A liturgia deste último Domingo do Advento refere-se repetidamente ao
projeto de vida plena e de salvação definitiva que Deus tem para
oferecer aos homens. Esse projeto, anunciado já no Antigo Testamento,
torna-se uma realidade concreta, tangível e plena com a Incarnação de
Jesus.
A primeira leitura apresenta a “promessa” de Deus a David. Deus anuncia, pela boca do profeta Natã, que nunca abandonará o seu Povo nem desistirá de o conduzir ao encontro da felicidade e da realização plenas. A “promessa” de Deus irá concretizar-se num “filho” de David, através do qual Deus oferecerá ao seu Povo a estabilidade, a segurança, a paz, a abundância, a fecundidade, a felicidade sem fim.
A segunda leitura chama a esse projeto de salvação, preparado por Deus desde sempre, o “mistério”; e, sobretudo, garante que esse projeto se manifestou, em Jesus, a todos os povos, a fim de que a humanidade inteira integre a família de Deus.
O Evangelho refere-se ao momento em que Jesus encarna na história dos homens, a fim de lhes trazer a salvação e a vida definitivas. Mostra como a concretização do projeto de Deus só é possível quando os homens e as mulheres que Ele chama aceitam dizer “sim” ao projeto de Deus, acolher Jesus e apresentá-l’O ao mundo.
A primeira leitura apresenta a “promessa” de Deus a David. Deus anuncia, pela boca do profeta Natã, que nunca abandonará o seu Povo nem desistirá de o conduzir ao encontro da felicidade e da realização plenas. A “promessa” de Deus irá concretizar-se num “filho” de David, através do qual Deus oferecerá ao seu Povo a estabilidade, a segurança, a paz, a abundância, a fecundidade, a felicidade sem fim.
A segunda leitura chama a esse projeto de salvação, preparado por Deus desde sempre, o “mistério”; e, sobretudo, garante que esse projeto se manifestou, em Jesus, a todos os povos, a fim de que a humanidade inteira integre a família de Deus.
O Evangelho refere-se ao momento em que Jesus encarna na história dos homens, a fim de lhes trazer a salvação e a vida definitivas. Mostra como a concretização do projeto de Deus só é possível quando os homens e as mulheres que Ele chama aceitam dizer “sim” ao projeto de Deus, acolher Jesus e apresentá-l’O ao mundo.
LEITURA I – 2 Sam 7,1-5.8b-12.14a.16
Leitura do Segundo Livro de Samuel
Quando David já morava em sua casa
e o Senhor lhe deu tréguas de todos os inimigos que o rodeavam, o rei disse ao profeta Natã: «Como vês, eu moro numa casa de cedro, e a arca de Deus está debaixo de uma tenda».
Natã respondeu ao rei: «Faz o que te pede o teu coração, porque o Senhor está contigo».
Nessa mesma noite, o Senhor falou a Natã, dizendo: «Vai dizer ao meu servo David: Assim fala o Senhor: Pensas edificar um palácio para Eu habitar?
Tirei-te das pastagens onde guardavas os rebanhos, para seres o chefe do meu povo de Israel.
Estive contigo em toda a parte por onde andaste e exterminei diante de ti todos os teus inimigos.
Dar-te-ei um nome tão ilustre como o nome dos grandes da terra.
Prepararei um lugar para o meu povo de Israel: e nele o instalarei para que habite nesse lugar, sem que jamais tenha receio e sem que os perversos tornem a oprimi-lo como outrora, quando Eu constituía juízes no meu povo de Israel.
Farei que vivas seguro de todos os teus inimigos.
O Senhor anuncia que te vai fazer uma casa.
Quando chegares ao termo dos teus dias e fores repousar com teus pais estabelecerei em teu lugar um descendente que há-de nascer de ti e consolidarei a tua realeza.
Ele construirá um palácio ao meu nome e Eu consolidarei para sempre o teu trono real.
Serei para ele um pai e ele será para Mim um filho.
A tua casa e o teu reino permanecerão diante de Mim eternamente
e o teu trono será firme para sempre.
e o Senhor lhe deu tréguas de todos os inimigos que o rodeavam, o rei disse ao profeta Natã: «Como vês, eu moro numa casa de cedro, e a arca de Deus está debaixo de uma tenda».
Natã respondeu ao rei: «Faz o que te pede o teu coração, porque o Senhor está contigo».
Nessa mesma noite, o Senhor falou a Natã, dizendo: «Vai dizer ao meu servo David: Assim fala o Senhor: Pensas edificar um palácio para Eu habitar?
Tirei-te das pastagens onde guardavas os rebanhos, para seres o chefe do meu povo de Israel.
Estive contigo em toda a parte por onde andaste e exterminei diante de ti todos os teus inimigos.
Dar-te-ei um nome tão ilustre como o nome dos grandes da terra.
Prepararei um lugar para o meu povo de Israel: e nele o instalarei para que habite nesse lugar, sem que jamais tenha receio e sem que os perversos tornem a oprimi-lo como outrora, quando Eu constituía juízes no meu povo de Israel.
Farei que vivas seguro de todos os teus inimigos.
O Senhor anuncia que te vai fazer uma casa.
Quando chegares ao termo dos teus dias e fores repousar com teus pais estabelecerei em teu lugar um descendente que há-de nascer de ti e consolidarei a tua realeza.
Ele construirá um palácio ao meu nome e Eu consolidarei para sempre o teu trono real.
Serei para ele um pai e ele será para Mim um filho.
A tua casa e o teu reino permanecerão diante de Mim eternamente
e o teu trono será firme para sempre.
