Há
umas palavras muito bonitas no livro de Neemias, que se leem com
frequência na Liturgia das Horas: A alegria do Senhor será a vossa força
(Ne 8, 10). Jesus nos fala dessa “alegria do Senhor”, a garante e a
potencia infinitamente com a sua Ressurreição e com a graça do Espírito
Santo: Hei de ver-vos outra vez [quando aparecer ressuscitado], e o
vosso coração se alegrará e ninguém vos tirará a vossa alegria (Jo
16,23; cf. Jo 20,20 e Gl 5,22).
A
tristeza enfraquece-nos, a nós e aos que nos cercam. Debilita o ânimo,
amolece as forças e desperta o mau humor. Uma pessoa triste cria um
ambiente soturno. Já dizia, no século II, um dos mais antigos escritores
cristãos: <> (Pastor de Hermas, Mand. 10,1.1; 3.1).
A
alegria, antítese da tristeza, enche-nos de vitalidade e levanta o
ânimo dos outros. É dinâmica. Pode-se dizer que uma pessoa alegre faz
sair o sol em qualquer lugar onde se encontra.
Mas,
talvez nos perguntemos: “É possível a alegria como um bem estável da
alma, como algo permanente? Não é, na realidade, como um vagalume, uma
luzinha efêmera que só pisca de vez em quando e por uns instantes na
escuridão?”
Deus nos responde que não.
–
Lembremos as palavras já citadas de Jesus na Última Ceia: Vós, sem
dúvida, agora estais tristes. Mas hei de ver-vos outra vez, e o vosso
coração se alegrará e ninguém vos tirará a nossa alegria (Jo 16,22).
– Ouçamos o que diz São Paulo aos que acabavam de abraçar a fé cristã: Nós estamos sempre contentes! (2Cor 6,10).
–
Escutemos o “mandamento da alegria” de São Paulo aos filipenses:
Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos!… O Senhor está
próximo. Não vos inquieteis com coisa alguma! (Fl 4, 4-6).
Será possível essa alegria?
Essa
é a pergunta que se fazia Bento XVI, ao iniciar, com uma meditação,
Sínodo dos Bispos de 2005. Acabavam de lidar, na Liturgia da Hora Terça,
as palavras com que Paulo termina sua segunda carta aos Coríntios: Por
fim, irmãos, vivei com alegria…, animai-vos…, vivei em paz. E o Deus do
amor e da paz estará convosco (2Cor 13,11). O Papa fez o seguinte
comentário:
<<É possível
ordenar, manda desta forma a alegria? A alegria, poderíamos dizer, vem
ou não vem, mas não pode ser imposta como um dever. Neste ponto,
ajuda-nos a pensar o texto mais conhecido sobre a alegria das cartas
paulinas: Alegrai-vos sempre no Senhor. O Senhor está perto” [refere-se a
Fl 4,4, acima citado}.
>>Se a
pessoa amada, se o amor, o maior dom da minha vida, estiver próximo de
mim, se eu puder ter a certeza de que aquele que me ama – Deus – está
perto de mim também nos momentos de tribulação, então poderá manter-se
firme no meu coração uma alegria maior do que todos os
sofrimentos>> (Meditação, 3/10/2005).
No
mesmo sentido, o Papa Francisco afirma, com a leveza jovial de quem
habitualmente está de bom humor: <> (Encíclica
Evangelii Gaudium nn. 1.5.6).
Amor e Alegria
Deus
nos ama. Somos seus filhos muito amados (Ef 5,1). Ele está sempre perto
de nós. Nós é que podemos afasta-nos dele, e então a tristeza baixa ao
coração. Como dizia São Josemaria [não se referia, como é lógico, à
tristeza sem culpa, patológica, que procede da depressão]: <>
(Caminho, n. 662).
Quer dizer que,
para estarmos alegres e alegrar os demais, é preciso que aumente o nosso
amor a Deus – a nossa vida de oração, o nosso amor à Eucaristia, a
nossa mortificação por amor, a nossa luta pelas virtudes -, e que
vençamos o egoísmo, correspondendo generosamente ao amor que o Espírito
Santo derrama em nossos corações (cf. Rm 5,5 e Gl 5,22).
