A liturgia do 16º domingo do tempo comum dá-nos conta do amor e da
solicitude de Deus pelas “ovelhas sem pastor”. Esse amor e essa solicitude
traduzem-se, naturalmente, na oferta de vida nova e plena que Deus faz a todos
os homens.
Na primeira leitura, pela voz do profeta Jeremias, Jahwéh condena os
pastores indignos que usam o “rebanho” para satisfazer os seus próprios
projetos pessoais; e, paralelamente, Deus anuncia que vai, Ele próprio, tomar
conta do seu “rebanho”, assegurando-lhe a fecundidade e a vida em abundância, a
paz, a tranquilidade e a salvação.
O Evangelho recorda-nos que a proposta salvadora e libertadora de Deus
para os homens, apresentada em Jesus, é agora continuada pelos discípulos. Os
discípulos de Jesus são – como Jesus o foi – as testemunhas do amor, da bondade
e da solicitude de Deus por esses homens e mulheres que caminham pelo mundo
perdidos e sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. A missão dos discípulos tem, no
entanto, de ter sempre Jesus como referência… Com frequência, os discípulos
enviados ao mundo em missão devem vir ao encontro de Jesus, dialogar com Ele,
escutar as suas propostas, elaborar com Ele os projetos de missão, confrontar o
anúncio que apresentam com a Palavra de Jesus.
Na segunda leitura, Paulo fala aos cristãos da cidade de Éfeso da
solicitude de Deus pelo seu Povo. Essa solicitude manifestou-se na entrega de
Cristo, que deu a todos os homens, sem exceção, a possibilidade de integrarem a
família de Deus. Reunidos na família de Deus, os discípulos de Jesus são agora
irmãos, unidos pelo amor. Tudo o que é barreira, divisão, inimizade, ficou
definitivamente superado.
1ª leitura: Jr. 23,1-6 - AMBIENTE
Jeremias, o profeta nascido em Anatot por volta de 650 a.C., exerceu a
sua missão profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém
pelos Babilônios (586 a.C.). O cenário da atividade do profeta é, em geral, o
reino de Judá (e, sobretudo, a cidade de Jerusalém).
A primeira fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de
Josias. Este rei – preocupado em defender a identidade política e religiosa do
Povo de Deus – leva a cabo uma impressionante reforma religiosa, destinada a banir
do país os cultos aos deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste
período, traduz-se num constante apelo à conversão, à fidelidade a Jahwéh e à
aliança.
No entanto, em 609 a.C., Josias é morto, em combate contra os egípcios.
Joaquim sucede-lhe no trono. A segunda fase da atividade profética de Jeremias
abrange o tempo de reinado de Joaquim (609-597 a.C.).
O reinado de Joaquim é um tempo de desgraça e de pecado para o Povo, e
de incompreensão e sofrimento para Jeremias. Nesta fase, o profeta aparece a
criticar as injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) e a
infidelidade religiosa (traduzida, sobretudo, na busca das alianças políticas:
procurar a ajuda dos egípcios significava não confiar em Deus e, em
contrapartida, colocar a esperança do Povo em exércitos estrangeiros). Jeremias
está convencido de que Judá já ultrapassou todas as medidas e que está iminente
uma invasão babilônica que castigará os pecados do Povo de Deus. É, sobretudo,
isso que ele diz aos habitantes de Jerusalém… As previsões funestas de Jeremias
concretizam-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invade Judá e deporta para a
Babilônia uma parte da população de Jerusalém.
No trono de Judá fica, então, Sedecias (597-586 a.C.). A terceira fase
da missão profética de Jeremias desenrola-se, precisamente, durante este
reinado.
Após alguns anos de calma submissão à Babilônia, Sedecias volta a
experimentar a velha política das alianças com o Egito. Jeremias não está de
acordo que se confie em exércitos estrangeiros mais do que em Jahwéh… Mas, nem
o rei, nem os notáveis lhe prestam qualquer atenção à opinião do profeta.
Considerado um amargo “profeta da desgraça”, Jeremias apenas consegue criar o
vazio à sua volta.
Em 587 a.C., Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército
egípcio vem em socorro de Judá e os babilônios retiram-se. Nesse momento de
euforia nacional, Jeremias aparece a anunciar o recomeço do cerco e a
destruição de Jerusalém (cf. Jr. 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é
encarcerado (cf. Jr. 37,11-16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jr.
