Na Encarnação do Verbo, Deus mostrou aos homens
uma face visível de Deus. Os cristãos foram, então, compreendendo que segundo a
pedagogia divina, deveriam passar da contemplação do visível ao invisível. As
imagens, principalmente os que reproduziam personagens e cenas da história
sagrada, tornaram-se “a Bíblia dos iletrados” ou analfabetos.
Os Reformadores protestantes rejeitaram as
imagens por causa dos abusos do fim da Idade Média; Lutero, porém, se mostrou
bastante liberal com as imagens; não as proibia.
Ultimamente entre os luteranos a atitude
inococlasta (heresia que rejeitava as imagens) tem sido submetida a revisão.
Lutero rejeitou os iconoclastas (quebradores de imagens) escreveu essas palavras
em 1528: “Tenho como algo deixado à livre escolha as imagens, os sinos, as
vestes litúrgicas e coisas semelhantes. Quem não os quer, deixe-os de lado,
embora as imagens inspiradas pela Escritura e por histórias edificantes me
pareçam muito úteis… Nada tenho em comum com os Iconoclastas” (Da Ceia de
Cristo).
Nos primeiros séculos do Cristianismo, ainda
encontramos alguns escritores cristãos que mostram mal-entendidos ou abusos por
parte dos fiéis no uso das imagens. Mas os cristãos foram percebendo que a
proibição de fazer imagens no Antigo Testamento era apenas uma questão
pedagógica de Deus com o povo de Israel, para que esse não se voltasse para os
ídolos. Deus proibia fazer imagens de ídolos e não de outros seres. As gerações
cristãs começaram a representar e meditar as fases da vida de Jesus e a
representação artística das mesmas começaram a surgir como um meio valioso para
que o povo fiel se aproximasse do Filho de Deus.
Já nas antigas catacumbas de Roma (S. Calisto,
Priscila, etc.), os antigos cemitérios cristãos, encontram-se diversos afrescos
geralmente inspirados pelo texto bíblico: Noé salvo das águas do dilúvio, os
três jovens cantando na fornalha, Daniel na cova dos leões, os pães e os peixes
restantes da multiplicação efetuada por Jesus, o Peixe (Ichthys), que
simbolizava o Cristo.
Note que esses cristãos dos primeiros séculos
estão debaixo da perseguição dos romanos. E eles faziam imagens e pintavam
figuras. Será que eram idólatras por isso? É lógico que não, eles morriam às
vezes mártires exatamente para não praticarem a idolatria, reconhecendo César
como Deus e lhe queimando incenso. Ora, se os nossos mártires usavam figuras
pintadas, é claro que elas são legítimas.
Nas Igrejas as imagens tornaram-se a “Bíblia dos
iletrados”, dos simples e das crianças, exercendo grande função catequética.
Alguns escritores cristãos nos contam isso. São Gregório de Nissa (†394)
escreveu: “O desenho mudo sabe falar sobre as paredes das igrejas e ajuda
grandemente” (Panegírico de S. Teodoro, PG 94, 1248c).
São João Damasceno, doutor da Igreja, grande
defensor das imagens no Concilio de Nicéia II, disse: “O que a Bíblia é para os
que sabem ler, a imagem o é para os iletrados” (De imaginibus I 17 PG, 1248c).
“Antigamente Deus, que não tem corpo nem face, não poderia ser absolutamente
representado através duma imagem. Mas agora que Ele se fez ver na carne e que
Ele viveu com os homens, eu posso fazer uma imagem do que vi de Deus.” “A beleza
e a cor das imagens estimula minha oração. É uma festa para os meus olhos, tanto
quanto o espetáculo dos campos estimula o meu coração para dar glória a Deus”
(CIC, 1162). “Como fazer a imagem do invisível? Na medida em que Deus é
invisível, não o represento por imagens; mas, desde que viste o incorpóreo feito
homem, fazes a imagem da forma humana: já que o inviável se tornou visível na
carne, pinta a semelhança do invisível” (I 8 PG 94, 1237-1240). “Outrora Deus, o
Incorpóreo e invisível, nunca era representado. Mas agora que Deus se manifestou
na carne e habitou entre os homens, eu represento o “visível” de Deus. Não adoro
a matéria, mas o Criador da matéria” (Ibid. I 16 PG 94, 1245s).
