A liturgia
do 6º domingo do tempo comum apresenta-nos um Deus cheio de amor, de bondade e
de ternura, que convida todos os homens e todas as mulheres a integrar a
comunidade dos filhos amados de Deus. Ele não exclui ninguém nem aceita que, em
seu nome, se inventem sistemas de discriminação ou de marginalização dos
irmãos.
A primeira
leitura apresenta-nos a legislação que definia a forma de tratar com os
leprosos. Impressiona como, a partir de uma imagem deturpada de Deus, os homens
são capazes de inventar mecanismos de discriminação e de rejeição em nome de
Deus.
O Evangelho
diz-nos que, em Jesus, Deus desce ao encontro dos seus filhos vítimas da
rejeição e da exclusão, compadece-Se da sua miséria, estende-lhes a mão com
amor, liberta-os dos seus sofrimentos, convida-os a integrar a comunidade do
“Reino”. Deus não pactua com a discriminação e denuncia como contrários aos
seus projetos todos os mecanismos de opressão dos irmãos.
A segunda
leitura convida os cristãos a terem como prioridade a glória de Deus e o
serviço dos irmãos. O exemplo supremo deve ser o de Cristo, que viveu na
obediência incondicional aos projetos do Pai e fez da sua vida um dom de amor,
ao serviço da libertação dos homens.
1ª leitura –
Lev. 13,1-2.44-46 – AMBIENTE
O Livro do
Levítico trata, sobretudo, de questões relacionadas com o culto (que era
incumbência dos sacerdotes, considerados membros da tribo de Levi).
Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de discursos que Jahwéh
teria feito a Moisés no Sinai e nos quais teria explicado ao Povo o que este
deveria fazer para viver sempre em comunhão com Deus, no âmbito da Aliança.
Na
realidade, o livro apresenta um conjunto de leis, de preceitos, de ritos de
épocas e proveniências diversas, reunidos ao longo de vários séculos e
reelaborados pelos teólogos da “escola sacerdotal”. A grande maioria dessas
leis, ritos e preceitos dizem respeito à vida cultual e pretendem ensinar os
israelitas a viver como Povo de Deus e a responder, de forma adequada, ao amor
e à solicitude do Deus da Aliança. Fundamentalmente, o Levítico preocupa-se em
instilar na consciência dos fiéis que a comunhão com o Deus vivo é a verdadeira
vocação do homem.
O texto que
nos é proposto pertence à terceira parte do Livro do Levítico (cf. Lv. 11-16),
conhecida como “lei da pureza”. Aí, apresentam-se os vários gêneros de
“impureza” que impedem o homem de se aproximar do santuário, bem como os ritos
destinados a “purificar” o homem.
A noção de
pureza ou de impureza que aparece no Livro do Levítico está muito próxima da
noção de “tabu” que os especialistas da história das religiões conhecem bem.
Supõe-se que o homem deseja a sua vida balizada por regras bem definidas, que o
protejam da angústia e do risco do desconhecido. Tudo o que é excepcional,
anormal, insólito, misterioso, destrói a harmonia e o equilíbrio e pode
libertar forças incontroláveis que o homem não domina.
Desde tempos
imemoriais, certos “tabus” interditavam aos israelitas o contacto com
determinadas realidades (o sangue, um cadáver, certos tipos de alimentos,
etc.). Se o homem entrava em contacto com essas realidades, ficava “impuro”. O
contacto com a “impureza” não era pecado; mas o homem devia “limpar” a
“impureza” contraída, logo que possível. Só depois de purificado (isto é, de
eliminado o estado de indignidade em que se encontrava), podia voltar a
aproximar-se do Deus santo e a estabelecer comunhão com Ele.
O caso mais
grave de “impureza” era causado por uma doença – a lepra. É a essa realidade
que o nosso texto se refere.
MENSAGEM
O nosso
texto estabelece o procedimento a adotar, no caso de alguém contrair a “lepra”…
A palavra “lepra” designa, aqui, um conjunto variado de afecções da pele, e não
somente a doença que nós conhecemos, atualmente, com esse nome. No geral,
utiliza-se a palavra “lepra” para designar vários tipos de enfermidade da pele,
que deformam a aparência do homem.