38,11-13). Enquanto Jeremias continua a pregar a rendição, Nabucodonosor
apossa-se, de fato, de Jerusalém, destrói a cidade e deporta a sua população
para a Babilônia (586 a.C.).
O texto que nos é hoje proposto como primeira leitura faz referência a
esses tempos de desnorte nacional, em que Judá, sem líderes capazes, já perdeu
as referências e a esperança no futuro. No texto, Deus condena os “pastores” de
Israel porque dispersaram as ovelhas do rebanho, o que parece aludir ao exílio
na Babilônia. Provavelmente, este texto deve situar-se entre 597 e 586 a.C., no
tempo que vai desde o primeiro exílio (após a primeira queda de Jerusalém – 597
a.C.) ao segundo exílio (após a segunda tomada de Jerusalém pelos babilônios –
586 a.C.).
O uso da imagem do “pastor” para falar dos líderes da nação é bastante
frequente no Antigo Testamento. Aliás, a imagem adquiriu uma força especial na
sequência de David, o pastor que Jahwéh ungiu e transformou em rei,
encarregando-o de cuidar do rebanho do Povo de Deus.
MENSAGEM
O nosso texto começa com uma breve exposição da culpa: os “pastores” de
Judá perderam, dispersaram, escorraçaram as ovelhas do Senhor, sem terem
cuidado delas (vs. 1-2a). Cada um dos verbos utilizados faz referência a fatos
concretos (bem recentes) da história de Judá. O aventureirismo, os interesses
pessoais, as jogadas políticas, a inconsciência dos líderes trouxeram
consequências funestas ao Povo, ao “rebanho” de Deus. Os líderes de Judá não
procuraram servir o Povo, mas serviram-se do Povo para concretizar os seus
objetivos pessoais. Ora, o “rebanho” não é propriedade dos “pastores”, mas do
Senhor… Deus chamou-os a uma missão concreta, encarregou-os de cuidar do seu
“rebanho” e eles, depois de terem aceite o compromisso, falharam totalmente.
Depois da culpa, vem a sentença: Deus vai “ocupar-se” desses maus
pastores: vai castigá-los, pedir-lhes contas das suas más ações (v. 2b). Deus
não está disposto a tolerar abusos de confiança, nem pode pactuar com líderes
que exploram o “rebanho” em seu benefício próprio. Na perspectiva de Deus,
trata-se de algo intolerável e que não pode ser deixado em claro.
Mas a intervenção de Deus não se fica pelo pedir contas aos maus
líderes… O próprio Jahwéh vai intervir, no sentido de salvar o seu “rebanho”. A
intervenção de Deus justifica-se pelo fato de se tratar do “rebanho” do Senhor
e de Ele ter responsabilidades para com as suas ovelhas.
A intervenção de Deus vai desenvolver-se em três tempos, ou momentos… O
primeiro é a repatriação dos exilados: as ovelhas serão devolvidas “às sua
pastagens para que cresçam e se multipliquem” (v. 3). Para esta tarefa, Deus
não conta com intermediários: Ele mesmo vai liderar o processo de libertação e
de regresso dos exilados à terra.
O segundo momento da intervenção de Deus consiste na escolha de
“pastores” exemplares (v. 4). A missão desses “pastores” será, simplesmente,
“apascentar”. Isso implica, naturalmente, o cuidado, a solicitude, o amor, a
ternura pelo rebanho… Esses pastores estarão, naturalmente, ao serviço do
rebanho e não usarão o rebanho para concretizar os seus interesses pessoais. As
“ovelhas” aprenderão a confiar nesse “pastor” que as ama e não terão mais “medo
nem sobressalto”.
O terceiro momento da intervenção de Deus é projetado para um futuro sem
data marcada. Promete a chegada de um “rebento justo” da dinastia de David (v.
