São Dionísio de Paris, depois de ter sua cabeça decepada, caminhou ainda seis quilômetros com ela nas mãos, pregando o Evangelho.
Dos muitos mártires que a fé em Cristo já gerou ao longo dos séculos,
em todos os cantos da terra, a Igreja celebra a memória de São
Dinis de Paris, bispo e padroeiro da França.
São Dinis – que também se pode chamar de “Dionísio” – foi morto em
meados do século III, durante o curto reinado do imperador romano Décio.
Os dois anos em que ficou à frente do Império foram suficientes para
que sua crueldade fosse comparada à do terrível Nero. Em pouco tempo,
ele fez incontáveis vítimas no meio do clero e entre os próprios fiéis,
elevando à honra dos altares nomes como Santa Ágata, São Saturnino e o
próprio Papa Fabiano.
Como morreu São Dinis? Durante o seu pontificado, São Fabiano enviou à
então província da Gália sete missionários cristãos, dentre eles
Saturnino, mandado a Toulouse, e o próprio Dinis, que se fixou na
Lutécia, onde atualmente fica a cidade de Paris. A eloquência de
Dionísio logo colocou em polvorosa os sacerdotes pagãos do local, que
ficaram alarmados pelas várias conversões que ele, por obra de Deus,
conseguia. Um edito do imperador Décio, exigindo que todos prestassem o
culto a César, tornou fácil a captura de Dinis, que se destacava por sua
coragem e fidelidade. Um dia, levaram-no ao alto de um monte e cortaram
a sua cabeça e as de seus fiéis companheiros, Rústico e Eleutério.
O mais incrível é que, segundo a tradição, o bispo Dionísio ainda saiu
do Montmartre – “monte do mártir”, como ficou conhecido o lugar – e
caminhou seis quilômetros, carregando a sua cabeça e pregando um sermão
sobre o arrependimento, até chegar ao lugar onde foi enterrado. A
iconografia cristã geralmente o retrata segurando a sua cabeça, ainda
com a mitra. Hoje, o “apóstolo da Gália” é invocado pelo povo cristão
contra dores de cabeça e possessões demoníacas, além de ser homenageado
como um dos primeiros pais da França.
O seu impressionante testemunho ilustra como nem depois de mortos os
santos se calam. Se, nesta terra, com a sua pregação e vida, Dionísio
glorificou sumamente a Deus, chegando ao heroísmo do martírio, após a
sua morte, ele mesmo encorajou muitos outros homens a darem a vida por
Cristo, cumprindo a profecia de Tertuliano, para quem o sangue dos
mártires era semente de novos cristãos.
É importante lembrar que as ofertas dos perseguidores para que os
cristãos “livrassem a sua pele” eram coisas aparentemente simples.
Daniel-Rops conta que os suspeitos de seguirem a Cristo eram “conduzidos
ao templo e convidados a sacrificar aos deuses ou, pelo menos, a
queimar incenso na frente do altar”. Depois, caso persistisse “a
acusação de cristianismo, o acusado era convidado a pronunciar uma
fórmula blasfema, na qual renegava Cristo”. Por fim, celebrava-se uma
refeição, “uma espécie de comunhão pagã, em que os suspeitos deviam
comer carne das vítimas imoladas e beber vinho consagrado aos ídolos”
[1]. Se fizessem qualquer uma dessas coisas, os cristãos se safavam e
não eram mortos.
Diante de uma perseguição como a impetrada por Décio, pode-se imaginar
como era grande a tentação de jogar um pouquinho de incenso diante dos
ídolos... Afinal, um punhado de incenso, que mal poderia haver? Mas,
os santos não se improvisam. “Quem quiser salvar sua
vida a perderá; e quem perder sua vida por causa de mim a encontrará”
(Mt 16, 25). Os carrascos que olhavam para os mártires certamente
pensavam em seus corações que se tratavam de loucos, assim como a
modernidade comumente pinta as imagens dos primeiros mártires como
“suicidas”, como se fossem homens desgostosos da vida, à procura da
morte. À luz do Evangelho, no entanto, a entrega dessas pessoas não era
simplesmente a renúncia da vida, mas a adesão à verdadeira Vida, por
amor. O “não” de Dionísio, Rústico e Eleutério à idolatria, à blasfêmia e
às carnes sacrificadas pelos ídolos foi, ao mesmo tempo, um belo e
glorioso “sim” a Deus, ao Seu nome e à Sua vontade.
Hoje, talvez não nos seja pedida a entrega física dos primeiros
mártires, que tiveram suas cabeças, braços e pernas decepados por causa
de Cristo. Mas, sem dúvida, é-nos pedida a fidelidade de cada dia, pela
qual
todo cristão é sempre um mártir:
“Sendo muitas as perseguições, também são numerosos os martírios. Todos os dias és testemunha de Cristo. Foste tentado pelo espírito de fornicação; mas, por temor do futuro juízo de Cristo, julgaste que não devias manchar a pureza da alma e do corpo: és mártir de Cristo. Foste tentado pelo espírito de avareza para assaltar a propriedade do teu inferior ou para violar os direitos da viúva indefesa; todavia, meditando nos preceitos divinos, preferiste prestar ajuda a praticar injustiças: és testemunha de Cristo. (...) Foste tentado pelo espírito de soberba; mas, ao ver o pobre e o necessitado, compadeceste-te piedosamente e preferiste a humildade à arrogância: és testemunha de Cristo.”
“Como são numerosos todos os dias os mártires ocultos de Cristo, os que confessam o Senhor Jesus! O Apóstolo conheceu este martírio e este fiel testemunho, ao dizer: É esta a nossa glória e o testemunho da nossa consciência.” [2]
Com os santos, aprendemos que “quem começa a servir verdadeiramente o
Senhor, o mínimo que lhe pode oferecer é a própria vida”, como ensinava
Santa Teresa de Ávila. Peçamos a intercessão de São Dionísio, para que
nos ajude a sermos testemunhas de Cristo onde for: senão no alto dos
montes, nas arenas dos leões ou no madeiro das cruzes, em nossas casas,
em nossas escolas e em nossos trabalhos.
São Dionísio, mártir, rogai por nós!
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- Henri Daniel-Rops. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires. São Paulo: Quadrante, 2014.p. 360
- Santo Ambrósio, Sermo 20, 47-50: CSEL 62, 467-469
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