Esse leque
de afecções aqui catalogado sob o nome geral de “lepra” é visto como um estado
insólito e anormal, uma manifestação de forças misteriosas, inquietantes e
ameaçadoras que ameaçam a harmonia e o equilíbrio da existência do homem.
O “leproso”
era, em consequência, segregado e afastado da convivência diária com as outras
pessoas. Tal medida tinha, naturalmente, uma intenção higiênica e pretendia
evitar o contágio. Significava, também, a dificuldade da comunidade em lidar
com o insólito, o estranho, as forças misteriosas e inquietantes da doença (e,
aqui, de uma doença particularmente repugnante). Mas, sobretudo, a exclusão dos
“leprosos” da comunidade tinha razões religiosas… Para a mentalidade
tradicional do povo bíblico, Deus distribuía as suas recompensas e os seus
castigos de acordo com o comportamento do homem. A doença era sempre um castigo
de Deus para os pecados e infidelidades do homem. Ora, uma doença tão
assustadora e repugnante como a “lepra” era tida como um castigo terrível para
um pecado especialmente grave. O “leproso” era considerado, portanto, um
pecador, especialmente amaldiçoado por Deus, indigno de pertencer à comunidade
do Povo de Deus e que em nenhum caso podia ser admitido às assembléias onde
Israel celebrava o culto na presença do Deus santo.
Porque é que
o “leproso” devia apresentar-se ao sacerdote? Quando alguém exteriorizava
sinais de pecado e de indignidade, devia ser banido pelas autoridades
competentes (os sacerdotes) da comunidade santa. O sacerdote não aplica
remédios nem tem funções terapêuticas (embora a sua função devesse ajudar a
controlar o mal e a impedir o contágio). A sua ação destina-se, sobretudo, a
decidir da capacidade ou da incapacidade de alguém para integrar a comunidade
do Povo de Deus e para ser admitido à presença do Deus santo.
O que é aqui
especialmente grave e assustador é como, em nome de Deus e da santidade do Povo
de Deus, se criam mecanismos de rejeição, de exclusão, de marginalização.
ATUALIZAÇÃO
• A primeira
leitura do 6º Domingo do Tempo Comum não contém propriamente um ensinamento
claro e direto acerca de Deus ou acerca do comportamento do homem face a Deus.
No entanto, ela tem o seu valor e a sua importância: prepara-nos para entender
a novidade de Jesus, essa novidade que o Evangelho de hoje nos apresenta. Jesus
virá demonstrar que Deus não marginaliza nem exclui ninguém e que todos os
homens são chamados a integrar a família dos filhos de Deus.
•
Indiretamente, o nosso texto denuncia a atitude daqueles que, instalados nas
suas certezas e seguranças, constroem um Deus à medida do homem e que atua
segundo uma lógica humana, injusta, prepotente, criadora de exclusão e de
marginalização. Não temos que criar um Deus que atue de acordo com os nossos
esquemas mentais, com as nossas lógicas e preconceitos; o que temos é de tentar
perceber e acolher a lógica de Deus.
•
Indiretamente, o nosso texto convida-nos a repensar as nossas atitudes e
comportamentos face aos nossos irmãos. Não será possível que os nossos
preconceitos, a nossa preocupação com o legalismo, a nossa obsessão pelo
politicamente correto estejam a criar marginalização e exclusão para os nossos
irmãos? Não pode acontecer que, em nome de Deus, dos “sãos princípios”, da
“verdadeira doutrina”, das exigências de radicalidade, estejamos a afastar as
pessoas, a condená-las, a catalogá-las, a impedi-las de fazer uma verdadeira
experiência de Deus e de comunidade?
2ª leitura –
1Cor. 10,31-11,1 - AMBIENTE
O texto que
hoje nos é proposto é a conclusão do ensinamento sobre a atitude a tomar face
ao problema de comer ou não comer a carne dos animais imolados aos ídolos (cf.
1Cor. 8-10). Já vimos, a propósito da segunda leitura do passado domingo, os
dados da questão… Uma parte da carne dos animais imolados nos templos pagãos
era comercializada. Os cristãos, naturalmente, compravam essa carne e usavam-na
na alimentação do dia a dia. No entanto, tal situação não deixava de suscitar
algumas questões: comprar essas carnes e comê-las – como toda a gente fazia –
era, de alguma forma, comprometer-se com os cultos idolátricos. Isso era
lícito?