5). A imagem tirada do reino vegetal (“rebento”) sugere fecundidade e vida em
abundância, porque ele dará vida em abundância ao rebanho de Jahwéh. Ele assegurará
“o direito e a justiça” e trará salvação e segurança ao Povo de Deus. O nome
desse rei será “o Senhor é a nossa justiça” (v. 6), pois é Deus que o legitima
e a sua missão será administrar a justiça que Deus quer. Garantindo a justiça,
esse “pastor” irá trazer a harmonia, a paz, a tranquilidade, a salvação, a vida
verdadeira ao Povo de Deus. Esta promessa com contornos messiânicos pretende
anular a frustração e o desespero e inaugurar um tempo de esperança para o Povo
de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• Antes de mais, o nosso texto mostra a preocupação de Deus com a vida e
a felicidade do seu Povo. Nos momentos conturbados da nossa história (coletiva
ou pessoal) sentimo-nos, muitas vezes, órfãos, perdidos e abandonados ao sabor
dos ventos e das marés… As catástrofes que afetam o mundo, os conflitos que
dividem os povos, a miséria que toca a vida de tantos dos nossos irmãos, os
perigos dos fundamentalismos, as mudanças vertiginosas que o mundo todos os
dias sofre, a perda dos valores em que apostávamos, as novas e velhas doenças,
as crises pessoais, os problemas laborais, as dificuldades familiares
trazem-nos a consciência da nossa pequenez e impotência frente aos grandes
desafios que o mundo hoje nos apresenta. Sentimo-nos, então, “ovelhas” sem rumo
e sem destino, abandonadas à nossa sorte. Por vezes, no nosso desespero,
apostamos em “pastores” humanos que, em lugar de nos conduzirem para a vida e
para a felicidade, nos usam para satisfazer a sua ânsia de protagonismo e para
realizar os seus projetos egoístas… A Palavra de Deus que nos é proposta neste
domingo garante-nos que Deus é o “Pastor” que se preocupa conosco, que está
atento a cada uma das suas “ovelhas”; Ele cuida das nossas necessidades e está
permanentemente disposto a intervir na nossa história para nos conduzir por
caminhos seguros e para nos oferecer a vida e a paz. É n’Ele que temos de
apostar, é n’Ele que temos de confiar. Esta constatação deve ser, para todos os
crentes, uma fonte de alegria, de esperança, de serenidade e de paz.
• As ameaças contra os maus pastores apresentadas neste texto de
Jeremias talvez nos tenham levado a pensar nos líderes do mundo, nos nossos
governantes e, talvez também, nos líderes da Igreja. Na verdade, a nossa
história recente está cheia de situações em que as pessoas encarregadas de
cuidar da comunidade humana usaram o “rebanho” em benefício próprio e magoaram,
torturaram, roubaram, assassinaram, privaram de vida e de felicidade essas
pessoas que Deus lhes confiou… De qualquer forma, este texto toca-nos a todos,
pois todos somos, de alguma forma, responsáveis pelos irmãos que caminham
conosco. Convida-nos a refletir sobre a forma como tratamos os irmãos, na
família, na Igreja, no emprego, em qualquer lado… Recorda-nos que os irmãos que
caminham conosco não estão ao serviço dos nossos interesses pessoais e que a
nossa função é ajudar todos a encontrar a vida e a felicidade.
• O nosso texto faz referência a “um rei” que Deus vai enviar ao
encontro do seu Povo e que governará com sabedoria e justiça. Jesus é a
concretização desta promessa. Ele veio propor ao “rebanho” de Deus a vida plena
e verdadeira… Como é que nós, as “ovelhas” a quem se destina a proposta de
salvação que Deus nos faz em Jesus, acolhemos o que Ele nos veio dizer? As
propostas de Jesus encontram eco na nossa vida? Estamos sempre dispostos a
acolher as indicações e os valores que Ele nos apresenta?
2 leitura: Ef. 2,13-18 - AMBIENTE
A Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta
circular” enviada a várias Igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está
na prisão (em Roma? em Cesareia?). O seu portador é um tal Tíquico. Estamos por
volta dos anos 58/60.
Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa
altura em que Paulo sente ter terminado a sua missão apostólica na Ásia e não
sabe exatamente o que o futuro próximo lhe reserva (recordemos que ele está,
por esta altura, prisioneiro e não sabe como vai terminar o cativeiro).
O tema central da carta aos Efésios é aquilo a que Paulo chama “o
mistério”: o desígnio (ou projeto) salvador de Deus, definido desde toda a
eternidade, escondido durante séculos aos homens, revelado e concretizado
plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao
mundo na Igreja.
O texto que nos é aqui proposto integra a parte dogmática da carta.
Depois de refletir sobre o papel de Cristo no projeto de salvação que Deus tem
para os homens (cf. Ef. 2,1-10), Paulo refere-se à reconciliação operada por
Cristo, que com a sua doação uniu judeus e pagãos num mesmo Povo (cf. Ef.