AMBIENTE
Os Livros de Samuel referem-se a um dos momentos mais importantes da
história do Antigo Testamento: o momento da constituição de Israel como
Povo, no sentido estrito e pleno da palavra. É durante a época a que os
Livros de Samuel aludem que, pela primeira vez na sua história, as
tribos do Norte (Israel) e do Sul (Judá) se reúnem em torno de um único
rei (David) e em torno de uma capital comum (Jerusalém). Estamos nos
finais do séc. XI e princípios do séc. X a.C..
David tornou-se rei de Judá (Sul) por volta de 1012 a.C.; alguns anos depois, foi convidado pelas tribos de Israel (Norte) para reinar sobre elas. David reuniu, portanto, sobre a sua cabeça as duas coroas – a de Israel (Norte) e a de Judá (Sul). Após a união, David teve de eleger uma capital para o seu reino. Foi preciso encontrar, para sede do novo reino, uma cidade geograficamente bem colocada e, sobretudo, uma cidade neutral, que não criasse tensões entre o norte e o sul, nem despertasse rivalidades mútuas entre as distintas tribos. Ora Jerusalém, a cidade inexpugnável dos jebuseus, oferecia as condições exigidas… David reuniu, portanto, um comando de profissionais, prescindindo intencionalmente do exército oficial de Israel e de Judá, a fim de que nenhum dos dois reinos reivindicasse o título de propriedade sobre a nova cidade. A cidade de Jerusalém foi conquistada aos jebuseus por volta do ano 1005 a.C. (cf. 2 Sm 5,6-12) e tornou-se, desde então, a “cidade de David”. Mais tarde, David fez transportar para Jerusalém a “Arca da Aliança” (o sinal visível da presença de Deus no meio do seu Povo), convertendo assim a nova capital do reino em cidade santa para todas as tribos (cf. 2 Sm 6,1-23).
Ora, uma vez em Jerusalém, a “Arca” pedia um Templo adequado para lhe dar abrigo. David pensou em construir esse Templo; mas o profeta Natã, inspirado por Jahwéh, segundo o teólogo deuteronomista, opôs-se. Encontramos aqui o eco de uma disputa que dividirá durante muito tempo o Povo de Deus… Para alguns ambientes proféticos, o Templo era uma ofensa a Deus, uma tentativa de encerrá-l’O, em vez de deixar-se guiar por Ele. Jahwéh é visto pelos teólogos do Povo de Deus como um Deus “nómada”, que acompanha o seu Povo pelos caminhos da vida e da história e que não tem um lugar fixo, limitado, fechado, para se encontrar com os homens.
David tornou-se rei de Judá (Sul) por volta de 1012 a.C.; alguns anos depois, foi convidado pelas tribos de Israel (Norte) para reinar sobre elas. David reuniu, portanto, sobre a sua cabeça as duas coroas – a de Israel (Norte) e a de Judá (Sul). Após a união, David teve de eleger uma capital para o seu reino. Foi preciso encontrar, para sede do novo reino, uma cidade geograficamente bem colocada e, sobretudo, uma cidade neutral, que não criasse tensões entre o norte e o sul, nem despertasse rivalidades mútuas entre as distintas tribos. Ora Jerusalém, a cidade inexpugnável dos jebuseus, oferecia as condições exigidas… David reuniu, portanto, um comando de profissionais, prescindindo intencionalmente do exército oficial de Israel e de Judá, a fim de que nenhum dos dois reinos reivindicasse o título de propriedade sobre a nova cidade. A cidade de Jerusalém foi conquistada aos jebuseus por volta do ano 1005 a.C. (cf. 2 Sm 5,6-12) e tornou-se, desde então, a “cidade de David”. Mais tarde, David fez transportar para Jerusalém a “Arca da Aliança” (o sinal visível da presença de Deus no meio do seu Povo), convertendo assim a nova capital do reino em cidade santa para todas as tribos (cf. 2 Sm 6,1-23).
Ora, uma vez em Jerusalém, a “Arca” pedia um Templo adequado para lhe dar abrigo. David pensou em construir esse Templo; mas o profeta Natã, inspirado por Jahwéh, segundo o teólogo deuteronomista, opôs-se. Encontramos aqui o eco de uma disputa que dividirá durante muito tempo o Povo de Deus… Para alguns ambientes proféticos, o Templo era uma ofensa a Deus, uma tentativa de encerrá-l’O, em vez de deixar-se guiar por Ele. Jahwéh é visto pelos teólogos do Povo de Deus como um Deus “nómada”, que acompanha o seu Povo pelos caminhos da vida e da história e que não tem um lugar fixo, limitado, fechado, para se encontrar com os homens.
MENSAGEM
Portanto, David não irá construir o Templo. Mas se David não pode dar
“estabilidade” ao Senhor, este pode dar estabilidade a David e ao Povo
de Deus. Jogando com o duplo significado da palavra hebraica “bait”
(“casa”), que pode usar-se para definir a casa de pedra (“Templo”) e a
casa real (“família”, “dinastia”), o teólogo deuteronomista explica que
se David não vai construir uma “casa” (Templo) para Deus, Deus vai
construir uma “casa” (família) para David (“o Senhor anuncia que te vai
fazer uma casa” – vers. 11). Trata-se da “Aliança davídica”, que
constitui a família de David como depositária das promessas divinas e
garantia de um futuro de estabilidade, de segurança, de paz para o Povo
de Deus.