O Papa São Gregório Magno († 604), doutor da Igreja,
escreveu a Sereno, bispo de Marselha, que ordenou quebrar as imagens: “Tu não
devias quebrar o que foi colocado nas Igrejas não para ser adorado, mas
simplesmente para ser venerado. Uma coisa é adorar uma imagem, outra coisa é
aprender, mediante essa imagem, a quem se dirigem as tuas preces. O que a
Escritura é para aqueles que sabem ler, a imagem o é para os ignorantes;
mediante essas imagens aprendem o caminho a seguir. A imagem é o livro daqueles
que não sabem ler” (epist. XI 13 PL 77, 1128c).
Nos séculos VIII e IX surgiu na Igreja a disputa
em torno do uso das imagens, a questão iconoclasta. Por influência do judaísmo,
do islamismo, de seitas e de antigas heresias cristológicas, muitos cristãos do
Oriente começaram a negar a legitimidade do culto das imagens. Os imperadores
bizantinos, de Constantinopla, tomaram parte na disputa, por motivos políticos
mais do que por razões religiosas. Desencadeada sob o Imperador bizantino Leão
Isáurico (717-741), a controvérsia das imagens foi levada ao Concílio de Nicéia
II (787).
Com base nos sólidos argumentos de grandes
teólogos como São João Damasceno, doutor da Igreja, este Concilio reafirmou a
validade do culto de veneração (não adoração) das imagens. O Concílio distinguiu
entre Iatréia (em grego adoração), devida somente a Deus, e proskynesis
(veneração), tributável aos santos e também às imagens sagradas na medida em que
estas representam os santos ou o próprio Senhor; o culto às imagens é, portanto,
relativo, só se explica na medida em que é tributado indiretamente àqueles que
as imagens representam.
Assim se pronunciaram os padres conciliares:
“Definimos que, como as representações da Cruz, assim também as veneráveis e
santas imagens, em pintura, em mosaico ou de qualquer outra matéria adequada,
devem ser expostas nas santas igrejas de Deus (sobre os santos utensílios e os
paramentos, sobre as paredes e de quadros), nas casas e nas entradas. O mesmo se
faça com a imagem de Deus Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, com as da santa
Mãe de Deus, com as dos santos Anjos e as de todos os santos e justos. Quanto
mais os fiéis contemplarem essas representações, mais serão levados a
recordar-se dos modelos originais, a se voltar para eles, e lhes testemunhar …
uma veneração respeitosa, sem que isto seja adoração, pois esta só convém,
segundo a nossa fé, a Deus” (sessão 7, 13 de outubro de 787;
Denzinger-Schönmetzer, Enchridion Symbolorum nº 600s).
Note, então, que muito antes da Reforma
Protestante, a Igreja já tinha estudado o uso das imagens; isto foi cerca de 750
anos antes da Reforma. A sagrada Tradição da Igreja, sempre assistida pelo
Espírito Santo (cf. Jo14,15.25; 16,12-13) sempre reconheceu o valor pedagógico e
psicológico das imagens como um auxílio para a vida de oração. Todos os santos
da Igreja, em todas as épocas, valorizaram as imagens. Santa Teresa de Ávila (†
1582), ao ensinar as vias da oração às suas Religiosas, dizia: “Eis um meio que
vos poderá ajudar… Cuidai de ter uma imagem ou uma pintura de Nosso Senhor que
esteja de acordo com o vosso gosto. Não vos contenteis com trazê-las sobre o
vosso coração sem jamais a olhar, mas servi-vos da mesma para vos entreterdes
muitas vezes com Ele” (Caminho de Perfeição, cap. 43,1).
Prof. Felipe Aquino
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