2,11-22).
MENSAGEM
Paulo dirige-se aos pagãos (“vós outrora longe de Deus” – v. 13) e
explica-lhes que foi pelo sangue de Cristo que eles se aproximaram de Deus.
Antes, eles adoravam os ídolos e tinham convicções religiosas; mas desconheciam
o verdadeiro Deus e a sua proposta de salvação; agora, foram admitidos a fazer
parte da família de Deus.
Além disso, a entrega de Cristo derrubou a tradicional barreira de
inimizade que separava judeus e pagãos e fez de todos um único Povo. Os judeus,
convencidos de que eram um Povo à parte, desprezavam os pagãos e não queriam
qualquer contacto com eles; as suas leis pugnavam por uma rígida separação e
interditavam o contacto com os outros povos. Os pagãos, por sua vez, nutriam um
profundo desprezo pelos judeus, pela sua diferença, pela sua arrogância…
Ora, Cristo veio apresentar uma proposta de vida que é para todos, sem
exceção. O que é decisivo, agora, não é a pertença a um determinado Povo, mas a
forma como se responde à proposta de vida que Jesus faz. Responder positivamente
à proposta de Cristo é passar a integrar a comunidade dos santos. A Lei de
Moisés, com as suas prescrições e exigências (que, na prática, vedavam aos
pagãos a possibilidade de integrar o Povo de Deus), fica anulada… Na nova
economia da salvação, o que conta é a disponibilidade para acolher a vida que
Deus oferece e ser Homem Novo.
Nasce, assim, um “corpo” que integra os mais diversos membros,
pertencentes a todos os quadrantes da família humana. Todos aqueles que
aceitaram integrar a comunidade de Jesus, sem diferenças de etnias, de raças,
de cor da pele, de classes sociais ou culturais, pertencem à mesma família, a
família de Deus. Todos – judeus e pagãos – são, agora, membros da comunidade
trinitária do Pai (que oferece a vida), do Filho (que vem ao encontro dos
homens para lhes comunicar a vida do Pai) e do Espírito (que mantém unidos os
membros deste “corpo” entre si e com Deus.
ATUALIZAÇÃO
• O texto que nos é proposto tem, em pano de fundo, essa verdade
fundamental que a liturgia nos recorda todos os domingos: Deus tem uma proposta
de salvação para oferecer a todos os homens, sem exceção; e essa proposta tem
como finalidade inserir-nos na família de Deus. A constatação de que para Deus
não há distinções e todos são, igualmente, filhos amados – para além das
possíveis diferenças rácicas, étnicas, sociais ou culturais – é algo que nos
tranquiliza, que nos dá serenidade, esperança e paz. O nosso Deus é um pai que
não marginaliza nenhum dos seus filhos; e, se tem alguma predileção, não é por
aqueles que o mundo admira e endeusa, mas é pelos mais débeis, pelos mais
fracos, pelos oprimidos, pelos que mais sofrem.
• O que é verdadeiramente importante, na perspectiva de Deus, não é
a cor da pele, nem as capacidades intelectuais, nem as qualidades humanas, nem
a pertença a determinada instituição política ou religiosa, nem os contributos
(em dinheiro ou em obras) que se dão à Igreja; mas o que é decisivo é ter
disponibilidade para acolher a vida que Ele oferece e para aderir à proposta de
caminho que Ele faz. Estou sempre numa permanente atitude de escuta das
propostas de Deus, ou vivo fechado a Deus e às suas indicações, num caminho de
orgulho e de auto-suficiência? Para mim, o que é que significam as propostas de
Deus? Elas influenciam as minhas opções, os meus valores, as minhas atitudes? A
forma como eu me relaciono com todos os homens e mulheres que encontro nos
caminhos deste mundo é coerente com essa proposta de vida que Deus me faz?
• A comunidade cristã é uma família de irmãos, que partilham a mesma fé
e a mesma proposta de vida. É um “corpo”, formado por uma grande diversidade de
membros, onde todos se sentem unidos em Cristo e entre si numa efetiva
fraternidade. As nossas comunidades (cristãs ou religiosas) são, efetivamente,
comunidades de irmãos que se amam, para além das diferenças legítimas que há
entre os membros? Nas nossas comunidades todos os irmãos são acolhidos e
amados, ou há irmãos considerados de segunda classe, marginalizados e
maltratados? Eu, pessoalmente, como é que vejo esses irmãos na fé que caminham
comigo? Perante as diferenças de perspectiva, como é que eu reajo: com respeito
pela opinião do outro, ou com intolerância?