Vimos também
a resposta de Paulo: dado que os ídolos não são nada, comer dessa carne é
indiferente; contudo, deve-se evitar escandalizar os mais débeis na fé: se
houver esse perigo, evite-se comer da carne sacrificada nos santuários pagãos,
a fim de não faltar à caridade.
Na conclusão
da sua reflexão sobre o tema, Paulo retoma e enuncia os dados fundamentais que
apresentou anteriormente.
MENSAGEM
Na questão
do comer as carnes dos animais imolados nos templos pagãos, como em todas as
outras questões, há um duplo critério que os cristãos devem ter sempre
presente: em qualquer atividade, mesmo nas mais neutras, os crentes devem ter
em conta a “glória de Deus”; e devem ter em conta, também, o bem dos irmãos. O
cristão é livre em tudo aquilo que não atenta contra a sua fé e contra os
valores do Evangelho; mas pode, por vezes, ser convidado a prescindir dos seus
direitos e da sua liberdade em função de um bem maior e que é o amor dos
irmãos. A lei do amor deve sobrepor-se a tudo o resto, inclusive aos “direitos”
de cada um; e o amor pode exigir que não sejamos, em nenhum caso, um obstáculo
nem para a glória de Deus, nem para a salvação dos irmãos.
De resto, os
cristãos de Corinto têm o exemplo do próprio Paulo. Ele não procura o seu
próprio interesse, a realização dos seus projetos pessoais ou a salvaguarda dos
seus direitos, mas o bem de todos os irmãos. Nisto, Paulo imita Cristo, que não
procurou cumprir a sua vontade, mas a vontade do Pai e que morreu na cruz por
amor aos homens, a fim de lhes apontar um caminho de salvação. Cristo renunciou
aos seus direitos e prerrogativas divinas por amor e para que se concretizasse
o projeto de salvação que Deus tinha para os homens. Para Paulo, o exemplo de
Cristo é a fonte inspiradora que tem condicionado as suas atitudes e
comportamentos para com os irmãos… E os crentes de Corinto (e das comunidades
cristãs de todas as épocas e lugares) são convidados a viver do mesmo jeito.
ATUALIZAÇÃO
• A
liberdade é um valor absoluto? Devemos defender e afirmar intransigentemente os
nossos direitos em todas as circunstâncias? A realização dos nossos projetos
pessoais deve ser a nossa principal prioridade? Paulo deixa claro que, para o
cristão, o valor absoluto e ao qual tudo o resto se deve subordinar é o amor. O
cristão sabe que, em certas circunstâncias, pode ser convidado a renunciar aos
próprios direitos, à própria liberdade, aos próprios projetos porque a caridade
ou o bem dos irmãos assim o exigem. Mesmo que um determinado comportamento seja
legítimo, o cristão deve evitá-lo se esse comportamento faz mal a alguém.
• A
propósito, Paulo refere o exemplo de Cristo, a quem todo o cristão – a começar
pelo próprio Paulo – deve imitar. Na verdade, Cristo colocou sempre como
prioridade absoluta os planos de Deus (“Abbá, Pai, tudo Te é possível; afasta
de Mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres” – Mc
14,36); e, apesar de ser “mestre” e “Senhor”, multiplicou os gestos de serviço
e fez da sua vida uma entrega total aos homens, até à morte. É este mesmo
caminho que nos é proposto… Cada cristão deve ser capaz de prescindir dos seus
interesses e esquemas pessoais, a fim de dar prioridade aos projetos de Deus;
cada cristão deve ser capaz de ultrapassar o egoísmo e o comodismo, a fim de
fazer da sua própria vida um serviço e um dom de amor aos irmãos.
Evangelho –
Mc. 1,40-45 - AMBIENTE
Naquele tempo, 40um leproso chegou perto de Jesus e, de joelhos, pediu: “Se queres, tens o poder de curar-me”.
41Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele e disse: “Eu quero: fica curado!”.
42No mesmo instante a lepra desapareceu e ele ficou curado.
43Então Jesus o mandou logo embora, 44falando com firmeza: “Não contes nada disso a ninguém! Vai, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou, como prova para eles!”
45Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato. Por isso Jesus não podia mais entrar publicamente numa cidade; ficava fora, em lugares desertos. E de toda parte vinham procurá-lo.
41Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele e disse: “Eu quero: fica curado!”.
42No mesmo instante a lepra desapareceu e ele ficou curado.
43Então Jesus o mandou logo embora, 44falando com firmeza: “Não contes nada disso a ninguém! Vai, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou, como prova para eles!”
45Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato. Por isso Jesus não podia mais entrar publicamente numa cidade; ficava fora, em lugares desertos. E de toda parte vinham procurá-lo.
No episódio
que o Evangelho de hoje nos propõe, Jesus continua a cumprir a missão que o Pai
lhe confiou e a anunciar o “Reino”. A proposta do “Reino” torna-se uma
realidade no mundo e na vida dos homens, não só nas palavras, mas também nos
gestos de Jesus.
A cena
coloca Jesus frente a um leproso, num sítio e num lugar não nomeado. A primeira
leitura deste domingo deu-nos conta da situação social e religiosa do leproso…
Para a ideologia oficial, o leproso era um pecador e um maldito, vítima de um
particularmente doloroso castigo de Deus. A sua condição excluía-o da
comunidade e impedia-o de frequentar a assembleia do Povo de Deus. Tinha que
viver isolado, apresentar-se andrajoso e avisar, aos gritos, o seu estado de
impureza, a fim de que ninguém se aproximasse dele. Não tinha acesso ao Templo,
nem sequer à cidade santa de Jerusalém, a fim de não conspurcar, com a sua
impureza, o lugar sagrado. O leproso era o protótipo do marginalizado, do
excluído, do segregado. A sua condição afastava-o, não só da comunidade dos
homens, mas também do próprio Deus.
MENSAGEM
Um leproso –
isto é, um homem doente, marginalizado da comunidade santa do Povo de Deus,
considerado pecador e maldito – vem “ter com Jesus”. Provavelmente tinham
chegado até ele ecos do anúncio do “Reino” e a pregação de Jesus tinha-lhe
aberto um horizonte de esperança. O desejo de sair da situação de miséria e de
marginalidade em que estava mergulhado vence o medo de infringir a Lei e ele
aproxima-se de Jesus, sem respeitar as distâncias que um leproso devia manter
das pessoas sãs. O pormenor dá conta do seu desespero e mostra a sua decisão em
mudar a sua triste situação. Uma vez diante de Jesus, o leproso é humilde, mas
insistente (“prostrou-se de joelhos e suplicou-lhe” – v. 40), pois o encontro
com Jesus é uma oportunidade de libertação que ele não pode desperdiçar. O que
ele pretende de Jesus não é apenas ser curado, mas ser “purificado” dessa
enfermidade que o torna impuro e indigno de pertencer à comunidade de Deus e à
comunidade dos homens («se quiseres podes “purificar-me”» – v. 40; o verbo
grego “katharidzô” aqui utilizado não deve traduzir-se como “curar”, mas sim
como “purificar” ou “limpar”). Ele confia no poder de Jesus, sabe que só Jesus
pode ajudá-lo a superar a sua triste situação de miséria, de isolamento e de
indignidade.
A reação de
Jesus é estranha, pelo menos de acordo com os padrões judaicos. Em lugar de se
afastar do leproso e de o acusar de infringir a Lei, Jesus olha-o
“compadecido”, estende a mão e toca-lhe (v. 41).
O verbo
“compadecer-se” é aplicado, na literatura neo-testamentária, só a Deus e a
Jesus. Habitualmente, é usado em contextos onde se refere a ternura de Deus
pelos homens… Jesus é apresentado, assim, como o Deus com um coração cheio de
amor pelos seus filhos, que Se “compadece” face à miséria e sofrimento dos homens.
Depois, o
amor de Deus tornado presente em Jesus vai manifestar-se num gesto concreto
para com o leproso… Jesus estende a mão e toca-o. É, evidentemente, um gesto
“humano”, que manifesta a bondade e a solidariedade de Jesus para com o homem;
mas o gesto de estender a mão tem um profundo significado teológico, pois é o
gesto que acompanha, na história do Êxodo, as ações libertadoras de Deus em
favor do seu Povo (cf. Ex. 3,20;6,8;8,1;9,22;10,12;14,16.21.26-27; etc.). O
amor de Deus manifesta-se como gesto libertador, que salva o homem leproso da
escravidão em que a doença o havia lançado.
