Maria nunca se cansa de interceder por nós, somos nós que nos cansamos de pedir a sua intercessão.
Nas suas cartas espirituais, São Francisco de Sales tinha a capacidade
de conduzir seus leitores a uma ardente esperança pela salvação. Isso
fazia o então bispo de Genebra, orientando-os a não se deixarem abater
pelas próprias faltas, e, sim, a utilizá-las para o crescimento na
humildade. São Francisco recomendava insistentemente a intercessão de
Maria. "A Santíssima Virgem foi sempre a Estrela polar e o porto
favorável de todos os homens que têm navegado pelos mares deste mundo
miserável", ensinava o santo aos fiéis [1]. De fato, na história da
cristandade, sobretudo nos momentos de grande tribulação, Nossa Senhora
revelou-se como
Auxilium Christianorum.
Esse título mariano, empregado ao longo dos séculos por uma porção de santos — e contemplado na famosa
Ladainha Lauretana — explicita algo de muito importante para a
fé católica: a necessidade de Maria. Porque Deus quis precisar da
Virgem Santíssima para trazer a salvação ao mundo, o homem deve também
recorrer à sua maternidade. Trata-se da Pedagogia Divina: indo a
Deus por meio de Nossa Senhora, reconhecemos perante o céu nossa
condição miserável; não somos dignos de receber a graça diretamente das
mãos do Pai. Dizia Bento XVI, inspirado no testemunho de São Frei
Galvão, ao povo brasileiro: "Não há fruto da graça na história da salvação que não tenha como instrumento necessário a mediação de Nossa Senhora"
[2]. Ela está presente, ainda que discretamente, em todos os momentos
cruciais da vida terrena de Cristo. Na encarnação, vemos o anjo
saudá-la: "Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo" (Lc 1, 28). Nas bodas de Caná também está presente: "Fazei o que Ele vos disser" (Jo 2, 5). Ao pé da cruz, consola as dores do Filho, tendo o coração transpassado pela espada de dor, anunciada por Simeão (cf. Lc 2, 35). E, em Pentecostes, aparece ao lado dos Apóstolos para rezar pela vinda do Paráclito e manifestação da Igreja (cf. At 1, 14).
O clássico de Ariano Suassuna,
O Auto da Compadecida, apresenta essa intercessão de Maria de
forma belíssima. Na cena do julgamento, em que João Grilo recorre ao
socorro da "Mãe de Deus de Nazaré", vê-se todo o drama do ser humano ao
mesmo tempo em que se manifesta a Misericórdia de Deus pelos lábios da
Virgem: "Intercedo por esses pobres, meu Filho, que não têm ninguém por
eles; não os condene". E quando para João Grilo já não se acha
aparentemente nenhuma possibilidade de salvação — mesmo ele se deixa
abater, achando-se condenado —, está Ela a suplicar outra vez pelo
homem. O episódio permite-nos recordar algumas palavras do Papa
Francisco na Evangelii Gaudium: "Deus nunca Se cansa de
perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir a sua misericórdia" [3]. Do
mesmo modo, a Virgem Maria nunca se cansa de interceder por nós, somos
nós que nos cansamos de pedir a sua intercessão.
No coração de cada cristão subsiste um João Grilo, isto é, aquele
homem velho que ainda não se converteu. Por outro lado, existe
também a fé do personagem que, agarrando-se à Mãe, confia na justa
misericórdia de Deus. Diante de nossas misérias, podemos nos sentir
desanimados e, como João Grilo, quase certos da condenação, embora nunca
deixemos de rezar. Eis então que a Mãe nos grita, apontando para o
diabo: "Não, João, não se entregue. Este é o pai da mentira, está
querendo lhe confundir". Sim, é preciso uma exortação para que
recuperemos a estrada do céu. A graça, como o próprio nome já diz, é
gratuita. Mas, não coincide com a presunção. Diz São Luís de Montfort:
"Será possível dizer de verdade que se ama e honra a Santíssima Virgem,
quando, pelos pecados, se fere, se trespassa, se crucifica e ultraja
impiedosamente a Jesus Cristo, seu filho?" [4] O homem deve renunciar ao
pecado.
Há 160 anos Pio IX proclamava o dogma da Imaculada Conceição, com o
qual se reconhecia que a Virgem Maria foi "absolutamente livre de toda
mancha do pecado" desde a concepção [5]. É comovente o que relatam sobre
as últimas palavras desse Bem-Aventurado Papa no seu leito de morte.
Ele confessava [6]:
Estou contemplando docemente os quinze mistérios que adornam as paredes desta sala, que são outros tantos quadros de consolo. Se soubesse como me animam! Contemplando os mistérios gozosos, não me lembro das minhas dores; pensando nos dolorosos, sinto-me extremamente confortado, pois vejo que não estou sozinho no caminho da dor, mas que Cristo vai à minha frente; e quando considero os gloriosos, sinto uma grande alegria, e parece-me que todas as minhas penas se convertem em resplendores de glória. Como me consola o rosário neste leito de morte. O rosário é um Evangelho compendiado e dará aos que o recitam os rios de paz de que nos fala a Sagrada Escritura; é a devoção mais bela, mais rica em graças e gratíssima ao coração de Maria. Seja este, meus filhos, o meu testamento, para que vos lembreis de mim na terra.
Na história de Ariano Suassuna, a intercessão de Maria concede a João
Grilo uma nova oportunidade para ser santo. É o que recebemos todas as
vezes que nos arrependemos e confessamos nossos pecados. Maria acolhe
nosso pedido de perdão e o entrega às mãos de Cristo. E este é o nosso
grande consolo: saber que receberemos o Reino dos Céus pelas mãos de
nossa Mãe. Com Ela, tudo se torna mais fácil. Sem Ela, tudo se torna
praticamente impossível.
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- TISSOT, Joseph. A arte de aproveitar as próprias faltas. São Paulo: Quadrante, 2003, p. 115
- Bento XVI, Homilia de Sua Santidade na Missa de Canonização de Frei Galvão, 11 de maio de 2007
- Evangelii Gaudium, 3
- São Luís Maria Grignion de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Virgem Santíssima, n. 98.
- Papa Pio IX, Ineffabilis Deus
- Francisco Fernández-Carvajal, Falar com Deus: Meditações para cada dia do ano. São Paulo: Quadrante, 2005, p. 258
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