Esta “Aliança” garante – quer a David, quer a todo o Povo de Deus – quatro elementos fundamentais… Em primeiro lugar, garante uma relação especial entre Jahwéh e a descendência de David, expressa em termos de filiação (“serei para ele um pai e ele será para mim um filho” – 2 Sm 7,14a); em segundo lugar, garante que, através dos reis descendentes de David, o próprio Jahwéh cuidará do seu Povo e o conduzirá pelos caminhos da vida e da história (cf. 2 Sm 7,8.12.16; em terceiro lugar, garante a prosperidade, a paz e a justiça para o Povo de Deus (cf. 2 Sm 7,10); em quarto lugar, garante a eternidade da dinastia e da nação (cf. 2 Sm 7,16). Trata-se de uma “promessa” que põe em relevo a fidelidade de Deus ao seu Povo, o seu amor nunca desmentido e mil vezes provado na história, a sua vontade de cuidar do seu Povo, de o libertar e de o conduzir ao encontro da salvação e da vida. Nesta “promessa”, Jahwéh revela-se como esse Deus peregrino, permanentemente a caminho com o seu Povo e que, ao longo dessa caminhada, se vai revelando como a rocha segura e firme na qual o Povo de Deus encontra a salvação.
A profecia de Natã constitui o ponto de partida do chamado “messianismo régio”: a promessa de Deus rapidamente extravasa o filho e sucessor de David (Salomão), para se dirigir a uma figura de rei “ideal”, que dará cumprimento a todas as aspirações e esperanças que o Povo depositava na dinastia davídica.
Esta “profecia/promessa” tornar-se-á, com o passar do tempo, um dos artigos fundamentais da fé de Israel. Sobretudo em épocas dramáticas de crise e de angústia nacional, a “Aliança davídica” será um “capital de esperança” que ajudará o Povo a enfrentar as vicissitudes da história. O Povo de Deus passará, então, a sonhar com um Messias, da descendência de David, que oferecerá ao Povo de Deus um futuro de liberdade, de abundância, de fecundidade, de paz e de bem-estar sem fim.
Esta “Aliança” garante – quer a David, quer a todo o Povo de Deus – quatro elementos fundamentais… Em primeiro lugar, garante uma relação especial entre Jahwéh e a descendência de David, expressa em termos de filiação (“serei para ele um pai e ele será para mim um filho” – 2 Sm 7,14a); em segundo lugar, garante que, através dos reis descendentes de David, o próprio Jahwéh cuidará do seu Povo e o conduzirá pelos caminhos da vida e da história (cf. 2 Sm 7,8.12.16; em terceiro lugar, garante a prosperidade, a paz e a justiça para o Povo de Deus (cf. 2 Sm 7,10); em quarto lugar, garante a eternidade da dinastia e da nação (cf. 2 Sm 7,16). Trata-se de uma “promessa” que põe em relevo a fidelidade de Deus ao seu Povo, o seu amor nunca desmentido e mil vezes provado na história, a sua vontade de cuidar do seu Povo, de o libertar e de o conduzir ao encontro da salvação e da vida. Nesta “promessa”, Jahwéh revela-se como esse Deus peregrino, permanentemente a caminho com o seu Povo e que, ao longo dessa caminhada, se vai revelando como a rocha segura e firme na qual o Povo de Deus encontra a salvação.
A profecia de Natã constitui o ponto de partida do chamado “messianismo régio”: a promessa de Deus rapidamente extravasa o filho e sucessor de David (Salomão), para se dirigir a uma figura de rei “ideal”, que dará cumprimento a todas as aspirações e esperanças que o Povo depositava na dinastia davídica.
Esta “profecia/promessa” tornar-se-á, com o passar do tempo, um dos artigos fundamentais da fé de Israel. Sobretudo em épocas dramáticas de crise e de angústia nacional, a “Aliança davídica” será um “capital de esperança” que ajudará o Povo a enfrentar as vicissitudes da história. O Povo de Deus passará, então, a sonhar com um Messias, da descendência de David, que oferecerá ao Povo de Deus um futuro de liberdade, de abundância, de fecundidade, de paz e de bem-estar sem fim.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão, os seguintes elementos:
• A questão fundamental que o nosso texto põe é a da atitude de Deus
diante dos homens e do mundo. O catequista deuteronomista, autor deste
texto, está seguro de que Jahwéh, o Senhor da história, se preocupa com o
caminho que os homens percorrem e encontra sempre forma de derramar o
seu amor e a sua bondade sobre o Povo que ele próprio elegeu. Numa época
em que a cultura dominante parece apostada em decretar a “morte” de
Deus ou, pelo menos, em torná-lo uma inofensiva figura de cera e em
exilá-lo para o museu das experiências pré-racionais, é importante para
nós crentes não esquecermos esta certeza que a Palavra de Deus nos
deixa: o nosso Deus preside à história humana, vem continuamente ao
encontro dos homens, faz com eles uma Aliança, oferece-lhes a paz e a
justiça e aponta-lhes o caminho para a verdadeira vida, a verdadeira
liberdade, a verdadeira salvação.
• Se é Deus quem conduz a história humana, não temos razão para temer
o futuro do mundo. Os homens podem inventar a morte, a violência, a
injustiça, a opressão, a exploração, os imperialismos; mas Deus saberá
conduzir a história dos homens e do mundo a bom porto, de acordo com o
seu projeto de amor e de salvação. Esta certeza deve levar-nos a
encarar a história humana com otimismo, com esperança e com confiança,
mesmo quando as forças da morte parecerem controlar a nossa história e
dirigir as nossas vidas.