O Bom Humor
Quem
tem alegria, tem bom humor. <> (J. Ratzinger, Princípios
teológicos). Não se trata do humorismo sarcástico, irônico, que agride e
humilha os outros. Mas do bom humo amável, que faz bem como um bálsamo
que suaviza as asperezas da vida.
Como
andamos de bom humo lá e casa? E no ambiente de trabalho, entre colegas
e amigo? E, em geral, com todas as pessoas com quem temos contato,
mesmo que seja ocasional? Ficamos de cara fechada, com reações bruscas,
queixas, gestos antipáticos e respostas ríspidas? Ou temos uma
amabilidade sorridente, como a de Cristo ressuscitado, que só com a sua
presença fazia brotar a alegria: Alegraram-se os discípulos ao ver o
Senhor (Jo 20,20)?
O Papa Francisco,
usando uma expressão popular, tem repetido que o cristão não pode ter
<>. Se tivermos vinagre no coração
precisamos limpá-lo e enxuga-lo bem, sobretudo melhorando a nossa
oração, como dizia Santo Agostinho e o Papa Bento XVI recordava na sua
encíclica sobre a esperança (Spe salvi, n.33).
Quem
é que tem vinagre no coração? Aquele que vive como descrevem estas
palavras: <> (Sulco, n. 74).
Quem
limpa o vinagre? Aquele que descobriu o que se lê em outro pensamento
do mesmo livro: <> (n. 81).
As almas
cristãs, sobretudo os santos, nos dão exemplos maravilhosos desse bom
humor que procede da caridade e da luta espiritual. Não considere os
exemplos que vou mencionar a seguir como legendas áureas, dignas de
admiração e impossíveis de imitar; mas como mensagens de Deus que batem
no seu coração, e lhe dizem: “E você…, como vive a alegria diante das
situações difíceis?”.
Alguns exemplos de Santos
–
São Filipe Neri, Pippo il buono, que muitos veneravam como santo ainda
em vida, às vezes “se fazia de louco” com palhaçadas ingênuas e até
grotescas, <>.
Como é
bom saber rir de si mesmo, sem dar importância aos nossos “méritos”, nem
aos nossos “dramas” e “tragédias” cotidianos.
–
São Josemaria Escrivá referiu certa vez o que lhe aconteceu quando
ainda era um jovem padre. Por causa de uma contrariedade forte,
<>.
Nesse estado de ânimo, indo pelas ruas de Madrid, passou por uma
daquelas máquinas que faziam seis fotografias rápidas por quatro
tostões, e Deus lhe inspirou uma ideia. Entrou na cabine e tirou as
fotografias. Dizia que olhou para elas, e <>, rasgou cinco fotos e guardou a sexta
na carteira durante um certo tempo. <>.
–
É célebre o impressionante exemplo de humor de São Thomas More,
chanceler da Inglaterra, quando ia ser decapitado por ter-se oposto a
aderir ao cisma religioso provocado pelo rei Henrique VIII. Quando
inclinava a cabeça sobre o talho, olhou para o carrasco e disse-lhe:
<<Ânimo, rapaz! Não tenhas medo de cumprir o teu dever. O meu
pescoço é muito curto. Cuida, pois de não cortá-lo de lado, para que não
fique abalado o teu prestígio>>. E depois acrescentou:
<>.
Um
precedente muito antigo de Sir Thomas é o do diácono de Roma São
Lourenço, martirizado no ano de 285. Segundo conta Santo Ambrósio, foi
queimado a fogo lento, deitado numa grelha. Brincado com os verdugos,
disse em certo momento: “Este lado já está assado, podem virar-me para o
outro”.
Após refletir sobre esses
exemplos – quatro entre muitos – talvez seja bom terminar este capítulo
transcrevendo uma oração “para pedir o bom humor” composta por São
Thomas More. Diz-se que a rezava todos os dias:
–
<>.
Retirado do livro: “Tornar a Vida Amável”. Francisco Faus. Ed. Cléofas e Cultor de Livros.
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