Ciência e Religião.Por G.K.Chesterton * 1874 / + 1936 Disponível no livro All Things Considered, Cap. “Science and Religion” Tradução: Vinicius Oliveira.
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Nesses dias somos acusados de
atacar a ciência porque queremos que ela seja científica. Certamente não
há nenhum desrespeito indevido em dizer ao nosso médico que ele é o
nosso médico, não o nosso padre, ou a nossa esposa, ou nós mesmos.
Não é o trabalho do médico
dizer que nós devemos ir a um balneário; é o trabalho dele dizer que
certos resultados em relação à saúde ocorrerão se nós formos a um
balneário. Depois disso, obviamente, cabe a nós julgar. A ciência física
é como adição simples: ou é infalível ou é falsa.
Misturar ciência com filosofia significa apenas produzir uma filosofia
que perdeu todo seu valor ideal e uma ciência que perdeu todo o seu
valor prático. Eu quero que meu médico particular me diga se
aquela comida irá me matar. É meu filósofo particular quem me dirá se eu
devo ser morto. Eu me desculpo por apresentar todos esses truísmos. Mas
a verdade é que eu estava lendo um panfleto espesso escrito por uma
massa de homens muito inteligentes que parecem nunca ter ouvido sobre
esses truísmos em suas vidas.
Aqueles que detestam o
inofensivo escritor dessa coluna são geralmente reduzidos (em seu êxtase
final de raiva) a chamá-lo “brilhante”; o que há muito tempo em nosso
jornalismo tornou-se uma mera expressão de desdém. Mas eu temo que mesmo
essa frase desdenhosa faça a mim muita honra. Eu estou cada vez mais
convencido de que eu sofro não de uma reluzente ou vistosa
impertinência, mas de uma simplicidade que beira a imbecilidade. Eu
penso cada vez mais que eu devo ser muito estúpido, e que todos os
outros no mundo moderno devem ser muito inteligentes.
Eu estava agora mesmo lendo
essa importante compilação, enviada a mim em nome de alguns homens pelos
quais eu tenho muito respeito, e chamada “Nova Teologia e Religião
Aplicada”. E é literalmente verdade que eu li colunas inteiras das
coisas sem saber sobre o que as pessoas estavam falando. Ou eles devem
estar falando de alguma religião negra e bestial na qual eles foram
criados, e da qual eu nunca ouvi falar, ou eles devem estar falando de
alguma visão ardente e ofuscante de Deus que eles descobriram, que eu
nunca descobri, e que pelo seu próprio esplendor atrapalha sua lógica e
confunde seu discurso. Mas a melhor afirmação que eu posso citar da
coisa está em conexão com esse assunto do papel da ciência física na
Terra, sobre o qual eu acabei de falar. As seguintes palavras são
escritas sobre a assinatura de um homem cuja inteligência eu respeito, e
eu não consigo entendê-la:
“Quando a ciência moderna
declarou que o processo cósmico não sabia nada sobre um evento histórico
correspondente a uma Queda, mas contou, ao contrário, a história de um
aumento contínuo na escala do ser, ficou bastante claro que o esquema
Paulino – quero dizer o processo argumentativo do esquema de salvação de
Paulo – perdera seu próprio fundamento; pois não era esse fundamento a
total depravação da raça humana herdada de seus primeiros pais?… Mas
agora não houve Queda; não houve total depravação, ou perigo iminente de
uma condenação eterna; e, com o fim da base, a superestrutura se vai”.
Está escrito com seriedade e em um inglês excelente; deve significar alguma coisa. Mas o que pode significar? Como a ciência física poderia provar que o homem não é depravado?
Você não corta e abre um homem para encontrar seus pecados. Você não o
ferve até que ele solte a inconfundível fumaça verde da depravação. Como a ciência física poderia encontrar qualquer traço de uma queda moral? Que
traços o escritor esperava encontrar? Ele esperava encontrar um fóssil
de Eva com o fóssil de uma maçã dentro dela? Ele supôs que o tempo teria
poupado para ele um esqueleto completo de Adão preso a uma folha de
figo levemente desbotada? Todo o parágrafo que eu citei é simplesmente
uma série de sentenças inconsequentes, todas bem falsas em si mesmas e
todas bem irrelevantes entre si. A ciência nunca disse que não poderia haver Queda.
Pode ter havido dez Quedas, uma em cima da outra, e a coisa seria
bastante consistente com tudo o que nós sabemos da ciência física. A
humanidade pode ter crescido pior moralmente por milhões de séculos, e a
coisa de forma alguma iria contradizer o princípio da Evolução. Homens
da ciência (não sendo lunáticos raivosos) nunca disseram que houve “um
aumento incessante na escala do ser”; pois um aumento incessante
significaria um aumento sem qualquer falha ou recaída; e a evolução
física é cheia de falhas e recaídas. Certamente houve algumas Quedas
físicas; pode ter havido qualquer número de Quedas morais.