• É preciso, nestes dias que antecedem o Natal, ter consciência de
que a promessa de Deus a David se concretiza em Jesus… Ele é esse “rei”
da descendência de David que Deus enviou ao nosso encontro para nos
apontar o caminho para o reino da justiça, da paz, do amor e da
felicidade sem fim. Que acolhimento é que esse “rei” encontra no nosso
coração e na nossa vida?
• Mais uma vez, a Palavra de Deus deixa claro que Deus intervém no
mundo e concretiza os seus projetos de salvação através de homens a
quem Ele confia determinada missão (“tirei-te das pastagens onde
guardavas os rebanhos, para seres o chefe do meu povo de Israel”). Estou
disponível para que Deus, através de mim, possa continuar a oferecer a
salvação aos meus irmãos, particularmente aos pobres, aos humildes, aos
marginalizados, aos excluídos do mundo?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 88 (89)
Refrão 1: Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor.
Refrão 2: Senhor, cantarei eternamente a vossa bondade.
Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor e para sempre proclamarei a sua fidelidade.
Vós dissestes: «A bondade está estabelecida para sempre»,
no céu permanece firme a vossa fidelidade.
Vós dissestes: «A bondade está estabelecida para sempre»,
no céu permanece firme a vossa fidelidade.
«Concluí uma aliança com o meu eleito, fiz um juramento a David meu servo: ‘Conservarei a tua descendência para sempre, estabelecerei o teu trono por todas as gerações’».
«Ele Me invocará: ‘Vós sois meu Pai, meu Deus, meu Salvador’.
Assegurar-lhe-ei para sempre o meu favor, a minha aliança com ele será irrevogável».
Assegurar-lhe-ei para sempre o meu favor, a minha aliança com ele será irrevogável».
LEITURA II – Rom 16,25-27
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos: Àquele que tem o poder de vos confirmar, segundo o meu Evangelho e a pregação de Jesus Cristo – a revelação do mistério encoberto desde os tempos eternos mas agora manifestado e dado a conhecer a todos os povos pelas escrituras dos Profetas segundo a ordem do Deus eterno, dado a conhecer a todos os gentios para que eles obedeçam à fé – a Deus, o único sábio,
por Jesus Cristo, seja dada glória pelos séculos dos séculos. Amem.
por Jesus Cristo, seja dada glória pelos séculos dos séculos. Amem.
AMBIENTE
No final da década de 50 (a Carta aos Romanos apareceu por volta de
57/58), multiplicavam-se as “crises” entre os cristãos oriundos do mundo
judaico e os cristãos oriundos do mundo pagão. Uns e outros tinham
perspectivas diferentes da salvação e da forma de viver o compromisso
com Jesus Cristo e com o seu Evangelho. Os cristãos de origem judaica
consideravam que, além da fé em Jesus Cristo, era necessário cumprir as
obras da Lei (nomeadamente a prática da circuncisão) para ter acesso à
salvação; mas os cristãos de origem pagã recusavam-se a aceitar a
obrigatoriedade das práticas judaicas. Era uma questão “quente”, que
ameaçava a unidade da Igreja. Este problema também era sentido pela
comunidade cristã de Roma.
Neste cenário, Paulo vai mostrar a todos os crentes (a Carta aos Romanos, mais do que uma carta para a comunidade cristã de Roma, é uma carta para as comunidades cristãs, em geral) a unidade da revelação e da história da salvação: judeus e não judeus são, de igual forma, chamados por Deus à salvação; o essencial não é cumprir a Lei de Moisés – que nunca assegurou a ninguém a salvação; o essencial é acolher a oferta de salvação que Deus faz a todos, por Jesus Cristo.
O texto que nos é proposto apresenta-nos precisamente os últimos versículos da Carta aos Romanos. Trata-se de uma solene doxologia final que não parece, contudo, ser de Paulo (ainda que os conceitos sejam paulinos, a terminologia é diferente). Provavelmente, constituía o remate final do epistolário paulino, numa antiga edição do mesmo. De qualquer forma, trata-se de um texto maduramente refletido e trabalhado, sem dúvida fruto de uma profunda reflexão teológica levada a cabo no seio da comunidade cristã. O seu autor foi, certamente, um cristão dos finais do século I ou dos princípios do séc. II. Profundo conhecedor da teologia paulina e absolutamente comprometido com a Igreja a que pertencia, este cristão procurou sintetizar nestes versículos toda a doutrina do apóstolo Paulo.
Neste cenário, Paulo vai mostrar a todos os crentes (a Carta aos Romanos, mais do que uma carta para a comunidade cristã de Roma, é uma carta para as comunidades cristãs, em geral) a unidade da revelação e da história da salvação: judeus e não judeus são, de igual forma, chamados por Deus à salvação; o essencial não é cumprir a Lei de Moisés – que nunca assegurou a ninguém a salvação; o essencial é acolher a oferta de salvação que Deus faz a todos, por Jesus Cristo.
O texto que nos é proposto apresenta-nos precisamente os últimos versículos da Carta aos Romanos. Trata-se de uma solene doxologia final que não parece, contudo, ser de Paulo (ainda que os conceitos sejam paulinos, a terminologia é diferente). Provavelmente, constituía o remate final do epistolário paulino, numa antiga edição do mesmo. De qualquer forma, trata-se de um texto maduramente refletido e trabalhado, sem dúvida fruto de uma profunda reflexão teológica levada a cabo no seio da comunidade cristã. O seu autor foi, certamente, um cristão dos finais do século I ou dos princípios do séc. II. Profundo conhecedor da teologia paulina e absolutamente comprometido com a Igreja a que pertencia, este cristão procurou sintetizar nestes versículos toda a doutrina do apóstolo Paulo.
