Primeira leitura: Isaías 66,18-21
CASTIGO DOS INFIÉIS E VITÓRIA DOS QUE ESTAVAM
DISPERSOS
É conhecido como Terceiro Isaías um profeta anônimo do exílio (séculos VI-V antes de Cristo), que tem a função de
sustentar a esperança do povo na reconstrução nacional, mas não deixa de ser
crítico quando necessário. Aqui ele critica o formalismo religioso, pois os
refugiados queriam construir um mundo fechado e egoísta, enquanto Deus tem um
projeto universal (v.19). O texto lembra as
sete nações para significar todas as nações espalhadas pelo mundo, chamadas
para contemplar a glória de Javé manifestada em Jerusalém como cidade santa que
com seu brilho atrairá todos os povos. Com isso, os convertidos das nações se
tornarão missionários do projeto de Deus. Será um superamento da maldição de
Babel (Gênesis 11), onde os povos se uniram
num gesto de desafio a Deus e foram dispersados.
O trecho é um hino de agradecimento a Javé, por ter conduzido o povo à
cidade e feito de Jerusalém um lugar de salvação e de encontro com Deus. É a
universalidade da salvação, que não se encontra só no povo de Israel, mas está
espalhada pelos quatro pontos cardeais.
Este é um oráculo dirigido aos repatriados da Babilônia depois do edito
de Ciro em 538 a.C. É a realização de um antigo oráculo de Isaías 2,1-5 e
Miqueias 4,1-5.
Segunda leitura: Hebreus 12,5-7.11-13
EDUCAÇÃO PATERNAL DE DEUS
Este trecho se relaciona com alguns livros da literatura sapiencial
(Eclesiastes, Provérbios, Sabedoria, Salmos). Eles procuram educar o homem para
todas as dimensões da vida: família, trabalho, cultura, sociedade, estado,
religião, economia, governo... Este esforço de formação do homem tem valor de
correção (paideia) que Deus usa para o homem, procurando exprimir seu amor de
Pai. Portanto, o homem que procura desvencilhar-se da “paideia” divina não é um
filho genuíno. Deus mostrou sua “paideia" para Israel no caminho do Êxodo,
através do Servo sofredor.
O contexto deste trecho é das comunidades desanimadas (v.12), porque se
encontram em dificuldades. Mas onde encontrar luzes e forças para resistir aos
sofrimentos? Para o autor desta carta, a primeira coisa a fazer é
fundamentar-se em Jesus Cristo, que se submeteu ao sofrimento (v.2). Depois o
autor se reporta à experiência do passado condensada em Provérbios 3,11-12,
lembrando que diante de Deus somos como crianças a caminho da maturidade: “O
Senhor castiga...” (v.6). Assim, na ótica da pedagogia divina, o sofrimento
ajuda os cristãos a alcançarem a maturidade na fé.
Por fim, o hagiógrafo lembra que diante das dificuldades é preciso ter
solidariedade (v.13), pois a dor, quando é repartida, diminui.
Evangelho: Lucas 13,22-30
NÚMERO DOS ESCOLHIDOS; A PORTA ESTREITA
Jesus está a caminho de Jerusalém e, enquanto atravessa os povoados,
prega e instrui os discípulos. Nesta viagem alguém lhe pergunta: “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?”
(v.23). Este tipo de pergunta era comum no tempo
de Jesus, pois o rabinismo havia criado várias teorias. Os mais liberais
afirmavam que todos os judeus se salvariam. Já segundo os mais radicais, só os
judeus praticantes teriam a salvação. Todos, porém, propunham que a salvação
passava pela questão da raça.
Jesus não respondeu a esta pergunta, pois para ele o caminho da salvação
passa pela porta estreita, exige esforços (v.24).
É preciso estar em sintonia com o Reino de Deus, ou seja, praticar a justiça. O
evangelista usa o verbo “agonìzesthai”
(esforçar-se), ou seja, lutar, estar de
prontidão.
Para esclarecer melhor a idéia, Jesus contou a parábola da porta
fechada. Os que se consideravam amigos do Senhor imaginavam ter a porta aberta,
porém a porta não se abria para eles. Só através do compromisso com a justiça
se tem acesso à salvação. Não basta apelar para qualquer oração, nem pertencer
à estirpe de Abraão ou ao povo dos profetas. O Juízo terá como base o que a
pessoa faz.
REFLEXÃO
Uma das idéias mestras do ensinamento desta palavra dominical é que a
salvação está ao alcance de todos, e não só dos hebreus, que favoreciam o
proselitismo fundando colônias em Alexandria no Egito e sinagogas (só em Roma havia três sinagogas neste tempo). Estes,
porém, não aceitavam a salvação universal realizada em Cristo.
Jesus, do seu lado, adverte que a salvação passa pela porta estreita e
pequena. Isso é difícil, porque exige que se tire das costas todos os pecados e
defeitos, torne-se pequeno, não se possua bagagens.
Jesus
entrou pela porta estreita fazendo a vontade do Pai (Hebreus 10,7). Não
aceitando a tentação do demônio
no deserto (Mateus 4,1-11). Não aceitando o
entusiasmo fácil do povo após a multiplicação dos pães (João 6,15). E no
horto das Oliveira disse: “Faça-se a tua vontade” (Mateus
26,36-39).
A parábola de hoje é para todos um convite de Jesus à conversão radical
a fim de conquistar o Reino, conversão imediata antes que a porta se feche,
pois amanhã poderá ser tarde. Se chegarmos tarde a um compromisso ou se
perdermos o ônibus ou o trem por nossa própria culpa ficaremos chateados. E se
perdermos a salvação por nossa culpa?
A salvação é uma questão de prática do amor a Deus e ao próximo. Não
existem “seguros de vida eterna”. Esta não
pode ser comprada com práticas piedosas, como escapulários, novenas, devoções,
missas gregorianas etc. Tudo isso é ótimo, mas não basta. A “porta estreita” de Jesus não significa moralismo,
mas solidariedade com os irmãos, domínio diante do consumismo e da idolatria do
dinheiro. É vivência das bem-aventuranças. É busca de santidade, que não é algo
facultativo e opcional, reservado só a alguns, mas um ideal que pode ser
atingido por todos (Lumen Gentium 11,3; 39). A
partir do momento em que nos incorporamos a Cristo pelo Batismo, somos
vocacionados para a santidade, ou seja, somos conclamados a amar, servir e
glorificar a Deus em todas as circunstâncias de nossa vida.
O interlocutor de Jesus no Evangelho de hoje perguntou-lhe sobre o
número dos que se salvam e Jesus lhe respondeu sobre o modo: “Entrem pela porta estreita...”. Em seguida ensinou
que para obter a salvação não é suficiente pertencer ao povo eleito, nem
alimentar uma confiança falsa, mas é necessário ter fé acompanhada por obras. A
2ª leitura indica como devemos fazer para obter a salvação: “Dirijam seus passos pelos caminhos certos...”. É um
chamado à exemplaridade, a fim de fortalecermos com nossa conduta e caridade os
que se sentem fracos, “para que os que mancam não se
extraviem, mas sejam curados”.
Eis nossa missão, pois Deus quer que colaboremos na obra da salvação do
mundo. Assim, nosso empenho apostólico é elemento essencial da vocação cristã,
pois todo cristão, em qualquer idade ou condição, em todas as circunstâncias, é
chamado “a dar testemunho de Cristo em todo o mundo”.
Porém, a exigência cristã da missionariedade não nos leva a fazer coisas
estranhas, e muito menos a descuidar dos deveres familiares, sociais e
profissionais, pois é justamente nas relações humanas normais que encontramos
campo para uma opção apostólica eficaz. Devemos levar os outros a Cristo no
lugar onde Deus nos colocou, com nosso exemplo, mostrando nossa coerência entre
a fé e as obras, com nossa serenidade perante as dificuldades, por meio da
Palavra que anima sempre, e com a admiração de encontrar e seguir Jesus.
Dos primeiros cristãos se dizia: “O que a alma
é para o corpo, os cristãos são para o mundo” (Carta
a Diogneto). Poderiam dizer o mesmo de nós na família, na escola, no
trabalho, no clube? Somos a alma que dá a vida de Cristo onde nos encontramos?
“O cristão tem que redimir e santificar o seu
próprio tempo Para isso precisa compreender e compartilhar os anseios dos
outros homens”. Nesta tarefa evangelizadora temos que contar com “um fato completamente novo e desconcertante, que é a
existência de um ateísmo militante, que já invadiu muitos povos” (João XXIII). “Ateísmo que
pretende que os homens se voltem contra Deus, ou pelo menos o esqueçam. São
ideologias que utilizam poderosos meios de comunicação de massas, que levam a
cabo uma sistemática difusão de slogans e chavões aparentemente
irretorquíveis...”. Para todos os que são atingidos pela moderna
ideologia ateísta devemos proclamar bem alto, como fez Pedro em relação a
Cristo: “Não foi dado aos homens outro nome debaixo
do céu pelo qual possamos ser salvos” (Atos
dos Apóstolos 4,12).
padre
José Antonio Bertolin, OSJ - www.santuariosaojose.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário