"Não sou uma águia, dela tenho simplesmente os olhos e o coração, pois
apesar de minha pequenez extrema, ouso fitar o Sol Divino [...] e meu
coração sente em si todas as aspirações da águia".
Quando o Sol,
ainda tímido, deita seus primeiros raios sobre as altas cordilheiras, o
panorama vai adquirindo aos poucos uma luminosidade toda especial que
faz coruscar como minúsculos diamantes o alvo manto de neve no cimo das
montanhas mais elevadas. E à medida que a presença do Astro Rei ganha
força, a neve se derrete levemente em alguns recantos da encosta,
fazendo escorrer torrentes de água cristalina que rompem o silêncio da
aurora com seu inconfundível e agradável murmúrio.
Entre
os picos que se levantam sobranceiros, algo convida nosso espírito à
contemplação e ao heroísmo. Trata-se de uma majestosa ave que, depois de
se ter despertado junto com o nascer do Sol, cruza os ares com
grandeza: a águia real. Sentindo-se inteiramente à vontade em tão
espetacular cenário, ela voa com elegância, desafiando as alturas e
parecendo estar no ar por puro prazer. Mas se a observarmos com mais
cuidado, veremos que ela presta muita atenção no que acontece nos vales
profundos e nas íngremes vertentes.
De
repente, sua vista extremamente aguçada divisa uma presa que lhe reporá
as energias. Investe, então, com uma velocidade vertiginosa – que pode
passar até de 150 km/h – e a apanha certeira, com suas garras afiadas.
Uma vez alimentada, fixa o Sol como se quisesse atingi-lo e outra vez
fende os ares com audácia, em sua direção.
Contemplando-a
levantar voo, ela nos dá ideia do que é a ousadia que não duvida nem
toma precauções pequenas e mesquinhas. Sua forma de sulcar os céus evoca
a beleza das almas que, no supremo heroísmo do desapegar-se das coisas
da Terra, se abandonam nas mãos de Deus, dispostas a enfrentar todos os
riscos desta vida, para contemplar eternamente a luz do Criador.
Tal
é a Virgem Santíssima que, em sua humildade, voa como uma águia mística
pelos céus inexcogitáveis do amor a Deus. E assim também são as almas
que, reconhecendo sua debilidade para alcançar o Céu, podem dizer com
Santa Teresinha: “Não sou uma águia, dela tenho simplesmente os olhos e o
coração, pois apesar de minha pequenez extrema, ouso fitar o Sol
Divino, o Sol do Amor, e meu coração sente em si todas as aspirações da
águia…”.1
*************************
1 SANTA TERESA DE LISIEUX. Manuscrito B. O passarinho e a
águia divina. In: Obras completas. São Paulo: Paulus, 2002, p.175.
(Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2014, n. 152, p. 50-51)
Nenhum comentário:
Postar um comentário