Nestes
últimos dias antes do Natal, a mensagem fundamental da Palavra de Deus gira à
volta da definição da missão de Jesus: propor um projeto de salvação e de
libertação que leve os homens à descoberta da verdadeira
felicidade.
O
Evangelho sugere que esse projeto de Deus tem um rosto: Jesus de Nazaré veio ao
encontro dos homens para apresentar aos prisioneiros e aos que jazem na
escravidão uma proposta de vida e de liberdade. Ele propõe um mundo novo, onde
os marginalizados e oprimidos têm lugar e onde os que sofrem encontram a
dignidade e a felicidade. Este é um anúncio de alegria e de salvação, que faz
rejubilar todos os que reconhecem em Jesus a proposta libertadora que Deus lhes
faz. Essa proposta chega, tantas vezes, através dos limites e da fragilidade dos
“instrumentos” humanos de Deus; mas é sempre uma proposta que tem o selo e a
força de Deus.
A
primeira leitura sugere que este mundo novo que Jesus, o descendente de David,
veio propor é um dom do amor de Deus. O nome de Jesus é “a Paz”: Ele veio
apresentar uma proposta de um “reino” de paz e de amor, não construído com a
força das armas, mas construído e acolhido nos corações dos
homens.
A
segunda leitura sugere que a missão libertadora de Jesus visa o estabelecimento
de uma relação de comunhão e de proximidade entre Deus e os homens. É necessário
que os homens acolham esta proposta com disponibilidade e obediência – à imagem
de Jesus Cristo – num “sim” total ao projeto de Deus.
1ª
leitura: Mq. 5,1-4a - AMBIENTE
O
profeta Miqueias viveu e exerceu o seu ministério em Judá, nos sécs. VIII/VII
a.C.. É originário de um meio campesino e conhece bem os problemas dos pequenos
agricultores, vítimas de latifundiários sem escrúpulos. Por outro lado, a sua
terra natal (Moreset Gat) está rodeada de fortalezas militares; e a presença
nessas fortalezas de militares e de funcionários reais faz com que os habitantes
dessa região conheçam um quadro de violência, de roubos, de impostos excessivos,
de trabalhos forçados… O mais grave é que os opressores consideram que Deus está
do seu lado e invocam as grandes tradições religiosas de Israel para justificar
a opressão.
O
livro de Miqueias começa por descrever (cap. 1-3) os graves pecados de Israel e
de Judá sublinhando, sobretudo, os pecados sociais, apresentando-os como
infidelidade grave aos compromissos assumidos no âmbito da “aliança” e
denunciando esta “teologia da opressão”. No entanto, o texto que nos é hoje
proposto está integrado na segunda parte do livro (que a maior parte dos
comentadores admite não vir de Miqueias, mas sim de um profeta anônimo da época
do exílio na Babilônia), onde se apresenta um conjunto de oráculos de salvação,
destinados a animar a esperança do Povo (cap. 4-5).
MENSAGEM
O
texto que nos é proposto retoma as promessas messiânicas. Num quadro de
injustiça e de sofrimento – e, portanto, de frustração e de desânimo – o profeta
anuncia a chegada de um personagem, no futuro, que reinará sobre o Povo de Deus.
Esse personagem, enviado por Deus, será da descendência davídica, supondo-se,
portanto, que poderá restaurar esse tempo de paz, de justiça e de abundância que
o Povo de Deus conheceu na época ideal do rei David. A última frase desta
leitura (“Ele será a Paz”) define o conteúdo concreto desta esperança: a palavra
“shalom” aqui utilizada significa tranquilidade, ausência de violência e de
conflito, mas também bem-estar, abundância de vida, numa palavra, felicidade
plena.
ATUALIZAÇÃO
•
A releitura cristã vê nesta promessa de Deus veiculada por Miqueias uma
referência a Jesus, o descendente de David, nascido em Belém. A missão de Jesus
não passa, no entanto, pela instauração do trono político de David (um reino que
se impõe pela força, pela riqueza, pelas jogadas políticas e diplomáticas), mas
sim pela proposta de um reino de paz e de amor no coração dos
homens.
•
Os cristãos, seguidores de Jesus, são a comunidade que aceitou o convite para
integrar esse “reino” de paz e de amor que Jesus veio propor. É esse o “reino”
que nos esforçamos por construir? Somos, verdadeiramente, comprometidos com a
causa da paz, preocupamo-nos em eliminar tudo aquilo que destrói a vida ou a
dignidade de qualquer homem ou qualquer mulher? Como reagimos diante das
injustiças, das arbitrariedades, do sofrimento, da miséria: com conformismo e
medo, ou com o espírito profético de membros da comunidade do “reino” de
Jesus?
•
A mensagem deste texto faz-nos constatar, também, a presença contínua de Deus na
história humana. Apesar do egoísmo e do pecado dos homens, Deus continua a
preocupar-Se connosco, a querer indicar-nos que caminhos percorrer para
encontrar a felicidade. A vinda de Cristo, Aquele que é “a Paz”, insere-se nesta
dinâmica.
