Na
Encarnação do Verbo, Jesus Cristo mostrou aos homens uma face visível
de Deus, que quis se servir de numerosos elementos sensíveis (imagens,
palavras, cenas históricas…) para nos comunicar a Boa-Nova.
Os cristãos foram, então, compreendendo
que segundo a pedagogia divina, deveriam passar da contemplação do
visível ao invisível. As imagens, principalmente os que reproduziam
personagens e cenas da história sagrada, tornaram-se “a Bíblia dos
iletrados” ou analfabetos.
As imagens sempre foram usadas por Jesus
e pelos Apóstolos como instrumentos eficazes e reveladores da realidade
invisível: para anunciar o Reino de Deus usaram imagens de lírios,
pássaros, sal, luz, etc., coisas que estimulavam a compreensão do
abstrato através de imagens retiradas do mundo concreto. São Paulo
também ensina que o Deus invisível tornou-se visível em Jesus Cristo
(cf. Cl 1,15).
A
controvérsia iconoclasta, inspirada por correntes judaizantes e
heréticas nos séculos VIII e IX, que condenava o uso das imagens,
terminou com a reafirmação do culto dessas no Concílio de Nicéia II, em
787.
Os Reformadores protestantes rejeitaram
as imagens por causa dos abusos do fim da Idade Média; Lutero, porém, se
mostrou bastante liberal com as imagens; não as proibia. Ultimamente
entre os luteranos a atitude diante das imagens tem sido submetida a
revisão. Lutero disse em 1528:
“Tenho como algo deixado à livre escolha
as imagens, os sinos, as vestes litúrgicas… e coisas semelhantes. Quem
não os quer, deixe-os de lado, embora as imagens inspiradas pela
Escritura e por histórias edificantes me pareçam muito úteis… Nada tenho
em comum com os Iconoclastas (quebradores de imagens)” (Da Ceia de
Cristo).
S. Clemente de Alexandria († antes de
215) dizia que: “O próprio homem é a imagem viva de Deus”, eis o
argumento que repete, acrescentando ainda um adágio frequente na Igreja
antiga: “Viste teu irmão, viste teu Deus” (Stromateis I 19 e II 15, PG
8,812 e 1009).
Os cristãos foram percebendo que a
proibição de fazer imagens no Antigo Testamento era apenas uma questão
pedagógica de Deus com o povo de Israel. As gerações cristãs foram
compreendendo que a realidade da Encarnação do Verbo como homem,
visível, indicava que eles deveriam subir ao Invisível passando pelo
visível que Cristo apresentou aos homens. Assim, começaram a representar
e meditar as fases da vida de Jesus e a representação artística das
mesmas começaram a surgir como um meio valioso para que o povo fiel se
aproximasse do Filho de Deus.
É relevante notar que já nas antigas
Catacumbas de Roma, os antigos cemitérios cristãos, encontram-se
diversos afrescos geralmente inspirados pelo texto bíblico: Noé salvo
das águas do dilúvio, os três jovens cantando na fornalha, Daniel na
cova dos leões, os pães e os peixes restantes da multiplicação efetuada
por Jesus, o Peixe (Ichthys), que simbolizava o Cristo…
Note que esses cristãos dos primeiros
séculos ainda estão debaixo da perseguição dos romanos. E eles faziam
imagens e pintavam figuras. Será que eram idólatras por isso? É lógico
que não, eles morriam às vezes mártires exatamente para não praticarem a
idolatria, reconhecendo César como Deus e lhe queimando incenso. Ora,
se os nossos mártires usavam figuras pintadas, é claro que elas são
legítimas.
Nas Igrejas as imagens tornaram-se a
“Bíblia dos iletrados”, dos simples e das crianças, exercendo grande
função catequética. Alguns escritores cristãos nos contam isso.
S. Gregório de Nissa (†394) escreveu:
“O desenho mudo sabe falar sobre as paredes das igrejas e ajuda grandemente” (Panegírico de S. Teodoro, PG 94, 1248c).
S. João Damasceno, doutor da Igreja, grande defensor das imagens no Concílio de Nicéia II, disse:
“O que a Bíblia é para os que sabem ler, a imagem o é para os iletrados” (De imaginibus I 17 PG, 1248c).
“Antigamente Deus, que não tem corpo nem
face, não poderia ser absolutamente representado através duma imagem.
Mas agora que Ele se fez ver na carne e que Ele viveu com os homens, eu
posso fazer uma imagem do que vi de Deus”.
