entanto, não devem ser demasiado severas com o autor desta carta: ele é um homem do seu tempo, que usa a linguagem do seu tempo e que coloca as coisas nos termos à volta dos quais se organizavam as comunidades familiares da época… Não podemos exigir ao autor desta carta (que escreve há quase dois mil anos) a mesma linguagem e a mesma sensibilidade que temos hoje, a propósito destas questões. Apesar de tudo, convém recordar que o autor da Carta aos Colossenses não se esquece de pedir aos maridos que amem as suas mulheres e que não as tratem com aspereza: sugere, desta forma, que a mulher tem, em relação ao marido, igual dignidade.

ALELUIA – Col 3,15a.16a
Aleluia. Aleluia.
Reine em vossos corações a paz de Cristo,
habite em vós a sua palavra.


EVANGELHO – Lucas 2,22-40
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, para O apresentarem ao Senhor, como está escrito na Lei do Senhor: «Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor», e para oferecerem em sacrifício um par de rolas ou duas pombinhas, como se diz na Lei do Senhor.
Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão, homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava nele.
O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria antes de ver o Messias do Senhor; e veio ao templo, movido pelo Espírito.
Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito, Simeão recebeu-O em seus braços e bendisse a Deus, exclamando: «Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo».
O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados com o que d’Ele se dizia.
Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: «Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; - e uma espada trespassará a tua alma -
assim se revelarão os pensamentos de todos os corações».
Havia também uma profetiza, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser.
Era de idade muito avançada e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela e viúva até aos oitenta e quatro.
Não se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações.
Estando presente na mesma ocasião, começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém.
Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor, voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré.
Entretanto, o Menino crescia e tornava-Se robusto, enchendo-Se de sabedoria.
E a graça de Deus estava com Ele.

AMBIENTE
O interesse fundamental dos primeiros cristãos não se centrou na infância de Jesus, mas na sua mensagem e proposta; por isso, conservaram especialmente as recordações sobre a vida pública e a paixão do Senhor.
Só num estádio posterior houve uma certa curiosidade acerca dos primeiros anos da vida de Jesus. Coligiram-se, então, escassas informações históricas sobre a infância de Jesus e amassou-se esse material com reflexões e com a catequese que a comunidade fazia acerca de Jesus. O chamado “Evangelho da Infância” (de que faz parte o texto que nos é hoje proposto) assenta nessa base; parte de algumas indicações históricas e desenvolve uma reflexão teológica para explicar quem é Jesus. Nesta secção do Evangelho, Lucas está muito mais interessado em dizer quem é Jesus, do que em fazer uma reportagem histórica sobre a sua infância.
Lucas propõe-nos, hoje, o quadro da apresentação de Jesus no Templo. Segundo a Lei de Moisés, todos os primogénitos (tanto dos homens como dos animais) pertenciam a Jahwéh e deviam ser oferecidos a Jahwéh (cf. Ex 13,1-2. 11-16). O costume de oferecer aos deuses os primogénitos é um costume cananeu que, no entanto, Israel transformou no que dizia respeito aos primogênitos dos homens… Estes não deviam ser oferecidos em sacrifício, mas resgatados por um animal, imolado ao Senhor.
De acordo com Lev 12,2-8, quarenta dias após o nascimento de uma criança, esta devia ser apresentada no Templo, onde a mãe oferecia um ritual de purificação. Nessa cerimónia, devia ser oferecido um cordeiro de um ano (para as famílias mais abastadas) ou então duas pombas ou duas rolas (para as famílias de menores recursos). É neste contexto que o Evangelho de hoje nos situa.