2ª
leitura: Hb. 10,5-10 - AMBIENTE
A
“carta aos Hebreus” é um texto anônimo, escrito, provavelmente, pouco antes do
ano 70 e destinado a uma comunidade cristã constituída maioritariamente por
cristãos vindos do judaísmo. É uma comunidade que já não é de fundação recente e
onde o entusiasmo inicial parece ter dado lugar a uma fé “morninha” e pouco
comprometida; a perspectiva de novas dificuldades provoca o desânimo; e começa a
haver um real perigo de desvios doutrinais.
A
“carta” é uma apresentação do mistério de Cristo, sublinhando especialmente a
dimensão sacerdotal da sua missão. Recorrendo à linguagem litúrgica judaica, o
autor apresenta Jesus como o “sumo sacerdote” da nova “aliança”, que faz a
mediação entre Deus e os homens. Na sequência, o autor aproveita para refletir
sobre a condição cristã que deriva da missão sacerdotal de Cristo: os crentes,
postos em relação com o Pai por Cristo sacerdote, são inseridos nesse Povo
sacerdotal que é a comunidade cristã e devem fazer da sua vida um contínuo
sacrifício de louvor, de ação de graças e de amor.
O
texto que nos é proposto pertence à terceira parte da carta (Heb. 5,11-10,39).
Aí, o autor reflete sobre os traços primordiais do sacerdócio de
Cristo.
MENSAGEM
No
mundo vétero-testamentário, quem queria celebrar a sua comunhão com Deus, ou
manifestar a sua entrega absoluta a Deus, ou obter o perdão dos seus pecados,
oferecia em sacrifício um animal, que o sacerdote entregava nas mãos de Jahwéh…
No entanto, a inutilidade e a ineficácia destes sacrifícios tinha sido já
afirmada pelos profetas (cf. Is. 1,11-13; Jr. 6,20; 7,22; Os. 6,6; Am. 5,21-25;
Mq. 6,6-8), porque se tratava de ritos externos, que nem sempre correspondiam a
uma atitude sincera do coração do oferente.
Pondo
na boca de Jesus as palavras de um salmista (cf. Sl. 40,7-9), o autor da “Carta
aos Hebreus” afirma que, no mundo da nova “aliança”, não é já o sacrifício de
animais que realiza a comunhão com Deus, a entrega absoluta do crente a Deus, o
perdão dos pecados; é a encarnação de Jesus, a entrega total da vida do próprio
Cristo, o seu respeito absoluto pelo projeto e pela vontade do Pai que permitem
a aproximação e a relação do homem com Deus. Quem quiser descobrir o Pai e
aproximar-se d’Ele, olhe para Jesus; porque Jesus ensinou-nos, com a sua
obediência ao projeto do Pai, como deve ser essa relação de filiação com
Deus.
ATUALIZAÇÃO
•
A encarnação de Jesus e o seu “eis-Me aqui, Pai” correspondem ao projeto de Deus
de aproximar os homens de Si, de estabelecer com eles uma relação de filiação e
de amor. Nestes dias em que preparamos o Natal, somos convidados a contemplar a
ação de um Deus que ama de tal forma os homens que envia ao nosso encontro o
Filho, a fim de nos conduzir à comunhão com Ele.
•
O encontro com Deus não é feito a partir de rituais externos (as prendas, a
comida, os cânticos, as procissões, as orações, as liturgias solenes, o incenso,
os paramentos sumtuosos), mas é feito a partir de Cristo, o Filho que entrega a
vida, a fim de que o projeto do Pai se torne presente na vida dos homens e de
que os homens, aprendendo o amor e a entrega total, aceitem tornar-se “filhos de
Deus”.
•
O encontro com Cristo significa aprender com Ele a obediência e a
disponibilidade ao projeto de Deus. Como nos situamos, diante desta proposta:
contam mais os nossos interesses pessoais (ainda que legítimos), ou o projeto de
Deus?
Evangelho:
Lc. 1,39-47 - AMBIENTE
O
texto que nos é proposto faz parte do chamado “Evangelho da Infância”. Os
estudos atuais falam do “Evangelho da Infância” como um gênero literário
especial, que se pode chamar “homologese”: é um gênero que não pretende ser um
relato fidedigno sobre acontecimentos, mas antes uma catequese destinada a
proclamar as realidades salvíficas que a fé prega sobre Jesus (que Ele é o
Messias, o Filho de Deus, o Deus connosco). Desenvolve-se em forma de narração e
recorre às técnicas do midrash haggádico (uma técnica de leitura e de
interpretação do Antigo Testamento usada pelos rabbis judeus na época em que foi
escrito o Novo Testamento). A “homologese” utiliza, de preferência, tipologias:
fatos e pessoas do Antigo Testamento encontram a sua correspondência em fatos e
pessoas do Novo Testamento. Pelo meio, misturam-se elementos apocalípticos
(aparições, anjos, sonhos), destinados a fazer avançar a narração e a explicitar
as idéias teológicas e a catequese sobre Jesus. É esta mistura de elementos que
podemos encontrar no Evangelho de hoje: mais do que uma informação
“jornalística” sobre fatos concretos, trata-se de uma catequese sobre Jesus,
feita a partir de um conjunto de referências tiradas da mensagem e das promessas
do Antigo Testamento.
