O mundo precisa decidir: vamos ajudá-los a suportar o inverno ou vamos reassentá-los em outro país?
Dezenas de milhares de refugiados no norte do Iraque se preparam para enfrentar o inverno em tendas de campanha ou em prédios inacabados.
Organizações de ajuda humanitária, governos regionais e ONGs estão
fazendo o que podem para manter os desabrigados aquecidos, saudáveis e
bem alimentados, mas a tarefa é gigantesca e a crise humanitária é cada
vez mais real.
"A situação é terrível e não vai melhorar tão
cedo. Está piorando, aliás. As pessoas precisam desesperadamente de
ajuda e o governo do Iraque não tem ajudado de forma alguma", diz Joseph
T. Kassab, fundador e presidente do Iraqi Christians Advocacy and
Empowerment Institute, sediado nos Estados Unidos. "O inverno é cruel no
Iraque. E tem muita gente vivendo em abrigos ou a céu aberto".
Joseph é irmão do bispo Jibrael Kassab, da Igreja Caldéia da Austrália e
da Nova Zelândia, e foi, ele próprio, um refugiado iraquiano na década
de 1980.
Estima-se que haja 120 mil refugiados cristãos em
Erbil, a capital dos curdos iraquianos, vivendo em escolas, igrejas,
mosteiros e parques depois de terem sido obrigados a deixar as suas
casas em Mossul e em outras cidades da planície de Nínive, durante o
último verão, pelas forças brutais do grupo terrorista Estado Islâmico.
Natalia Prokopchuk, porta-voz no Iraque
do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR),
descreveu diversos projetos que o ACNUR vem implementando para ajudar os
desabrigados internos a enfrentarem o inverno, o que inclui a
distribuição de cobertores e de aquecedores a querosene. "Também estamos
impermeabilizando e isolando para o inverno as paredes e o piso das
tendas onde as pessoas estão morando", informou ela.
Mas os
recursos limitados só permitem que a agência ajude a metade dos
desabrigados. Mediante a construção de abrigos, a prestação de cuidados
médicos e a oferta de financiamentos, também há várias agências
católicas ajudando na região: a Caritas, a Ajuda à Igreja que Sofre, a
Associação Católica para o Bem-Estar do Oriente Próximo, os Cavaleiros
de Colombo e a Malteser International, além de organizações
iraquiano-americanas como o Conselho de Socorro aos Cristãos Iraquianos.
Juliana Taimoorazy, fundadora e presidente desta última entidade, conta
que a organização tem apresentado pedidos a empresas dos Estados Unidos
para que elas doem medicamentos e produtos de higiene de primeira
necessidade aos refugiados.
Por causa da escassez de
medicamentos, há pessoas morrendo de doenças cardíacas e diabetes,
afirma Taimoorazy, ela própria uma cristã assíria que encontrou asilo no
Ocidente durante a década de 1980.
A Malteser International,
agência de ajuda da Ordem de Malta, está montando um centro de
atendimento primário de saúde em um dos dois campos do ACNUR, em
construção entre Dohuk e Zakho, no norte da região, onde as temperaturas
de inverno podem cair para 5 graus. "Eu estive em Dohuk e vi famílias
morando em edifícios que ainda estão em construção, sem paredes", relata
o coordenador de emergências da Malteser, Leigh Ryan, que acaba de
voltar de um período de dois meses na região.
No entanto, mesmo
que os deslocados internos sobrevivam ao inverno com a ajuda necessária,
a questão que permanece viva na mente dos refugiados e das pessoas que
os ajudam é: "Será que os cristãos ainda têm um futuro no Iraque?".
"Eles estão muito traumatizados. Eu nunca vi um povo tão deprimido",
afirma o padre Andrzej Halemba, chefe da seção Ásia-África da
organização Ajuda à Igreja que Sofre. O sacerdote visitou Erbil
recentemente e relata: "Eles dizem: ‘Os cristãos não têm futuro aqui. É o
fim, nós não vamos sobreviver’".
A Ajuda à Igreja que Sofre está construindo uma espécie de “vila” para
abrigar 4.000 refugiados no inverno, além de ajudar na edificação de
oito escolas em Erbil e Dohuk.
Mesmo que a coalizão
internacional liderada pelos Estados Unidos vença os terroristas do
Estado Islâmico, os refugiados cristãos se dizem relutantes em voltar
para as casas de onde fugiram, conforme relatam o pe. Halemba e outros
entrevistados para esta matéria. Os cristãos, cujo número vem diminuindo
há trinta anos no Iraque, sentem-se traídos pelo governo central de
Bagdá, pela milícia curda dos peshmerga, que não conseguiu proteger as
suas cidades do ataque do Estado Islâmico apesar das garantias que tinha
dado aos moradores cristãos, e ainda pelos próprios antigos vizinhos,
que, em muitos casos, assaltaram as propriedades que os cristãos foram
forçados a abandonar.
Diz o pe. Halemba: "Eles [os cristãos
iraquianos] só têm um pensamento: ir embora. ‘Não vamos mais voltar. Se
fomos traídos três vezes, como é que podemos ter confiança? Como é que
podemos construir um futuro?’".
A ativista internacional pela
liberdade religiosa Nina Shea concorda que os cristãos do Iraque se
sentem vulneráveis. Comentando na semana passada sobre o sequestro e
posterior liberação de um sacerdote franciscano na Síria, ela disse que
"os cristãos leigos vêm sendo sequestrados aos milhares, tanto no Iraque
quanto na Síria, porque eles não têm nenhuma proteção. Nem das
milícias, nem das redes tribais, nem dos seus governos, nem de nenhuma
potência estrangeira. Assim, para os sequestradores, só existem
consequências positivas quando eles sequestram cristãos: não há punição e
eles ainda podem conseguir dinheiro com o resgate".
Shea, que
dirige o Centro para a Liberdade Religiosa no Instituto Hudson e já fez
parte da Comissão Norte-Americana para a Liberdade Religiosa
Internacional, disse que a planície de Nínive, localizada no norte do
Iraque e lar de cristãos durante quase 2000 anos, sofreu "uma verdadeira
‘limpeza religiosa’ cujos efeitos vão durar muitos anos. Eu não vejo
como os cristãos possam retornar sem proteção. E não há proteção nenhuma
para eles. Eles vão partir para outro país. A Igreja, na sua estrutura
internacional, precisa de um plano muito sério de reassentamento para
eles, seja em algum lugar na região, seja em algum lugar no Ocidente,
porque para casa eles não podem mais voltar".
O pe. Halemba
relata que, a cada dia, dez ou mais famílias cristãs emigram do Iraque. É
um número aparentemente pequeno, mas faz diferença num panorama de
drástica redução da presença de cristãos no Iraque: de cerca de 1,5
milhão em 2003 para cerca de 400 mil atualmente.
A delicadeza da
situação fez com que, a pedido do papa Francisco, a reunião de cardeais
no Vaticano, neste dia 20 de outubro, incluísse discussões específicas
sobre o drama dos cristãos perseguidos no Oriente Médio.
Joseph
Kassab observou que a Igreja na região está "fazendo um apelo para o
nosso povo ficar e nós concordamos. Mas ficar como?". Ele gostaria que
houvesse mais vistos disponíveis para os refugiados nos países
ocidentais, especialmente para aqueles que querem se reencontrar com as
suas famílias na diáspora.
Nina Shea formula o dilema: "Nós
estamos num ponto em que precisamos tomar uma decisão: vamos enviar
ajuda maciça ao Curdistão para que eles enfrentem o inverno ou vamos
investir os recursos em reassentá-los num terceiro país?".
John Burger
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