MENSAGEM
O conceito que preside a estes versículos é o conceito de “mistério”
(mystêrion”). Na teologia paulina, o “mistério” refere-se ao plano de
salvação que Deus tem para os homens e para o mundo. Mantido em segredo
durante muitos séculos, o “mistério” foi plenamente manifestado em
Cristo, nos seus gestos, nas suas palavras, sobretudo na sua morte e na
sua ressurreição; revelado aos apóstolos e aos profetas pelo Espírito
Santo, o “mistério” foi depois transmitido a todos os povos –
nomeadamente aos pagãos – para fazer deles membros de um único corpo
(“Corpo de Cristo”) e para associá-los à herança de Cristo (cf. 1 Cor
2,1.7; Ef 1,9;3,3-10;6,19; Col 1,26-27;2,2;4,3).
É por esse “mistério”, que reflecte o amor de Deus pelos homens, que o autor destes versículos pede que “seja dada glória pelos séculos dos séculos”… E a comunidade interpelada responde: “amen” (vers. 27).
É por esse “mistério”, que reflecte o amor de Deus pelos homens, que o autor destes versículos pede que “seja dada glória pelos séculos dos séculos”… E a comunidade interpelada responde: “amen” (vers. 27).
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar as seguintes linhas:
• A segunda leitura reitera a mensagem fundamental da primeira: Deus
tem um plano de salvação para oferecer aos homens. O facto de esse
projecto existir “desde os tempos eternos” mostra que a preocupação e o
amor de Deus pelos seus filhos não é um facto acidental ou uma moda
passageira, mas algo que faz parte do ser de Deus e que está eternamente
no projecto de Deus. Não esqueçamos isto: não somos seres abandonados à
nossa sorte, perdidos e à deriva num universo sem fim; mas somos seres
amados por Deus, pessoas únicas e irrepetíveis que Deus conduz com amor
ao longo da caminhada pela história e para quem Deus tem um projeto
eterno de vida plena, de felicidade total, de salvação. Tal constatação
deve encher de alegria, de esperança e também de gratidão os nossos
corações.
• A nossa leitura deixa ainda claro que esse projeto de salvação foi
totalmente revelado em Jesus Cristo – no seu amor até ao extremo, nos
seus gestos de bondade e de misericórdia, na sua atitude de doação e de
serviço, no seu anúncio do Reino de Deus. Prepararmo-nos para o Natal
significa preparar o nosso coração para acolher Jesus, para aceitar os
seus valores, para compreender o seu jeito de viver, para aderir ao
projecto de salvação que, através d’Ele, Deus Pai nos propõe.
ALELUIA – Lc 1,38
Aleluia. Aleluia.
Eis a escrava do Senhor:
faça-se em mim segundo a vossa palavra.
faça-se em mim segundo a vossa palavra.
EVANGELHO – Lc 1,26-38
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas.
Naquele tempo, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um homem chamado José.
O nome da Virgem era Maria.
Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo; bendita és tu entre as mulheres».
Ela ficou perturbada com estas palavras e pensava que saudação seria aquela.
Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus.
Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus.
Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; e o seu reinado não terá fim».
Maria disse ao Anjo: «Como será isto, se eu não conheço homem?»
O Anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice porque a Deus nada é impossível».
Maria disse então: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
O nome da Virgem era Maria.
Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo; bendita és tu entre as mulheres».
Ela ficou perturbada com estas palavras e pensava que saudação seria aquela.
Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus.
Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus.
Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; e o seu reinado não terá fim».
Maria disse ao Anjo: «Como será isto, se eu não conheço homem?»
O Anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice porque a Deus nada é impossível».
Maria disse então: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
AMBIENTE
O texto que nos é hoje proposto pertence ao “Evangelho da Infância”
na versão de Lucas. De acordo com os biblistas actuais, os textos do
“Evangelho da Infância” pertencem a um género literário especial,
chamado homologese. Este género não pretende ser um relato jornalístico e
histórico de acontecimentos; mas é, sobretudo, uma catequese destinada a
proclamar certas realidades salvíficas (que Jesus é o Messias, que Ele
vem de Deus, que Ele é o “Deus connosco”). Desenvolve-se em forma de
narração e recorre às técnicas do midrash haggádico (uma técnica de
leitura e de interpretação do texto sagrado usada pelos rabbis judeus da
época de Jesus). A homologese utiliza e mistura tipologias (factos e
pessoas do Antigo Testamento encontram a sua correspondência em factos e
pessoas do Novo Testamento) e aparições apocalípticas (anjos,
aparições, sonhos) para fazer avançar a narração e para explicitar
determinada catequese sobre Jesus. O Evangelho que nos é hoje proposto
deve ser entendido a esta luz: não interessa, pois, estar aqui à procura
de factos históricos; interessa, sobretudo, perceber o que é que a
catequese cristã primitiva nos ensina, através destas narrações, sobre
Jesus.
A cena situa-nos numa aldeia da Galileia, chamada Nazaré. A Galileia, região a norte da Palestina, à volta do Lago de Tiberíades, era considerada pelos judeus uma terra longínqua e estranha, em permanente contacto com as populações pagãs e onde se praticava uma religião heterodoxa, influenciada pelos costumes e pelas tradições pagãs. Daí a convicção dos mestres judeus de Jerusalém de que “da Galileia não pode vir nada de bom”. Quanto a Nazaré, era uma aldeia pobre e ignorada, nunca nomeada na história religiosa judaica e, portanto (de acordo com a mentalidade judaica), completamente à margem dos caminhos de Deus e da salvação.