MENSAGEM
A cena da apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém apresenta uma catequese bem amadurecida e bem refletida, que procura dizer quem é Jesus e qual a sua missão no mundo.
Antes de mais, o autor sublinha repetidamente a fidelidade da família de Jesus à Lei do Senhor (vers. 22.23.24), como se quisesse deixar claro que Jesus, desde o início da sua caminhada entre os homens, viveu na escrupulosa fidelidade aos mandamentos e aos projetos do Pai. A missão de Jesus no mundo passa por aí – pelo cumprimento rigoroso da vontade e do projeto do Pai.
No Templo, duas personagens acolhem Jesus: Simeão e Ana. Eles representam esse Israel fiel que espera ansiosamente a sua libertação e a restauração do reinado de Deus sobre o seu Povo.
De Simeão diz-se que era um homem “justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel” (vers. 25). As palavras e os gestos de Simeão são particularmente sugestivos… Simeão toma Jesus nos braços e apresenta-O ao mundo, definindo-O como “a salvação” que Deus que oferecer “a todos os povos”, “luz para se revelar às nações e glória de Israel” (vers. 28-32). Jesus é, assim, reconhecido pelo Israel fiel como esse Messias libertador e salvador, a quem Deus enviou – não só ao seu povo, mas a todos os povos da terra. Aqui desponta um tema muito querido a Lucas: o da universalidade da salvação de Deus… Deus não tem já um Povo eleito, mas a sua salvação é para todos os povos, independentemente da sua raça, da sua cultura, das suas fronteiras, dos seus esquemas religiosos. As palavras que Simeão dirige a Maria (“este menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; e uma espada trespassará a tua alma” – vers. 34-35) aludem, provavelmente, à divisão que a proposta de Jesus provocará em Israel e ao resultado dessa divisão – o drama da cruz.
Ana é também uma figura do Israel pobre e sofredor (“viúva”), que se manteve fiel a Jahwéh (não se voltou a casar, após a morte do marido – vers. 37), que espera a salvação de Deus. Depois de reconhecer em Jesus a salvação anunciada por Deus, ela “falava do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém” (vers. 38). A palavra utilizada por Lucas para falar de libertação é a palavra grega “lustrosis” (“resgate”), utilizada no Êxodo para falar da libertação da escravidão do Egipto (cf. Ex 13,13-15; 34,20; Nm 18,15-16). Jesus é, assim, apresentado por Lucas como o Messias libertador, que vai conduzir o seu Povo do domínio da escravidão para o domínio da liberdade. A apresentação no Templo de um primogênito celebrava precisamente a libertação do Egito e a passagem da escravidão para a liberdade (cf. Ex 13, 11-16).
O texto termina com uma referência ao resto da infância de Jesus e ao crescimento do menino em “sabedoria” e “graça”. Trata-se de atributos que lhe vêm do Pai e que atestam, portanto, a sua divindade (vers. 40).
Em conclusão: Jesus é o Deus que vem ao encontro dos homens com uma missão que lhe foi confiada pelo Pai. O objectivo de Jesus é cumprir integralmente o projecto do Pai… E esse projecto passa por levar os homens da escravidão para a liberdade e em apresentar a proposta de salvação de Deus a todos os povos da terra, mesmo àqueles que não pertencem tradicionalmente à comunidade do Povo de Deus.

ATUALIZAÇÃO
A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes questões:
• Neste episódio do “Evangelho da Infância”, Lucas apresenta-nos uma família – a Sagrada Família – que vive atenta aos apelos de Deus e que se empenha em cumprir cuidadosamente os preceitos do Senhor. Por quatro vezes (vers. 22.23.24.27), Lucas refere, a propósito da família de Jesus, o cumprimento da Lei de Moisés, da Lei do Senhor ou da Palavra do Senhor – o que sugere a importância que a Palavra de Deus assume na vida da família de Nazaré. Trata-se, na perspectiva de Lucas, de uma família que escuta a Palavra de Deus e que constrói a sua existência ao ritmo da Palavra de Deus e dos desafios de Deus. Maria e José perceberam provavelmente que uma família que escuta a Palavra de Deus e que procura responder aos desafios postos por essa Palavra é uma família feliz, que encontra na Palavra indicações seguras acerca do caminho que deve percorrer e que se constrói sobre a rocha firme dos valores eternos. Que importância é que a Palavra de Deus assume na vida das nossas famílias? Procuramos que cada membro das nossas famílias cresça numa progressiva sensibilidade à Palavra de Deus e aos desafios de Deus? Encontramos tempo para reunir a família à volta da Palavra de Deus e para partilhar, em família, a Palavra de Deus?
• Segundo a Lei judaica, todo o primogênito devia ser consagrado e dedicado ao Senhor. Também Jesus é apresentado no Templo e consagrado ao Senhor. Nas nossas famílias cristãs há normalmente uma legítima preocupação com o proporcionar a cada criança condições ótimas de vida, de educação, de acesso à instrução e aos cuidados essenciais… Haverá sempre uma preocupação semelhante no que diz respeito à formação para a fé e em proporcionar aos filhos uma verdadeira educação para a vida cristã e para os valores de Jesus Cristo? Os pais cristãos preocupam-se sempre em proporcionar aos seus filhos um exemplo de coerência com os compromissos assumidos no dia do Batismo? Preocupam-se em ser os primeiros catequistas dos próprios filhos, transmitindo-lhes os valores do Evangelho? Preocupam-se em acompanhar e em potenciar a formação e a caminhada catequética dos próprios filhos, em inseri-los numa comunidade de fé, em integrá-los na família de Jesus, em consagrá-los ao serviço de Deus?
• Simeão e Ana, os dois anciãos que acolhem Jesus no Templo de Jerusalém, não são pessoas desiludidas da vida, que vivem voltadas para o passado sonhando com um tempo ideal que já não volta; mas são pessoas voltadas para o futuro, atentas ao Deus libertador que vem ao seu encontro, que sabem ler os sinais de Deus naquele menino que chega e que testemunham diante dos seus conterrâneos a presença salvadora e redentora de Deus no meio do seu Povo. Os anciãos – quer pela sua maturidade, sabedoria e equilíbrio, quer pelo tempo de que normalmente dispõem – podem ser testemunhas privilegiadas dos valores de Deus, intérpretes dos sinais de Deus, profetas credíveis que obrigam o mundo a confrontar-se com os desafios de Deus. É preciso que não vivam voltados para o passado, refugiados numa realidade que aliena, transformados em “estátuas de sal”, mas que vivam de olhos postos no futuro, de espírito aberto e livre, pondo a sua sabedoria e experiência ao serviço da comunidade humana e cristã, ensinando os mais jovens a distinguir entre o que é eterno e importante e o que é passageiro e acessório.

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