Por isso, como eu disse, eu
fico honestamente perplexo quanto ao significado de passagens como essa,
na qual a pessoa avançada escreve que porque geólogos não sabem nada
sobre a Queda, logo qualquer doutrina de depravação é falsa. Porque
a ciência não encontrou algo que obviamente não poderia encontrar, logo
algo inteiramente diferente – o sentido psicológico do mal – é falso.
Você pode resumir o argumento do escrito abruptamente, mas de forma
acurada, dizendo algo como isso: “Nós não desenterramos os ossos do
Arcanjo Gabriel, que presumivelmente não tinha nenhum, portanto garotos
pequenos, deixados a si mesmos, não serão egoístas”. Para mim, isso
parece um disparate; como se um homem dissesse: “O encanador não
encontrou nada de errado como nosso piano; então eu suponho que minha
mulher realmente me ama”.
Eu não vou entrar aqui na
verdadeira doutrina do pecado original, ou nessa provavelmente falsa
versão dela que os escritores da Nova Teologia chamam doutrina da
depravação. Mas seja lá o que a pior doutrina da depravação tenha sido,
foi o produto de convicção espiritual; não teve nada a ver origens
físicas remotas. Os homens pensaram que a humanidade se perverteu porque eles mesmos se sentiram pervertidos.
Se um homem se sente pervertido, eu não consigo enxergar por que de
repente ele deveria se sentir bem porque alguém disse a ele que seus
ancestrais já tiveram caudas. A inocência e pureza primárias do homem
podem ter caído com essa cauda, até onde sabemos. A única coisa que todos nós sabemos sobre aquela inocência e pureza primárias é que nós não as temos. Nada
pode ser, no sentido mais estrito do mundo, mais cômico que colocar
algo tão sombrio quanto as conjecturas feitas pelos mais vagos
antropólogos sobre o homem primitivo contra algo tão sólido quanto o
senso humano do pecado. Por natureza, a evidência do Éden é algo que não
pode ser encontrado. Por natureza, a evidência do pecado é algo
impossível de não entrar.
De algumas afirmações eu
discordo; outras eu não entendo. Se um homem diz, “Eu penso que a raça
humana estaria melhor se se abstivesse totalmente de licor fermentado”,
eu entendo bem o que ele quer dizer, e como sua visão poderia ser
defendida. Se um homem diz, “Eu quero abolir a cerveja porque eu sou um
homem moderado”, sua afirmação não transmite nenhum significado à minha
mente. É como dizer, “Eu quero abolir todas as estradas porque eu sou um
pedestre moderado”. Se um homem diz, “Eu não sou um trinitário”, eu
entendo. Mas se ele diz (como uma
senhorita me disse uma vez), “Eu acredito no Espírito Santo em um
sentido espiritual”, eu saio atordoado. Em que outro sentido alguém
poderia acreditar no Espírito Santo? E eu sinto muito em dizer
que esse panfleto de visões religiosas progressivas está cheio de
observações desconcertantes desse tipo. O que as pessoas podem querer
dizer quando dizem que a ciência perturbou sua visão do pecado? Que tipo
de visão do pecado eles podiam ter antes da ciência perturbá-lo? Elas
pensaram que era algo de comer? Quando as
pessoas dizem que a ciência abalou sua fé na imoralidade, o que elas
querem dizer? Elas pensaram que a imoralidade era um gás?
Com certeza a real verdade é que a ciência não introduziu nenhum princípio à questão, de forma alguma. Um
homem pode ser um cristão até o fim do mundo, pelo mesmo motivo de que
um homem poderia ter sido um ateu desde o começo do mundo. O materialismo das coisas está na cara das coisas; não requer nenhuma ciência para encontrar. Um
homem que viveu e amou cai morto e as minhocas o comem. Isso é
Materialismo, se você preferir. Isso é Ateísmo, se você preferir. Se a
humanidade apesar disso tem crido, ela pode crer apesar de todas as
coisas.
Mas por que nossa sina humana
se torna mais desesperada porque nós sabemos os nomes de todas as
minhocas que comem ele, ou o nome de todas as partes dele que são
comidas, é para uma mente pensativa algo difícil de descobrir. Minha
principal objeção a esses revolucionários semicientíficos é que eles
não são de forma alguma revolucionários. Eles são o partido da
banalidade. Eles não abalam a religião: em vez disso, é a religião que
parece abalá-los. Eles podem apenas responder ao grande paradoxo repetindo o óbvio
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