“A beleza e a cor das imagens estimula
minha oração. É uma festa para os meus olhos, tanto quanto o espetáculo
dos campos estimula o meu coração para dar glória a Deus” (CIC, 1162).
“Como fazer a imagem do invisível?… Na
medida em que Deus é invisível, não o represento por imagens; mas, desde
que viste o incorpóreo feito homem, fazes a imagem da forma humana: já
que o inviável se tornou visível na carne, pinta a semelhança do
invisível” (I 8 PG 94, 1237-1240).
“Outrora Deus, o Incorpóreo e invisível,
nunca era representado. Mas agora que Deus se manifestou na carne e
habitou entre os homens, eu represento o “visível” de Deus. Não adoro a
matéria, mas o Criador da matéria” (Ibid. I 16 PG 94, 1245s).
O Papa São Gregório Magno(† 604), doutor da Igreja, escreveu a Sereno, bispo de Marselha, que ordenou quebrar as imagens:
“Tu não devias quebrar o que foi
colocado nas Igrejas não para ser adorado, mas simplesmente para ser
venerado. Uma coisa é adorar uma imagem, outra coisa é aprender,
mediante essa imagem, a quem se dirigem as tuas preces. O que a
Escritura é para aqueles que sabem ler, a imagem o é para os ignorantes;
mediante essas imagens aprendem o caminho a seguir. A imagem é o livro
daqueles que não sabem ler” (epist. XI 13 PL 77, 1128c).
O Concílio de Nicéia II (787), com base
nos sólidos argumentos de grandes teólogos como São João Damasceno,
doutor da Igreja, reafirmou a validade do culto de veneração (não
adoração) das imagens. O Concílio distinguiu entre Iatréia (em grego
adoração), devida somente a Deus, e proskynesis (veneração), tributável
aos santos e também às imagens sagradas na medida em que estas
representam os santos ou o próprio Senhor; o culto às imagens é,
portanto, relativo, só se explica na medida em que é tributado
indiretamente àqueles que as imagens representam. Assim se pronunciaram
os padres conciliares:
“Definimos… que, como as representações
da Cruz…, assim também as veneráveis e santas imagens, em pintura, em
mosaico ou de qualquer outra matéria adequada, devem ser expostas nas
santas igrejas de Deus (sobre os santos utensílios e os paramentos,
sobre as paredes e de quadros), nas casas e nas entradas. O mesmo se
faça com a imagem de Deus Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, com as
da… santa Mãe de Deus, com as dos santos Anjos e as de todos os santos e
justos. Quanto mais os fiéis contemplarem essas representações, mais
serão levados a recordar-se dos modelos originais, a se voltar para
eles, e lhes testemunhar… uma veneração respeitosa, sem que isto seja
adoração, pois esta só convém, segundo a nossa fé, a Deus” (sessão 7, 13
de outubro de 787; Denzinger-Schönmetzer, Enchridion Symbolorum nº
600s).
Note, então, que muito antes da Reforma
Protestante, a Igreja já tinha estudado o uso das imagens; isto foi há
cerca de 750 anos antes da Reforma.
A sagrada Tradição da Igreja, sempre
assistida pelo Espírito Santo (cf. Jo14,15.25; 16,12-13) sempre
reconheceu o valor pedagógico e psicológico das imagens como um auxílio
para a vida de oração.
Todos
os santos da Igreja, em todas as épocas, valorizaram as imagens. Santa
Teresa de Ávila († 1582), ao ensinar as vias da oração às suas
Religiosas, dizia: “Eis um meio que vos poderá ajudar… Cuidai de ter uma
imagem ou uma pintura de Nosso Senhor que esteja de acordo com o vosso
gosto. Não vos contenteis com trazê-las sobre o vosso coração sem jamais
a olhar, mas servi-vos da mesma para vos entreterdes muitas vezes com
Ele” (Caminho de Perfeição, cap. 43,1).
Enfim, Deus não proibiu imagens de
maneira absoluta; mas proibiu imagens de ídolos para serem adorados.
Sabemos que uma meia verdade é pior do que uma mentira. Não se pode
interpretar a Bíblia lendo apenas alguns versículos sobre um determinado
assunto; é preciso ler todos os versículos da Bíblia que falam do mesmo
assunto para que a interpretação seja correta.
O perigo da interpretação
fundamentalista é este: fixar os olhos em um único versículo e querer
tirar daí uma interpretação definitiva de uma verdade religiosa. Cai-se
no erro.
Prof. Felipe Aquino
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