Maria, a jovem de Nazaré que está no centro deste episódio, era “uma virgem desposada com um homem chamado José”. O casamento hebraico considerava o compromisso matrimonial em duas etapas: havia uma primeira fase, na qual os noivos se prometiam um ao outro (os “esponsais”); só numa segunda fase surgia o compromisso definitivo (as cerimónias do matrimónio propriamente dito)… Entre os “esponsais” e o rito do matrimónio, passava um tempo mais ou menos longo, durante o qual qualquer uma das partes podia voltar atrás, ainda que sofrendo uma penalidade. Durante os “esponsais”, os noivos não viviam em comum; mas o compromisso que os dois assumiam tinha já um carácter estável, de tal forma que, se surgia um filho, este era considerado filho legítimo de ambos. A Lei de Moisés considerava a infidelidade da “prometida” como uma ofensa semelhante à infidelidade da esposa (cf. Dt 22,23-27)… E a união entre os dois “prometidos” só podia dissolver-se com a fórmula jurídica do divórcio. José e Maria estavam, portanto, na situação de “prometidos”: ainda não tinham celebrado o matrimónio, mas já tinham celebrado os “esponsais”.
A cena situa-nos numa aldeia da Galileia, chamada Nazaré. A Galileia, região a norte da Palestina, à volta do Lago de Tiberíades, era considerada pelos judeus uma terra longínqua e estranha, em permanente contacto com as populações pagãs e onde se praticava uma religião heterodoxa, influenciada pelos costumes e pelas tradições pagãs. Daí a convicção dos mestres judeus de Jerusalém de que “da Galileia não pode vir nada de bom”. Quanto a Nazaré, era uma aldeia pobre e ignorada, nunca nomeada na história religiosa judaica e, portanto (de acordo com a mentalidade judaica), completamente à margem dos caminhos de Deus e da salvação.
Maria, a jovem de Nazaré que está no centro deste episódio, era “uma virgem desposada com um homem chamado José”. O casamento hebraico considerava o compromisso matrimonial em duas etapas: havia uma primeira fase, na qual os noivos se prometiam um ao outro (os “esponsais”); só numa segunda fase surgia o compromisso definitivo (as cerimónias do matrimónio propriamente dito)… Entre os “esponsais” e o rito do matrimónio, passava um tempo mais ou menos longo, durante o qual qualquer uma das partes podia voltar atrás, ainda que sofrendo uma penalidade. Durante os “esponsais”, os noivos não viviam em comum; mas o compromisso que os dois assumiam tinha já um carácter estável, de tal forma que, se surgia um filho, este era considerado filho legítimo de ambos. A Lei de Moisés considerava a infidelidade da “prometida” como uma ofensa semelhante à infidelidade da esposa (cf. Dt 22,23-27)… E a união entre os dois “prometidos” só podia dissolver-se com a fórmula jurídica do divórcio. José e Maria estavam, portanto, na situação de “prometidos”: ainda não tinham celebrado o matrimónio, mas já tinham celebrado os “esponsais”.
MENSAGEM
Depois da apresentação do “ambiente” do quadro, Lucas apresenta o diálogo entre Maria e o anjo.
A conversa começa com a saudação do anjo. Na boca deste, são colocados termos e expressões com ressonância vétero-testamentária, ligados a contextos de eleição, de vocação e de missão. Assim, o termo “ave” (em grego, “kaire”) com que o anjo se dirige a Maria é mais do que uma saudação: é o eco dos anúncios de salvação à “filha de Sião” – uma figura fraca e delicada que personifica o Povo de Israel, em cuja fraqueza se apresenta e representa essa salvação oferecida por Deus e que Israel deve testemunhar diante dos outros povos (cf. 2 Re 19,21-28; Is 1,8;12,6; Jer 4,31; Sof 3,14-17). A expressão “cheia de graça” significa que Maria é objecto da predilecção e do amor de Deus. A outra expressão, “o Senhor está contigo”, é uma expressão que aparece com frequência ligada aos relatos de vocação no Antigo Testamento (cf. Ex 3,12 – vocação de Moisés; Jz 6,12 – vocação de Gedeão; Jer 1,8.19 – vocação de Jeremias) e que serve para assegurar ao “chamado” a assistência de Deus na missão que lhe é pedida. Estamos, portanto, diante do “relato de vocação” de Maria: a visita do anjo destina-se a apresentar à jovem de Nazaré uma proposta de Deus. Essa proposta vai exigir uma resposta clara de Maria.
Qual é, então, o papel proposto a Maria no projeto de Deus?
A Maria, Deus propõe que aceite ser a mãe de um “filho” especial… Desse “filho” diz-se, em primeiro lugar, que Ele se chamará “Jesus”. O nome significa “Deus salva”. Além disso, esse “filho” é apresentado pelo anjo como o “Filho do Altíssimo”, que herdará “o trono de seu pai David” e cujo reinado “não terá fim”. As palavras do anjo levam-nos a 2 Sm 7 e à promessa feita por Deus ao rei David através das palavras do profeta Natã. Esse “filho” é descrito nos mesmos termos em que a teologia de Israel descrevia o “Messias” libertador. O que é proposto a Maria é, pois, que ela aceite ser a mãe desse “Messias” que Israel esperava, o libertador enviado por Deus ao seu Povo para lhe oferecer a vida e a salvação definitivas.
Como é que Maria responde ao projecto de Deus?
