“Em seguida, dirigiu-se a todos: Se
alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua
cruz e siga-me. Porque, quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas
quem sacrificar a sua vida por amor de mim, salvá-la-á. Pois que
aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder-se a si mesmo
e se causa a sua própria ruína?” (Lc 9,23).
Jesus faz três exigências a quem quer ser seu discípulo:
1. Renunciar a si mesmo;
2. Tomar a sua cruz a cada dia; e
3. Segui-lo.
Mas, o que é renunciar a si mesmo?
Certa vez alguém me disse: “Penso que
renunciar a mim mesmo é algo mais difícil do que carregar a cruz.
Renunciar a si mesmo é querer, de coração, deixar de fazer, ser, crer, o
que queremos para nós, para nossa vida…e por amor a Deus, fazer o que
Ele nos pede. Talvez com uma resignação mais intensa que a dos pais
pelos filhos. É saber ser humilde, desprendido, é crer com o coração que
Deus nos basta”. É uma boa reflexão.
A exigência de Jesus tem uma profunda
razão: o pecado original – disse o papa João Paulo II – “tirou os nossos
olhos do Criador e os voltou para as criaturas”. Nos fez egoístas,
egocêntricos, de certa forma ególatras, adoradores de nós mesmos. A
queda original adoeceu a nossa natureza; então, devemos abandonar as
suas preferências é, de novo, com a graça de Deus, buscar as do Senhor.
Aquilo que foi estragado deve ser abandonado; não é assim que fazemos
com as comidas azedas?
Se Jesus manda que renunciemos a nós
mesmos, isto é, a nossa vontade, trocar os nossos planos e desejos pelos
Dele , é porque há algo de errado em nossas preferências, e que não nos
faz felizes. É como se dissesse: “foge disso, lhe faz mal!”.
Renunciar a si mesmo não é jogar fora as
suas qualidades e muito menos enterrar os talentos; ao contrário, é
desenvolvê-los para usar segundo a vontade de Deus para a nossa vida. O
pecado original nos fez ficar “brigando com Deus”, disputando entre
fazer a vontade Dele e a nossa. Quando fazemos a nossa ao invés da Dele,
estamos pecando. É o mesmo que Adão e Eva fizeram no Paraíso e depois
ficaram com medo de Deus e se esconderam do Criador.
Não há vontade melhor para a nossa vida
do que a de Deus. Ora, será que existe alguém que seja mais sábio, douto
e santo que Deus? Será que alguém nos ama mais do que Ele? Então, por
que temer Sua vontade? O Pe. Charles Foucauld, eremita do deserto,
rezava a “Oração do abandono”:
“Pai, entrego-me nas Tuas mãos; faça de
mim o que o Senhor quiser. Estou pronto para tudo e aceito tudo, desde
que a Vossa vontade se realize em mim e em toda as criaturas. Deponho
minha alma nas Tuas mãos, porque para mim é necessidade de amar, dar-me e
entregar-me nas Tuas mãos, porque és o meu Pai.”
Fazer a vontade de Deus é, em primeiro
lugar, fugir de todo pecado; é uma luta contra nós mesmos; por isso
Jesus disse que “o Reino dos céus é arrebatado à força e são os
violentos que o conquistam”. (Mt 11, 12). Os violentos consigo mesmos;
não com os outros. E isso é possível, com a graça de Deus, basta olhar a
vida dos santos. É difícil renunciar a si mesmo; mas se Jesus manda
isso, então, não pode nos negar a graça necessária.
Santo Agostinho lembra-nos que “o que é
impossível à natureza, é possível à graça de Deus”. Por nós mesmos não
conseguimos nos renunciar; Jesus avisou: “Sem Mim nada podeis fazer” (Jo
15,5). Então, a primeira providência é pedir ao Senhor: “Tem compaixão
de mim; não sou capaz de abandonar o que eu quero para fazer o que Tu
queres! Socorre-me com Tua graça”. É preciso ser mendigo de Deus para
ser atendido por Ele. Só damos uma esmola a quem de fato não tem nada.
Jesus disse aos Apóstolos na Santa Ceia:
“Se me amais guardareis os meus mandamentos” (Jo 14,15); isto é fazer o
que Deus quer. Os 10 Mandamentos são a base da Moral católica; quem
quiser “renunciar a si mesmo”, comece por obedece-los. Podemos também
examinar a nossa conduta à luz dos pecados originais que a Igreja nos
ensina que são os piores (soberba, ganância, luxúria, gula, ira, inveja e
preguiça).
Renunciar a si mesmo é também não gastar o
tempo e a vida com futilidades. João Paulo II dizia que “o cristão não
pode viver uma vida na mediocridade”. Não podemos perder tempo com
programas fúteis, vazios, que não deixam um crescimento para nós e para
os outros. Jesus manda “buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua
justiça” (Mt 6,33). Jesus diz que “quem sacrificar a sua vida por amor
de mim, salvá-la-á”. É um “sacrifício” mesmo, de nossa vontade, para
fazer a Dele. Perder a vida para ganhá-la.
Prof. Felipe Aquino
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