O
homem não pode verdadeiramente declarar-se filho de Deus sem uma
"determinada determinação" de tornar-se santo como o Pai é santo.
A
filiação divina é o fundamento da vida cristã. O ministério
público de Jesus inicia-se com estas palavras: "Eis meu Filho muito
amado em quem ponho minha afeição" (Mt 3, 17). Essa é a
novidade trazida pela encarnação de Cristo. Ao entregar seu único filho,
a fim de que por Ele se operasse a redenção do gênero humano, Deus
manifestou sua profunda essência paterna. Diferentemente do que
apregoava Ário, nunca houve um tempo em que Deus não foi pai. Com
efeito, é seu querer fazer que o homem atinja a perfeição cristã,
conduzindo-o pelo caminho do amor, da fé e da esperança, até o dia em
que o reunirá "e o apertará sobre seu seio" (cf. Is 40, 10-17).
O reconhecimento da paternidade divina, por sua vez, exige uma urgente
mudança de vida. O homem não pode verdadeiramente declarar-se filho de
Deus sem uma
determinada determinação — como dizia Santa Teresa d'Ávila —
de tornar-se santo como o Pai é santo [1]. Não pode servir a dois
senhores. A santidade deve ser nossa única meta nesta vida. Todavia,
para que possamos atingi-la, é necessário o auxílio da graça. Amamos com
o amor de Deus. A lógica da santidade cristã, portanto, é esta: Deus me
ama (pela fé, cremos no seu amor), eu amo Deus (pela caridade, devolvo
seu amor a Ele e ao próximo). E isso se realiza mediante a esperança.
Esperamos em Deus a purificação de nossas faltas para que possamos
urgentemente amá-lO "em espírito e em verdade" (Jo 4, 24). Pois "quem pôs a sua esperança em Cristo vive dela, e traz já em si mesmo algo do gozo celestial que o espera" [2].
A consciência de que, pelo batismo, somos filhos de Deus — e, por isso,
chamados a uma dignidade superior — revela-nos a nós mesmos. Assim,
quem se esquece da paternidade divina, esquece sua própria identidade.
No clássico-infantil
O rei leão, enxergamos essa realidade, de maneira alegórica,
na cena em que o pai de Simba, Mufasa, aparece nas nuvens para recordar a
condição real do filho. Após um olhar profundo para o lago onde vê o
rosto do pai — que poderíamos encarar como o olhar profundo para nossa
alma —, Simba escuta a vós de Mufasa, que lhe diz: "You have forgotten me, / you have forgotten who you are and so forgotten me. / Look inside yourself. / You are more than what you have become. / You are my son. / Remember who you are. — Você se esqueceu de mim, / você esqueceu quem você é e se esqueceu de mim / Olhe para dentro de você. / Você é muito mais do que pensa que é. / Você é meu filho. / Lembre-se de quem você é".
Guardadas as devidas proporções, as palavras do personagem infantil
ajudam-nos a recordar a exortação de um grande santo da Igreja, a saber,
São Leão Magno: "Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez
constituído participante da natureza divina, não penses em voltar às
antigas misérias da tua vida passada. Lembra-te de que cabeça e corpo és
membro" [3].
De fato, Deus nos ama. É justamente essa a razão pela qual, na oração do Pai-Nosso, Jesus se dirige a Ele não só pelo pronome
"Pai"; Ele diz "Abba, Pai", que em hebraico significa "papai". Com
esta expressão, Jesus demonstra seu livre abandono, sua confiança
filial. Faz-se como uma criança. "Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar
boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai celestial dará o
Espírito Santo aos que lho pedirem" (Lc 11, 13). Mesmo no
pecado, Deus não nos abandonou à própria sorte, não deixou a ovelha
perdida. Ao contrário, enviou seu próprio Filho para nos revelar a sua
face e tornar-nos participantes de sua glória.
"Na tarde desta vida, aparecerei diante de vós de mãos vazias" [4].
Nesta frase, com a qual Santa Teresinha do Menino Jesus fez sua livre
oferenda ao amor misericordioso, encerra-se toda a doutrina da filiação divina. Quem tem a Deus por Pai não pode ser outra coisa senão uma alma confiante.
Ela, embora saiba o valor dos méritos, não procura ser amada por eles,
mas unicamente pela graça do Pai. Não procura recompensas nem honrarias.
Procura somente o amor. Sabe-se uma pequena ave, um fraco passarinho
que, ficando em seu posto, não se aflige "se nuvens escuras vierem
esconder o Astro de Amor", pois "sabe que além das nuvens seu Sol brilha
sempre, que seu brilho não poderia ser eclipsado um só instante" [5].
Assim, voa para seu querido Sol nas asas de suas irmãs águias.
Os grandes santos da Igreja, a exemplo de Santa Teresinha, foram
forjados sobretudo pela paternidade divina. Eles receberam o amor do Pai
e, acolhendo-o em seu coração, sentiram a força para levar a mensagem
salvífica até os confins do mundo. Em especial, mais do que qualquer
outro santo, a Virgem Maria soube acolher a paternidade de Deus-Pai para
ser a Mãe de Deus-Filho e, desse modo, cooperar para a redenção do
gênero humano. Benditos são, portanto, aqueles que acreditam no amor de
Deus.
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- Mt 5, 1-12.
- FERNÁNDEZ-CARVAJAL, Francisco. Falar com Deus: meditações para cada dia do ano. Vol. 7º: Festas litúrgicas e Santos (2). Índices. Julho-dezembro — 3ª ed. — São Paulo: Quadrante, 2005, pág. 186
- Catecismo da Igreja Católica, 2784
- Teresa de Lisieux, Oferenda ao amor misericordioso
- Manuscrito B, 5r
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