Blogueiro Católico Jorge Ferraz
Recebi por email esta notícia que narra as aventuras de dois pesquisadores na busca da prova
científica da existência da alma. São “o médico americano Stuart Hamerroff e
o físico britânico Sir Roger Penrose”; segundo a reportagem,
eles explicaram que a alma de uma pessoa está dentro das células cerebrais em um lugar chamado microtúbulo. Os microtúbulos, segundo os livros de biologia, são estruturas proteicas que fazem parte do citoesqueleto das células. Elas ajudam no transporte celular pelo corpo humano.
Bom, em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a alma
não “está” em nenhum lugar específico do corpo. Aliás, como explica Santo Tomás
na Summa, ao invés de postular que o corpo contém a alma o mais exato é
dizer que a alma contém o corpo (Summa,
Ia, q.8, a.1, ad.2). E, em outro lugar (id., q.76, a.8,
resp.), que se fosse para falar “onde” a alma se encontra no corpo humano,
dever-se-ia dizer que ela está totalmente em todo o corpo e em cada uma de suas
partes.
Localizar a alma em alguma parte específica do corpo
humano (p.ex., digamos, o cérebro) só seria possível se ela (a alma) estivesse
unida ao corpo somente como motor,teoria
que o Aquinate demonstra ser insustentável por várias razões na mesma questão
da Summa. Ao contrário, Santo Tomás – seguindo Aristóteles – afirma
que a alma está unida ao corpo enquanto sua forma substancial, sendo assim o
homem uma unidade substancial composta de corpo e alma. À luz desta concepção do
ser humano é totalmente sem sentido pretender “encontrar” a alma em alguma parte
do corpo humano. Talvez gostem desta teoria os espíritas ou os adeptos da metafísica de Descartes, mas ela não é
compatível com a antropologia católica.
Segundo os pesquisadores, os microtúbulos têm energia quântica do universo. Essa energia seria a alma e ajudaria a formar a consciência de uma pessoa durante toda a sua vida. Portanto, quando a pessoa morre, essa energia quântica voltaria ao universo, de onde veio. Isso seria, portanto, a alma.
Eu torço o nariz sempre que leio “energia quântica do
universo” aplicada neste sentido que beira o esoterismo. Concedo que, para os
leigos, isto decorre da maneira pouco rigorosa que sói se usar para explicar a
mecânica quântica fora dos círculos acadêmicos. Por exemplo, lembro-me de que eu
passei muito tempo da minha adolescência achando que o Princípio da Incerteza de Heisenberg era um absurdo porque o
compreendia como se o elétron fosse um Boo de Super Mario, que parava de se mover e cobria o
rosto quando o personagem se virava para ele, voltando a andar somente quando
aquele lhe dava as costas. Daí até eu chegar na faculdade e aprender que
“observação” pressupõe o “contato físico” [= sensível] com o elétron (não sendo
simplesmente “olhar” para ele) e que era desta interação entre a partícula e o
instrumento de medida que surgia a perturbação de estado responsável pela
incerteza postulada por Heisenberg passou-se um bocado de tempo. E tenho
intimamente a convicção de que muita gente acha que a Física Quântica é uma
espécie de mágica na qual, de alguma maneira, “cabem” igualmente o natural, o
sobrenatural e os absurdos metafísicos.
De todo modo, não sei o teor exato das alegações dos
drs. Hamerroff e Penrose, que comento somente à luz da citada matéria da INFO
Online. Pode ser que eles tenham uma explicação científica rigorosa relacionando
[o que chamam de] “consciência” com a “energia quântica do universo”. Sei, no
entanto, que para o leitor médio esta correlação implica quase sempre em erros
conceituais graves.
Não é a priori impossível que se detecte alguma
perturbação sensível provocada pela alma, o que contudo não autoriza a confundir
esta perturbação com a alma em si. Tratar-se-ia, mutatis mutandis, de
alguém que olhasse para um eletrocardiograma e dissesse que o coração humano é
um feixe de ondas elétricas detectável por aquele equipamento específico que o
traduz graficamente. Ora, a atividade elétrica é provocada sim pelo coração
humano, mas ela não é o próprio coração humano. Igualmente, parece-me em
princípio não haver óbice a que a alma humana unida ao corpo provoque alguma
espécie de movimento sensível que seja detectado sob a forma de energia quântica
ou de qualquer outra natureza. Daí a igualar os efeitos às causas, contudo, vai
um passo enorme que a ciência não está autorizada a dar. Sobre este assunto,
vale igualmente tudo o que eu já falei aqui sobre as provas científicas da
existência de Deus. Toda prova “científica” a respeito da existência da alma
sempre vai ser – e por definição só pode ser – uma prova
indireta.
E toda vez que são provocados por um pesquisador, eles respondem com a teoria das pessoas que são ressuscitadas depois de uma parada cardíaca e sempre voltam com uma história do momento da morte.Para eles, a história nada mais é do que a experiência dessa energia quântica indo embora do corpo e se vendo obrigada a voltar – já que a pessoa conseguiu sobreviver ao acidente cardíaco.
Já este
argumento me parece nonsense por pelo menos duas razões. A primeira é
que eu – como cético sobre Experiências de Quase-Morte – questiono a sua
natureza, e me pergunto se não é possível explicá-las à luz de argumentos materialistas. A
segunda é que… bom, ainda que tais experiências sejam verdadeiramente
espirituais, disso não me parece decorrer necessariamente a existência das tais
“energias quânticas” a explicá-las. Permanece aberto o abismo entre as ciências
empíricas – inclusive as que estudam a energia quântica do universo – e as
realidades espirituais; e, como eu já disse por diversas vezes, uma “ciência”
auto-mutilada e reduzida àquilo que é mensurável e empiricamente verificável não
será nunca capaz de o transpôr.
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