O Verbo de Deus, amor infinito, se fez homem: a encarnação é um rebaixamento impressionante, é quase um aniquilamento.
Por Cardeal Geraldo Majella Agnelo31.08.10
Era um dia de sábado dos judeus. Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus (Lucas 14, 1.7-14). Jesus acenou ao banquete escatológico do Reino. Seu gesto está estruturado no modo seguinte: cura um homem enfermo, trata do serviço inter humano e faz ver que o banquete de Deus é um dom oferecido gratuitamente aos mais abandonados da terra. É comum em todos esses casos considerar a verdadeira existência como um dom que se recebe e que se oferece aos outros.O dom do reino, concedido inicialmente ao enfermo, culmina na plenitude do banquete escatológico e se traduz numa atitude ou forma de existência. Tal é a mensagem contida em nosso texto. Negativamente esta atitude se define em provas de verdadeira humildade: não se pode nunca pretender ocupar o primeiro lugar ou de ser honrado mais que os outros. A vida verdadeira não se adquire ganhando uma simples honra, nem o homem é grande pelo fato que procura a grandeza. A vida se adquire no serviço em favor dos outros; a verdadeira grandeza é sempre um efeito ou uma expressão do dom que se oferece aos outros e que se recebe dos outros.Mas é mais importante formular o aspecto positivo do problema. Sabemos, pela história e pela experiência, que o homem é um sujeito ativo: estabelece relações com os outros, ajuda-os e depende dos outros na sua vida. Jesus acrescenta que, na festa da Vida, a lei definitiva não pode ser jamais a troca: “Dou-te porque me dês, convido-te esperando de ser convidado; ajudo-te porque prevejo que um dia serei ajudado”. Essa atitude transforma o mundo em um negócio. O mundo de Jesus é ao invés centrado no amor que oferece livremente e não é uma espécie de negócio.Jesus precisa: convide aqueles que não poderão jamais retribuir o favor, ajude o pobre, oferece o que tens sem pensar em qualquer recompensa. Quando agires desse modo, terás a impressão de ter perdido alguma coisa, mas estarás criando em torno de ti uma imagem, um sinal, um prelúdio do reino decisivo que é o dom de Deus que cura, um dom de Deus que oferece tudo que tem aos deserdados deste mundo. É possível que os homens que se movem sobre o plano mercantil digam que somos loucos; dirão talvez que sejamos brincalhões que não sabemos viver com os pés em terra firme. Cristo, porém, nos assegura que nosso gesto traz a verdade do reino de Deus que não tem fim.Jesus revolucionou a lógica do agir humano, dos primeiros lugares, do intercâmbio interesseiro. A sua lógica é paradoxal, revoluciona os valores em que acreditamos. “O mundo só não tem inveja do último lugar”, dizia S.Teresa de Lisieux.Mas é a lógica do Reino. Os apóstolos a viveram e também a gente simples crescida na escola de Jesus, e tornada fundamento da Igreja. Viveram-na os primeiros cristãos: viviam o amor de tal modo que diziam os pagãos: “Vede como se querem bem” e isso os atraia.A lógica de Jesus tem atraído os missionários, as associações de voluntariado que se dedicam aos pobres, aos deficientes, aos anciãos, aos drogados. Lembramo-nos de tantos bravos cristãos que dão uma mão em nossas paróquias.A lógica de Jesus encontra também aplicação na família cristã. Querer-se bem e ajudar-se, também custa. O divórcio, o ir-se embora, é a solução fácil, mas não é a solução cristã para os filhos acolhidos como dom de Deus, protegidos, ajudados a crescer.Em tudo que Jesus nos ensinou ele deu o exemplo de humildade e de coerência no seu ensinamento. O Verbo de Deus, amor infinito, se fez homem: a encarnação é um rebaixamento impressionante, é quase um aniquilamento. Ele acolheu em torno de si não os ricos e poderosos, mas os pobres, os últimos, os pecadores. Ele se pôs a serviço de seus irmãos. Dizia a seus discípulos: “Estou no meio de vós como um que serve”. Na Última Ceia lavou os pés dos apóstolos. Não somente Jesus escolheu o último lugar, mas aceitou a prisão, a derrota aparente. Entregou-se nas mãos dos homens, sabemos o fim que lhe deram.A lição de Jesus, tão difícil: felizmente não falta no mundo gente disposta a arregaçar as mangas e consagrar-se a viver o seu exemplo. O Espírito de amor salvará o mundo.
Por Cardeal Geraldo Majella Agnelo
Fonte: CNBB
NOTA DO BLOG:
Dom Geraldo Majella Agnello nasceu em Juiz de Fora, em Minas Gerais, em 1933. Foi ordenado sacerdote em 1957, em São Paulo, onde trabalhou por dez anos.
Em 1967, Geraldo Agnelo foi para Roma, onde cursou doutorado em Teologia, com ênfase em Liturgia.
Em 1991 foi convidado para assumir o cargo de secretário da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, no Vaticano.
Participou também, em 2005, do conclave que elegeu o papa Bento 16, o cardeal alemão Joseph Ratzinger.
Dom Geraldo és para mim, um dos grande ícones da nossa Igreja, segue toda minha admiração pela sua eloquência e competência a frente de todas as missões a ele confiado. Um homem de uma sabedoria notável e ao lado de Dom Estêvão Bettencourt, são os meus grandes referenciais na teologia cristã católica.
Wellington Dantas
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