A resposta de Maria começa com uma objecção… A objecção faz sempre parte dos relatos de vocação do Antigo Testamento (cf. Ex 3,11;6,30; Is 6,5; Jer 1,6). É uma reacção natural de um “chamado”, assustado com a perspectiva do compromisso com algo que o ultrapassa; mas é, sobretudo, uma forma de mostrar a grandeza e o poder de Deus que, apesar da fragilidade e das limitações dos “chamados”, faz deles instrumentos da sua salvação no meio dos homens e do mundo.
Diante da “objecção”, o anjo garante a Maria que o Espírito Santo virá sobre ela e a cobrirá com a sua sombra. Este Espírito é o mesmo que foi derramado sobre os juizes (Oteniel – cf. Jz 3,10; Gedeão – cf. Jz 6,34; Jefté – cf. Jz 11,29; Sansão – cf. Jz 14,6), sobre os reis (Saul – cf. 1 Sm 11,6; David – cf. 1 Sm 16,13), sobre os profetas (cf. Maria, a profetisa irmã de Aarão – cf. Ex 15,20; os anciãos de Israel – cf. Nm 11,25-26; Ezequiel – cf. Ez 2,1; 3,12; o Trito-Isaías – cf. Is 61,1), a fim de que eles pudessem ser uma presença eficaz da salvação de Deus no meio do mundo. A “sombra” ou “nuvem” leva-nos também à “coluna de nuvem” (cf. Ex 13,21) que acompanhava a caminhada do Povo de Deus em marcha pelo deserto, indicando o caminho para a Terra Prometida da liberdade e da vida nova. A questão é a seguinte: apesar da fragilidade de Maria, Deus vai, através dela, fazer-se presente no mundo para oferecer a salvação a todos os homens.
O relato termina com a resposta final de Maria: “eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”. Afirmar-se como “serva” significa, mais do que humildade, reconhecer que se é um eleito de Deus e aceitar essa eleição, com tudo o que ela implica – pois, no Antigo Testamento, ser “servo do Senhor” é um título de glória, reservado àqueles que Deus escolheu, que Ele reservou para o seu serviço e que Ele enviou ao mundo com uma missão (essa designação aparece, por exemplo, no Deutero-Isaías – cf. Is 42,1;49,3;50,10;52,13;53,2.11 – em referência à figura enigmática do “servo de Jahwéh”). Desta forma, Maria reconhece que Deus a escolheu, aceita com disponibilidade essa escolha e manifesta a sua disposição de cumprir, com fidelidade, o projeto de Deus.
A conversa começa com a saudação do anjo. Na boca deste, são colocados termos e expressões com ressonância vétero-testamentária, ligados a contextos de eleição, de vocação e de missão. Assim, o termo “ave” (em grego, “kaire”) com que o anjo se dirige a Maria é mais do que uma saudação: é o eco dos anúncios de salvação à “filha de Sião” – uma figura fraca e delicada que personifica o Povo de Israel, em cuja fraqueza se apresenta e representa essa salvação oferecida por Deus e que Israel deve testemunhar diante dos outros povos (cf. 2 Re 19,21-28; Is 1,8;12,6; Jer 4,31; Sof 3,14-17). A expressão “cheia de graça” significa que Maria é objecto da predilecção e do amor de Deus. A outra expressão, “o Senhor está contigo”, é uma expressão que aparece com frequência ligada aos relatos de vocação no Antigo Testamento (cf. Ex 3,12 – vocação de Moisés; Jz 6,12 – vocação de Gedeão; Jer 1,8.19 – vocação de Jeremias) e que serve para assegurar ao “chamado” a assistência de Deus na missão que lhe é pedida. Estamos, portanto, diante do “relato de vocação” de Maria: a visita do anjo destina-se a apresentar à jovem de Nazaré uma proposta de Deus. Essa proposta vai exigir uma resposta clara de Maria.
Qual é, então, o papel proposto a Maria no projeto de Deus?
A Maria, Deus propõe que aceite ser a mãe de um “filho” especial… Desse “filho” diz-se, em primeiro lugar, que Ele se chamará “Jesus”. O nome significa “Deus salva”. Além disso, esse “filho” é apresentado pelo anjo como o “Filho do Altíssimo”, que herdará “o trono de seu pai David” e cujo reinado “não terá fim”. As palavras do anjo levam-nos a 2 Sm 7 e à promessa feita por Deus ao rei David através das palavras do profeta Natã. Esse “filho” é descrito nos mesmos termos em que a teologia de Israel descrevia o “Messias” libertador. O que é proposto a Maria é, pois, que ela aceite ser a mãe desse “Messias” que Israel esperava, o libertador enviado por Deus ao seu Povo para lhe oferecer a vida e a salvação definitivas.
Como é que Maria responde ao projecto de Deus?
A resposta de Maria começa com uma objecção… A objecção faz sempre parte dos relatos de vocação do Antigo Testamento (cf. Ex 3,11;6,30; Is 6,5; Jer 1,6). É uma reacção natural de um “chamado”, assustado com a perspectiva do compromisso com algo que o ultrapassa; mas é, sobretudo, uma forma de mostrar a grandeza e o poder de Deus que, apesar da fragilidade e das limitações dos “chamados”, faz deles instrumentos da sua salvação no meio dos homens e do mundo.
Diante da “objecção”, o anjo garante a Maria que o Espírito Santo virá sobre ela e a cobrirá com a sua sombra. Este Espírito é o mesmo que foi derramado sobre os juizes (Oteniel – cf. Jz 3,10; Gedeão – cf. Jz 6,34; Jefté – cf. Jz 11,29; Sansão – cf. Jz 14,6), sobre os reis (Saul – cf. 1 Sm 11,6; David – cf. 1 Sm 16,13), sobre os profetas (cf. Maria, a profetisa irmã de Aarão – cf. Ex 15,20; os anciãos de Israel – cf. Nm 11,25-26; Ezequiel – cf. Ez 2,1; 3,12; o Trito-Isaías – cf. Is 61,1), a fim de que eles pudessem ser uma presença eficaz da salvação de Deus no meio do mundo. A “sombra” ou “nuvem” leva-nos também à “coluna de nuvem” (cf. Ex 13,21) que acompanhava a caminhada do Povo de Deus em marcha pelo deserto, indicando o caminho para a Terra Prometida da liberdade e da vida nova. A questão é a seguinte: apesar da fragilidade de Maria, Deus vai, através dela, fazer-se presente no mundo para oferecer a salvação a todos os homens.
O relato termina com a resposta final de Maria: “eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”. Afirmar-se como “serva” significa, mais do que humildade, reconhecer que se é um eleito de Deus e aceitar essa eleição, com tudo o que ela implica – pois, no Antigo Testamento, ser “servo do Senhor” é um título de glória, reservado àqueles que Deus escolheu, que Ele reservou para o seu serviço e que Ele enviou ao mundo com uma missão (essa designação aparece, por exemplo, no Deutero-Isaías – cf. Is 42,1;49,3;50,10;52,13;53,2.11 – em referência à figura enigmática do “servo de Jahwéh”). Desta forma, Maria reconhece que Deus a escolheu, aceita com disponibilidade essa escolha e manifesta a sua disposição de cumprir, com fidelidade, o projeto de Deus.
ATUALIZAÇÃO
Para a reflexão e partilha, considerar os seguintes elementos:
• Também o Evangelho deste domingo (na linha das outras duas
leituras) afirma, de forma clara e insofismável, que Deus ama os homens e
tem um projecto de vida plena para lhes oferecer. Como é que esse Deus
cheio de amor pelos seus filhos intervém na história humana e
concretiza, dia a dia, essa oferta de salvação? A história de Maria de
Nazaré (bem como a de tantos outros “chamados”) responde, de forma
clara, a esta questão: é através de homens e mulheres atentos aos
projectos de Deus e de coração disponível para o serviço dos irmãos, que
Deus atua no mundo, que Ele manifesta aos homens o seu amor, que Ele
convida cada pessoa a percorrer os caminhos da felicidade e da
realização plena. Já pensámos que é através dos nossos gestos de amor,
de partilha e de serviço que Deus Se torna presente no mundo e
transforma o mundo?
• Neste domingo que precede o Natal de Jesus, a história de Maria
mostra como é possível fazer Jesus nascer no mundo: através de um “sim”
incondicional aos projetos de Deus. É preciso que, através dos nossos
“sins” de cada instante, da nossa disponibilidade e entrega, Jesus possa
vir ao mundo e oferecer aos nossos irmãos – particularmente aos pobres,
aos humildes, aos infelizes, aos marginalizados – a salvação e a vida
de Deus.
• Outra questão é a dos instrumentos de que Deus se serve para
realizar os seus planos… Maria era uma jovem mulher de uma aldeia
obscura dessa “Galileia dos pagãos” de onde não podia “vir nada de bom”.
Não consta que tivesse uma significativa preparação intelectual,
extraordinários conhecimentos teológicos, ou amigos poderosos nos
círculos de poder e de influência da Palestina de então… Apesar disso,
foi escolhida por Deus para desempenhar um papel primordial na etapa
mais significativa na história da salvação. A história vocacional de
Maria deixa claro que, na perspectiva de Deus, não são o poder, a
riqueza, a importância ou a visibilidade social que determinam a
capacidade para levar a cabo uma missão. Deus age através de homens e
mulheres, independentemente das suas qualidades humanas. O que é
decisivo é a disponibilidade e o amor com que se acolhem e testemunham
as propostas de Deus.
• Diante dos apelos de Deus ao compromisso, qual deve ser a resposta
do homem? É aí que somos colocados diante do exemplo de Maria…
Confrontada com os planos de Deus, Maria responde com um “sim” total e
incondicional. Naturalmente, ela tinha o seu programa de vida e os seus
projectos pessoais; mas, diante do apelo de Deus, esses projectos
pessoais passaram naturalmente e sem dramas a um plano secundário. Na
atitude de Maria não há qualquer sinal de egoísmo, de comodismo, de
orgulho, mas há uma entrega total nas mãos de Deus e um acolhimento
radical dos caminhos de Deus. O testemunho de Maria é um testemunho
questionante, que nos interpela fortemente… Que atitude assumimos diante
dos projetos de Deus: acolhemo-los sem reservas, com amor e
disponibilidade, numa atitude de entrega total a Deus, ou assumimos uma
atitude egoísta de defesa intransigente dos nossos projetos pessoais e
dos nossos interesses egoístas?
• É possível alguém entregar-se tão cegamente a Deus, sem reservas,
sem medir os prós e os contras? Como é que se chega a esta confiança
incondicional em Deus e nos seus projetos? Naturalmente, não se chega a
esta confiança cega em Deus e nos seus planos sem uma vida de diálogo,
de comunhão, de intimidade com Deus. Maria de Nazaré foi, certamente,
uma mulher para quem Deus ocupava o primeiro lugar e era a prioridade
fundamental. Maria de Nazaré foi, certamente, uma pessoa de oração e de
fé, que fez a experiência do encontro com Deus e aprendeu a confiar
totalmente n’Ele. No meio da agitação de todos os dias, encontro tempo e
disponibilidade para ouvir Deus, para viver em comunhão com Ele, para
tentar perceber os seus sinais nas indicações que Ele me dá dia a dia?
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