Deus dispôs tudo neste mundo de modo que nada fosse durável para sempre. Qual seria o desígnio de Deus nisso?
Sofremos muito nesta vida porque gastamos muito tempo correndo atrás
de coisas transitórias, que não satisfazem o nosso coração. Só o que
está acima de nós pode nos satisfazer, não o que está abaixo, a matéria e
as paixões.
Deus dispôs tudo neste mundo de modo que nada fosse durável para
sempre. Qual seria o desígnio de Deus nisso? A cada dia de nossa vida
temos de renovar uma série de procedimentos: dormir, acordar, tomar
banho, alimentar, etc. Tudo é precário, nada é duradouro, tudo deve ser
repetido todos os dias. A própria manutenção da vida depende do bater
interminável do coração e do respirar contínuo dos pulmões; todo o
organismo repete sem cessar suas operações para a vida se manter. Tudo é
transitório nesta vida… Nada é imperecível.
Toda
criança se tornará adulta um dia, e depois idosa. Toda flor que se abre
logo estará murcha, todo dia que nasce logo se esvai… E assim tudo
passa, tudo é transitório. Compra- se uma camisa nova, e logo já está
surrada; compra-se um carro novo, e logo ele estará bastante rodado e
desgastado. Assim por diante. Por que será? Qual a razão de nada ser
duradouro?
A razão inexorável dessa precariedade das coisas também está nos
planos de Deus. A marca da vida é a renovação. A razão profunda dessa
realidade tão transitória é a lição cotidiana que Deus nos quer dar de
que esta vida é apenas uma passagem, um aperfeiçoamento em busca de uma
vida duradoura, eterna, perene, muito melhor.
Santo Agostinho perguntava: “De que vale viver bem, se eu não puder viver para sempre?”.
Se não entendermos e não aceitarmos esta realidade, sofreremos muito
nesta vida, pois estaremos o tempo todo, a vida toda, lutando,
desesperadamente, contra esta lei inexorável: tudo passa. Em cada flor
que murcha e em cada homem que falece, ouça Deus dizer: “Não se prenda a
esta vida transitória. Prepare-se para aquela que é eterna, quando tudo
será duradouro, e nada precisará ser renovado dia a dia”.
Isto mostra-nos também que a vida está em nós, mas não é nossa.
Quando vemos uma bela rosa murchar, é como se ela estivesse nos dizendo
que a beleza está nela, mas não lhe pertence. Muito sofre quem se apega a
este mundo e às criaturas, achando que não vai ter fim, e pensando que
aqui poderá ter toda a felicidade, ou que poderá construir o céu na
terra.
Aquele que se apega às coisas e a este mundo, sente que a cada passo,
as coisas são como que arrancadas das suas mãos pela vida. Então,
quanto menos apego, melhor. Quanto menos você se apegar às coisas e às
pessoas, menos você sofrerá. Mais livre será. Com a precariedade da vida
e de tudo o que nos cerca, Deus nos ensina, diária e constantemente,
que tudo passa e que não adianta querer construir o céu aqui nesta
terra.
Toda esta realidade não é maldade de Deus; ao contrário, Ele tem algo
melhor para nós do que esta vida, por isso não nos quer presos a esta
vida precária e às criaturas que não podem nos satisfazer plenamente.
Mesmo com essa lição permanente que Deus nos dá, muitos de nós somos
levados a viver como aquele homem rico da parábola narrada por Jesus.
Ele abarrotou seus celeiros de víveres e disse à sua alma: “Descansa,
come, bebe e regala-te (Lc 12,19b); ao que Deus lhe disse: ‘Insensato!
Nesta noite ainda exigirão de ti a tua alma’” (Lc 12,20).
A efemeridade das coisas é a maneira mais prática e constante que
Deus encontrou para nos dizer a cada momento que aquilo que não passa,
que não se esvai, que não morre, é aquilo de bom que fazemos para nós,
e, principalmente, para os outros. Isto não acaba. São Paulo afirma que
“a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro” (1Tm 6,10).
“Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças
corroem, onde os ladrões furam e roubam. Ajuntai para vós tesouros no
céu, onde não os consomem nem as traças nem a ferrugem, e os ladrões não
furam nem roubam” (Mt 6,19-20). Jesus manda tomar cuidado para que o
coração não seja embotado pela riqueza: “Guardai-vos escrupulosamente de
toda avareza, porque a vida de um homem, ainda que ele esteja na
abundância, não depende de suas riquezas” (Lc 12,15).
Santo Agostinho disse que “o homem não se torna bom por possuir
coisas boas. Ao contrário, o homem torna boas as coisas que possui, ao
usá-las bem”.
Quem se preocupa em viver apenas para acumular bens e dinheiro,
acumula sofrimentos e preocupações. O mal não é o dinheiro, mas o apego
desordenado a ele.
Para vencer este mal aprenda a dar, abra as mãos e você será
abençoado. “Quem se apieda do pobre, empresta ao Senhor, que lhe
restituirá o benefício” (Prov 19,17).
Os talentos multiplicados no dia a dia, a perfeição da alma buscada
na longa caminhada de uma vida de meditação, de oração, de piedade e
caridade, essas são as coisas que não passam, que o vento do tempo não
leva e que, finalmente, nos abrirão as portas da vida eterna e
definitiva, quando “Deus será tudo em todos” (1 Cor 15,28b). É isto que
nos faz feliz nesta vida.
A transitoriedade de tudo o que está sob os nossos olhos deve nos
convencer de que só viveremos bem esta vida, se a vivermos para os
outros e para Deus. São João Bosco dizia que “Deus nos fez para os
outros”. Só o amor, a caridade, o oposto do egoísmo, pode nos levar a
compreender a verdadeira dimensão da vida e a necessidade da efemeridade
terrena.
Se a vida na terra fosse incorruptível, muitos de nós jamais
pensaríamos em Deus e no céu. Acontece que Ele tem para nós algo mais
excelente, aquela vida que levou São Paulo a exclamar: “Coisas que os
olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou
(Is 64,4), tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o
amam” (1 Cor 2,9).
A corruptibilidade das coisas desta vida deve nos convencer de que
Deus quer para nós uma vida muito melhor do que esta, uma vida junto
d’Ele. E, para tal, Ele não quer que nos acostumemos com esta, mas que
busquemos a outra, onde não existirá mais Sol, porque o próprio Deus
será a Luz, e não haverá mais choro nem lágrimas.
Aqueles
que não creem na eternidade jamais se conformarão com a precariedade
desta vida terrena, pois sempre sonharão com a construção do céu nesta
terra. Então, todo o sofrimento desta vida lhes parecerá uma tragédia
sem sentido. Não para nós cristãos. Para os que creem, a efemeridade tem
sentido: “a vida não será tirada, mas transformada”; o “corpo
corruptível se revestirá da incorruptibilidade” (1Cor 15,54) em Jesus
Cristo.
O desapego das coisas da terra depende do amor que temos a Deus. Um
amor só se troca por outro maior. O livro dos Cânticos diz que: “Se um
homem der todas as riquezas de sua casa por amor, ele as desprezará como
se não tivesse dado nada” (Ct 8,7). Se todo o nosso amor estiver em
Deus, então será suave e até agradável desprezar tudo: riquezas,
prazeres, dignidades, honras, reputação e vanglória.
São Francisco de Sales diz que: “O amor puro de Deus consome tudo o
que não é de Deus para transformar tudo nele”. Os santos foram como que
“embriagados” de Deus, quase não sentiam as coisas do mundo, e só
desejavam amar e agradar a Deus. É o caminho mais rápido para a paz
interior.
Retirado do livro: “Sofrendo na Fé”. Prof. Felipe Aquino. Ed. Cléofas.
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