MENSAGEM
A
primeira referência vai para a indicação de que, à saudação de Maria, o menino
(João Baptista) saltou de alegria no seio da mãe. Trata-se, evidentemente, de
uma indicação teológica: para Lucas, Jesus é o Deus que vem ao encontro dos
homens, e que tem uma mensagem de salvação/libertação que concretiza as
promessas feitas por Deus aos antepassados; logo, a presença de Jesus provoca a
alegria, o estremecimento gozoso de todos aqueles que esperam a concretização
das promessas de Deus e que vêem na chegada de Jesus a realização das promessas
de um mundo de justiça, de amor, de paz e de felicidade para todos os homens.
Através de Jesus, Deus vai oferecer a salvação a todos; e isso provoca um
estremecimento incontrolável de alegria, por parte de todos os que anseiam pela
concretização das promessas de Deus.
Temos,
depois, a resposta de Isabel à saudação de Maria: “Bendita és tu entre as
mulheres”. Trata-se de palavras que aparecem no “cântico de Débora” (cf. Jz
5,24) para celebrar Jael, a mulher que, apesar da sua fragilidade, foi o
instrumento de Deus para libertar o Povo das mãos de Sísera, o opressor. Maria
é, assim, apresentada – apesar da sua fragilidade – como o instrumento de Deus
para concretizar a salvação/libertação dos homens.
Finalmente,
temos a resposta de Maria: “a minha alma enaltece o Senhor…”. A resposta de
Maria retoma um salmo de acção de graças (cf. Sl 34,4), destinado a dar graças a
Jahwéh porque protege os humildes e os salva, apesar da prepotência dos
opressores. É um salmo de esperança e de confiança, que exalta a preocupação de
Deus para com os pobres que são vítimas da injustiça e da opressão. Sugere-se,
claramente, que a presença de Jesus, através dessa mulher simples e frágil que é
Maria, é um sinal do amor de Deus, preocupado em trazer a libertação a todos os
que são vítimas da prepotência e da injustiça dos homens. Com Jesus, chegou esse
tempo novo de libertação, de paz e de felicidade anunciado pelos
profetas.
ATUALIZAÇÃO
•
A presença de Jesus neste mundo é, claramente, a concretização das promessas de
salvação e de libertação feitas por Deus ao seu Povo. Com Jesus, anuncia-se a
eliminação da opressão, da injustiça, de tudo aquilo que rouba e que limita a
vida e a felicidade dos homens. Jesus, ao “nascer” entre nós, tem por missão
propor um mundo onde a justiça, os direitos humanos, a dignidade, a vida e a
felicidade das pessoas são absolutamente respeitados. Dizer que Jesus, hoje,
nasce no nosso mundo significa propor esta mensagem libertadora e
salvadora.
•
Nós, que somos no mundo o rosto vivo de Jesus, propomos esta boa notícia? Os
pobres, os que sofrem, todos os que são vítimas de opressão e suspiram
ansiosamente por um mundo novo encontram no nosso anúncio esta proposta? Esta
mensagem libertadora é a nossa proposta fundamental, ou dispersamo-nos em
propostas laterais (o dinheiro que a comunidade tem em caixa para construir
novas igrejas, a apresentação dos novos paramentos, as “bocas” que atiramos aos
nossos opositores na comunidade, as questões de organização), que dizem muito
pouco acerca do essencial?
•
O “estremecimento” de alegria de João Baptista no seio de Isabel é o sinal de
que o mundo espera com ânsia uma proposta verdadeiramente libertadora. Nós, os
cristãos, somos verdadeiramente o veículo desta
mensagem?
•
A proposta libertadora de Deus para os homens alcança o mundo através da
fragilidade de uma mulher (recordar o contexto social de uma sociedade
patriarcal, onde a mulher pertence à classe dos que não gozam de todos os
direitos civis e religiosos) que aceita dizer “sim” a Deus. É necessário ter
consciência de que é através dos nossos limites e da nossa fragilidade que Deus
alcança os homens e propõe o seu projeto ao mundo.
•
Maria, após ter conhecimento de que vai acolher Jesus no seu seio, parte ao
encontro de Isabel e fica com ela, solidária com ela, até ao nascimento de João.
Temos consciência de que acolher Jesus é estar atento às necessidades dos
irmãos, partir ao seu encontro, partilhar com eles a nossa amizade e ser
solidário com as suas necessidades?
P.
Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas
Carvalho
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