Como evitar os mal-entendidos sobre Ele?
“Sem a Igreja, Jesus ficaria à mercê da nossa imaginação, das nossas interpretações, do nosso humor“, disse o Papa Francisco no dia 1º de janeiro de 2015.
Isto, sem dúvida alguma, é verdade. Nós reescrevemos Jesus, como em
“O Código Da Vinci”; nós o repensamos sem a fé, como nas obras do cético
Bart Ehrman; ou reimaginamos a fé sem a religião, como tentaram fazer,
em seus livros recentes, os autores James Carroll e Bill O’Reilly.
Existem vários Jesuses em nossa cabeça e é importante fazer o esforço
de separá-los. Eu não pretendo listar aqui todas as respostas erradas
para a pergunta “Quem é Jesus?”. A verdade é que eu mesmo caio com
frequência em cada uma das respostas erradas – e suspeito que mais gente
também…
O primeiro Jesus: um vívido e amoroso amigo imaginário
Minha esposa e eu damos aulas para os crismandos em nossa paróquia de
Atchison, no Estado do Kansas, EUA, e eu sempre abro a primeira aula
dizendo: “Levante a mão quem acha que a seguinte afirmação é verdadeira:
Jesus é um amigo imaginário que vai nos dar um abraço toda vez que
precisarmos dele”.
Normalmente, pelo menos a metade das mãos se joga para cima. Às
vezes, quase todas. Mas eu estou orgulhoso dos meus alunos deste ano:
eles não só não levantaram mão nenhuma como ainda protestaram: “Ele não é
imaginário!”.
De qualquer maneira, mesmo a turma deste ano teve dificuldades para
entender que nem sempre Jesus nos abraça: algumas vezes, Ele retém o seu
amor para nos fazer desejá-lo com mais intensidade.
A
verdade é que todos nós, de vez em quando, fazemos de Jesus uma espécie
de consolação emocional. Mas isso é perigoso. Jesus mesmo nos disse:
“Quem me ama, guardará os meus mandamentos”. Ora, se o nosso Jesus é só
um amigo imaginário abraçável, guardar os mandamentos dele é uma coisa
que não fará sentido nenhum nem terá impacto algum sobre nós. E o mundo
vai descartar rapidamente esse Jesus por vê-lo apenas como uma fraqueza
psicológica nossa, da qual é melhor não participar.
O segundo Jesus: um embasamento moral para a nossa ideologia
Vivemos em uma sociedade onde as perguntas sobre nós não priorizam
mais “Qual é a sua religião?” ou “De que família você é?”, mas sim “Qual
é o seu partido ou orientação política?”.
Numa sociedade assim, corremos o constante perigo de politizar Jesus
Cristo. Um lado se convence de que Jesus vota na direita porque os
direitistas são pró-vida (ou, pelo menos, são contra o aborto) e avessos
à redefinição do casamento. O outro lado tem certeza de que Jesus vota
na esquerda porque os esquerdistas se opõem às guerras (exceto quando
eles próprios começam as guerras) e se mostram a favor dos pequenos
(desde que os pequenos já tenham nascido, não sejam muito velhos e não
trabalhem numa fábrica na China).
Como quer que seja, podemos reduzir Jesus, no meio desses
mal-entendidos, a um fator entre muitos outros fatores que compõem algo
de grande importância para nós: as nossas opiniões políticas (ou aquilo
que achamos que são “opiniões políticas”). Este Jesus não tem a nossa
permissão para desafiar essas opiniões; nós é que procuramos garantir
que esse “nosso” Jesus as reforce sempre.
O terceiro Jesus: um talismã mágico
Este erro na visão que temos de Jesus pode ser cometido tanto por quem o evoca quanto por aqueles que o temem.
Para os religiosos, Jesus pode se tornar um tipo de “gênio da
lâmpada” capaz de realizar os seus desejos, bastando repetir esses
desejos com insistência e com “sentimento”. Já para os temerosos, Jesus
pode virar uma espécie de “bicho-papão”: Ele não é levado muito a sério,
mas também é bom não “desrespeitá-lo”, por que vai que isso dá azar ou
atrai represálias do além…
Trate-se de religião superficial ou de mera superstição, esta atitude
presta a Jesus um terrível desserviço e acaba destruindo a fé nele. Se
Deus, para nós, serve apenas para satisfazer os nossos desejos errantes,
não vamos demorar a descobrir que Ele não “funciona” do jeito que
gostaríamos. E se Jesus é só uma “força do karma” que nos exige tomar
cuidado, logo descobriremos que Ele é uma força bem fraquinha…
O quarto Jesus: o da apologética
Outra armadilha em que os católicos ativos, leitores de blogs e
defensores da Igreja podem cair facilmente é a de reduzir Jesus a um
item-chave para as suas discussões: aquela figura que serve para “dar
sentido” aos seus argumentos.
Quando descobrimos a apologética, percebemos que a nossa fé não é um
absurdo; que ela dá forças para a nossa vida e melhora o nosso
relacionamento com Deus durante algum tempo. O problema é quando tudo
acaba por aí mesmo. O fato é que o nosso relacionamento com Deus tem que
progredir sempre. Não basta concluir que “Jesus demonstra que a Igreja
está certa e que o mundo está errado”; é preciso descobrir que “Jesus é a
Verdade, a Beleza, a Bondade e o Mistério, e que o mundo e eu temos que
lutar para compreendê-lo melhor”.
Esse Jesus da apologética, no fim das contas, não é tão diferente do
“Jesus histórico” sobre o qual os céticos gostam de especular: Ele é um
mero objeto de erudição humana, uma figura fascinante, mas remota.
O quinto Jesus: o Deus Filho e o filho de Maria
Eu não vou conseguir resumir o verdadeiro Jesus em poucas frases,
mas, na primeira homilia que fez em janeiro, o papa Francisco nos deu
uma pista: “A nossa fé não é uma doutrina abstrata ou uma filosofia, e
sim uma relação vital e completa com uma pessoa: Jesus Cristo”. Jesus é o
verdadeiro Deus que realmente compartilhou da nossa humanidade e que
realmente está conosco nos sacramentos.
Os mal-entendidos em que caímos quando o assunto é Jesus não são
muito diferentes dos enganos que cometemos no tocante a outras pessoas
que fazem parte da nossa vida. Tendemos a diminuir, romantizar ou
desdenhar a nossa esposa ou o nosso marido em vários aspectos da nossa
relação, antes de nos lembrarmos de que ela ou ele é de carne e osso. A
melhor maneira de melhorar a nossa compreensão da nossa esposa ou esposo
é passando mais tempo com ela ou ele, falando e também ouvindo. A mesma
coisa acontece com Jesus.
Em todos estes equívocos, o maior problema é que eles fazem de Jesus
um meio para um fim, e não um fim em si mesmo. Nós nunca vamos entender o
Jesus real até nos encontrarmos com Ele nos contextos em que Ele pode
ser encontrado: nas sagradas escrituras, no tabernáculo, no
confessionário, na comunidade dos crentes e nos ensinamentos da Igreja.
Tom Hoopes (via aleteia)
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