Por outro
lado, ao tocar o leproso, Jesus está a infringir a Lei. Dessa forma, Ele
denuncia uma Lei que criava marginalização e exclusão. Jesus, com a autoridade
que Lhe vem de Deus, mostra que a marginalização imposta pela Lei não expressa
a vontade de Deus. O gesto de tocar o leproso mostra que a distinção entre puro
e impuro consagrada pela Lei não vem de Deus e não transmite a lógica de Deus;
mostra que Deus não discrimina ninguém, que Ele quer amar e oferecer a
liberdade a todos os seus filhos e que a todos Ele convida a integrar a família
do “Reino”, a nova humanidade.
A resposta
verbal de Jesus (“quero: fica limpo” – v. 41) não acrescenta mais nada; apenas confirma
o seu gesto. Mostra, por palavras, que, do ponto de vista de Deus, o leproso
não é um marginal, um pecador condenado, um homem indigno, mas um filho amado a
quem Deus quer oferecer a salvação e a vida plena.
A
purificação do leproso significa, em primeiro lugar, que o “Reino de Deus”
chegou ao meio dos homens e anuncia a irrupção desse mundo novo do qual Deus
quer banir o sofrimento, a marginalização, a exclusão.
A
purificação do leproso significa, também, a desmontagem da teologia oficial que
considerava o leproso um maldito. Não é verdade – parece dizer o gesto de Jesus
– que o leproso seja um impuro, um abandonado pela misericórdia de Deus, um
prisioneiro do pecado, abandonado por Deus nas mãos das forças demoníacas. A
misericórdia, a bondade, a ternura de Deus derramam-se sobre o leproso no gesto
salvador de Jesus e dizem-lhe: “Deus ama-te e quer salvar-te”.
A
purificação do leproso significa, finalmente, que o Reino de Deus não pactua
com racismos de qualquer espécie: não há bons e maus, doentes e sãos, filhos e
enjeitados, incluídos e excluídos; há apenas pessoas com dignidade e que não
devem, em caso algum, ser privados dos seus direitos mais elementares, muito
menos em nome de Deus.
Consumada a
purificação do leproso, Jesus recomenda-lhe veementemente que não diga nada a
ninguém (v. 44). Esta recomendação de Jesus aparece várias vezes no Evangelho
segundo Marcos (cf. Mc. 1,34;5,43;7,36;7,36; etc.). Provavelmente, é um dado
histórico, que resulta do fato de Jesus não querer gerar equívocos ou ser
aceite pelas razões erradas. De acordo com Mt 11,5, a cura dos leprosos era uma
obra do Messias; assim, o gesto de Jesus define-O como o Messias esperado. No
entanto, numa Palestina em plena febre messiânica, Jesus pretende evitar um
título que tem algo de ambíguo, por estar ligado a perspectivas nacionalistas e
a sonhos de luta política contra o ocupante romano. Jesus não quer deitar mais
lenha para a fogueira da esperança messiânica, pois tem consciência de que o
seu messianismo não passa por um trono político (como sonhavam as multidões),
mas pela cruz. Jesus é o Messias, mas o Messias-servo, que veio ao encontro dos
homens para lhes transmitir o projeto salvador do Pai e para os libertar das
cadeias da opressão. O seu caminho passa pelo sofrimento e pela morte. O seu
trono é a cruz, expressão máxima de uma vida feita amor e entrega.
Ao leproso
purificado, Jesus diz para ir mostrar-se aos sacerdotes (v. 44). Segundo a Lei,
o leproso só podia ser reintegrado na comunidade religiosa depois de a sua cura
ter sido homologada pelo sacerdote em funções no Templo. No entanto, Jesus
acrescenta: “para lhes servir de testemunho”. Dado que a cura de um leproso só
podia ser operada por Deus e era, por isso, um sinal messiânico, o fato devia
servir aos líderes do Povo para concluírem que o Messias tinha chegado e que o
“Reino de Deus” estava já presente no meio do mundo. O leproso purificado
devia, portanto, ser um “testemunho” da presença de Deus no meio do seu Povo e
um sinal de que os novos tempos tinham chegado. Apesar das evidências, os
líderes judaicos estavam demasiado entrincheirados nas suas certezas,
preconceitos e privilégios e recusaram-se sempre a acolher a novidade de Deus,
a novidade do Reino.
O texto
termina com a indicação de que o leproso purificado “começou a apregoar e a
divulgar o que acontecera”, apesar do silêncio que Jesus lhe impusera. Marcos
quer, provavelmente, sugerir que quem experimenta o poder integrador e salvador
de Jesus converte-se necessariamente em profeta e em testemunha do amor e da
bondade de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• O nosso
texto fala-nos de um Deus cheio de amor, de bondade e de ternura, que Se faz
pessoa e que desce ao encontro dos seus filhos, que lhes apresenta propostas de
vida nova e que os convida a viver em comunhão com Ele e a integrar a sua
família. É um Deus que não exclui ninguém e que não aceita que, em seu nome, se
inventem sistemas de discriminação ou de marginalização dos irmãos. Às vezes há
pessoas (quase sempre bem intencionadas) que inventam mecanismos de exclusão, de
segregação, de sofrimento, em nome de um Deus severo, intolerante, distante,
incapaz de compreender os limites e as fragilidades do homem. Trata-se de um
atentado contra Deus. O Deus que somos convidados a descobrir, a amar, a
testemunhar no mundo, é o Deus de Jesus Cristo – isto é, esse Deus que vem ao
encontro de cada homem, que Se compadece do seu sofrimento, que lhe estende a
mão com ternura, que o purifica, que lhe oferece uma nova vida e que o integra
na comunidade do “Reino” (nessa família onde todos têm lugar e onde todos são
filhos amados de Deus).
• A atitude
de Jesus em relação ao leproso (bem como aos outros excluídos da sociedade do
seu tempo) é uma atitude de proximidade, de solidariedade, de aceitação. Jesus
não está preocupado com o que é política ou religiosamente correto, ou com a
indignidade da pessoa, ou com o perigo que ela representa para uma certa ordem
social… Ele apenas vê em cada pessoa um irmão que Deus ama e a quem é preciso
estender a mão e amar, também. Como é que lidamos com os excluídos da sociedade
ou da Igreja? Procuramos integrar e acolher (os estrangeiros, os marginais, os
pecadores, os “diferentes”) ou ajudamos a perpetuar os mecanismos de exclusão e
de discriminação?
• O gesto de
Jesus de estender a mão e tocar o leproso é um gesto provocador, que denuncia
uma Lei iníqua, geradora de discriminação, de exclusão e de sofrimento. Com a
autoridade de Deus, Ele retira qualquer valor a essa Lei e sugere que, do ponto
de vista de Deus, essa Lei não tem qualquer significado. Hoje temos leis (umas
escritas nos nossos códigos legais civis ou religiosos, outras que não estão
escritas mas que são consagradas pela moda e pelo politicamente correto) que
são geradoras de marginalização e de sofrimento. Como Jesus, não podemos
conformarmo-nos com essas leis e muito menos pautar por elas os nossos
comportamentos para com os nossos irmãos.
• Mais uma
vez, o Evangelho deste domingo propõe à nossa consideração a atitude dos
líderes judaicos. Comodamente instalados no alto das suas certezas e
preconceitos, eles perpetuam, em nome de Deus, um sistema religioso que gera
sofrimento e miséria e não se deixam questionar nem desafiar pela novidade de
Deus. Estão tão seguros e convictos das suas verdades particulares que fecham
totalmente o coração a Jesus e não se revêem nas suas propostas. O sem sentido
desta atitude deve alertar-nos para a necessidade de nos desinstalarmos e de
abrirmos o coração aos desafios de Deus.
• O leproso,
apesar da proibição de Jesus, “começou a apregoar e a divulgar o que
acontecera”. Marcos sugere, desta forma, que o encontro com Jesus transforma de
tal forma a vida do homem que ele não pode calar a alegria pela novidade que
Cristo introduziu na sua vida e tem de dar testemunho. Somos capazes de
testemunhar, no meio dos nossos irmãos, a libertação que Cristo nos trouxe?
P. Joaquim Garrido, P. Manuel
Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário