segunda-feira, 6 de outubro de 2014

FILHO ESTRAGADO.





Era um santo casal, daqueles de vida ilibada, dos quais para encontrar algum defeito você teria que pesquisar com microscópio. Amigos diziam que nunca haviam visto ninguém tão de Deus quanto este casal; quarenta anos de casados e nenhum filho; resolveram adotar.
O menino veio bom mais foi se tornando problemático. Entre o menino de 6 anos, adotado do orfanato e o filho que se tornou, a diferença foi abissal. O rapaz casou-se, mas vivia de falcatrua em falcatrua, de cadeia em cadeia.
Os dois filhos que tivera, praticamente não o conheceram, porque Tony, este o seu nome, passava mais tempo preso do que na rua. Pequenos furtos, pequenas transgressões, mas frequentes e constantes.

O Frank, esse era o nome do pai, orava e fazia sacrifícios pela conversão do filho adotado. A mãe Mary, calma, serena, orava muito dizendo que um dia ele mudaria. A esposa do rapaz veio morar na casa dos sogros com as crianças porque ele não tinha como mantê-las.
Cansada, depois de 12 anos, Lucy resolveu divorciar-se de Tony. Não tinha como esperar. Frank e Mary lhe deram uma casa perto da deles para ficarem perto dos netos, até porque a tinham como filha. Ele continuou nas falcatruas: cheque sem fundo, roubo de carro, muambas, bebidas e drogas.
Frank já com grave problema de lesão muscular e sofrendo de artrite e dores atrozes, cultivava morangos. Com o dinheiro ajudava as obras vocacionais de uma congregação que ordenou um sacerdote na Venezuela. Eu fui um dos beneficiados, porque parte dos meus estudos nos Estados Unidos foram do dinheiro dele.

Passava o tempo na oficina fazendo pequenos brinquedos para as crianças pobres. Santo casal ferido na alma, um dia ele me perguntou se o filho não se converteria. Afinal, ele e a esposa faziam tanto sacrifício, praticavam tanta bondade e tinham aprendido na igreja que esmolas apagam uma multidão de pecados… Será que todo aquele sacrifício não ajudaria a pagar a multidão de pecados do filho Tony?
Como explicar o mistério do bem e do mal, quando o bem perdeu, perdeu e perdeu? Não é que ele estivesse desanimado: iria até o fim, mas queria saber como Deus aplicaria tudo aquilo em favor do Tony.
Expliquei o que sabia sobre o mistério do bem e do mal e como ensina a igreja Católica. Falei sobre o mistério da graça, da liberdade humana, dos condicionamentos humanos, da culpabilidade e das pessoas vitimas de impulsos descontrolados. Falei lhe dos mecanismos da vontade humana e do mistério que há nesse mecanismo, pois não se aplica a duas pessoas da mesma maneira. Lembrei, então, as pessoas que ele ajudou e todas as crianças beneficiadas pelo seu trabalho, além do bem que ele fizera à sua nora e suas netas.

O caso do Tony ele até que entendia, mas o rapaz não tinha forças para largar aquela vida. Mas ponderou:
- “Nada exijo. Nem cobro de Deus, que converta meu filho. Eu só peço que ele me ilumine para que eu saiba fazer o melhor. Não perco a esperança e não perco a misericórdia. Mas fracassei com ele. Adotei um menino na esperança de torná-lo mais pessoa e não consegui.
E eu lhe retruquei.
- “Ele é quem não conseguiu! Você jogou a corda, mas ele não a agarrou. A correnteza foi mais forte. Lembram-se da Buick que você disse que tinha? Era um lindo carro, dentro dos cinco que você já teve. Mas foi o que mais trabalho lhe deu. Tinha alguma coisa no motor que sempre encrencava. Mas você nunca jogou o carro fora. Está lá na loja, menos útil que os outros, mas tem uma história”.
Concluí: “-O Tony tem alguma coisa no motor. Ele ainda não morreu, e tem menos de 30 anos; quem sabe, um dia, ele aparecerá de motor novo. Agora ele é um desmotivado. O defeito não está nem no motorista, nem no mecânico: está nele. Não se pode culpar o mecânico toda vez que algum motor falha. Ela pode ser estrutural. No caso do Tony teremos que perguntar para Deus o que houve com aquela cabeça.
Bem e o mal são mistérios, os bons e os maus também … O Tony não é mau; só não consegue ser bom como deveria. Frank e Mary choraram e eu também, mas até hoje me pergunto como é que, depois de trinta anos, ás vezes, cinqüenta anos de bondade dos pais, um filho continua mau.
Dias atrás, um filho tentou matar a mãe e um neto esfaqueou a avó. Droga no nariz a nas veias. E eu me fiz a mesma pergunta. Não sei se um dia todo mundo será bom, mas luto e oro para que, um dia, os maus sejam poucos, muito poucos. É a isso que dedico o meu trabalho e a minha fé.
 
 
 
 
 

 

Padre José Fernandes de Oliveira, SCJ

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