• No mundo de hoje o fenômeno da globalidade aproxima-nos dos
outros homens que partilham conosco esta casa comum que é o mundo e torna-nos
mais tolerantes para com as diferenças. Contudo, subsistem muros – alicerçados
nas diferenças rácicas, políticas, religiosas, sociais, afetivas – que impedem
uma total experiência de fraternidade universal. Na nossa vida pessoal e
familiar, na nossa vida pessoal e na nossa experiência de caminhada
comunitária, aparecem frequentemente muros que nos dividem, que impedem a
comunicação, o encontro, a comunhão. Nós, os discípulos desse Cristo que veio
reconciliar “judeus e gregos” e fazer de todos “um só povo”, temos o dever de
dar testemunho da paz e da unidade e de lutar objetivamente contra todas as
barreiras que separam os homens.
Evangelho: Mc. 6,30-34 - AMBIENTE
Naquele tempo, 30os apóstolos reuniram-se com Jesus e contaram tudo o que haviam feito e ensinado.
31Ele
lhes disse: “Vinde sozinhos para um lugar deserto e descansai um
pouco”. Havia, de fato, tanta gente chegando e saindo que não tinham
tempo nem para comer.
32Então foram sozinhos, de barco, para um lugar deserto e afastado. 33Muitos os viram partir e reconheceram que eram eles. Saindo de todas as cidades, correram a pé, e chegaram lá antes deles.
34Ao
desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque
eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas
coisas.
O Evangelho do passado domingo mostrava-nos Jesus a enviar os discípulos,
dois a dois, para pregarem o arrependimento, expulsarem os demônios, ungirem e
curarem os doentes (cf. Mc. 6,7-13). O anúncio que é confiado aos discípulos é
o anúncio que Jesus fazia (o “Reino”); os gestos que os discípulos são
convidados a fazer para anunciar o “Reino” são os mesmos que Jesus fez.
O Evangelho deste domingo apresenta-nos o regresso dos enviados de
Jesus. Marcos chama-lhes, agora, “apóstolos” (enviados): é a única vez que a
palavra aparece no Evangelho segundo Marcos. A missão correu bem e os
“apóstolos” estão entusiasmados, mas naturalmente cansados.
Não há, no texto, qualquer indicação do lugar onde a cena se teria
desenrolado.
MENSAGEM
O nosso texto começa com a narração do regresso dos discípulos que,
entusiasmados, contam a Jesus a forma como se tinha desenrolado a missão que
lhes fora confiada (v. 30). Na seqüência, Jesus convida-os a irem com Ele para
um lugar isolado e a descansarem um pouco (v. 31). Os discípulos foram, com
Jesus, para um lugar deserto (v. 32); mas as multidões adivinharam para onde
Jesus e os discípulos se dirigiam e chegaram primeiro (v. 33). Ao desembarcar,
Jesus viu as pessoas, teve compaixão delas (“porque eram como ovelhas sem
pastor”) e pôs-se a ensiná-las (v. 34).
O episódio, em si, é banal… No entanto, Marcos vai aproveitá-lo para
desenvolver a sua catequese sobre o discipulado. A catequese apresentada por
Marcos desenvolve-se à volta dos seguintes pontos:
1. Os apóstolos são os enviados de Jesus, chamados a continuar no mundo
a missão de Jesus. Essa missão consiste em anunciar o Reino. Para a
concretizar, os apóstolos convidam os homens que escutam a mensagem a mudarem a
sua vida e a acolherem a proposta que Jesus lhes faz. Os gestos dos discípulos
(“expulsaram demônios, curaram doentes” – Mc. 6,13) anunciam esse mundo novo de
homens livres e esse projeto de vida verdadeira e plena que Deus quer oferecer
a todos os homens.
2. A referência à necessidade de os “apóstolos” descansarem (pois nem
sequer tinham tempo para comer) pretende ser um aviso contra o ativismo
exagerado, que destrói as forças do corpo e do espírito e leva, tantas vezes, a
perder o sentido da missão.
3. Os “apóstolos” são convidados por Jesus a irem com Ele para um lugar
isolado. Já dissemos, acima, que não se nomeia esse lugar: na realidade, o que
interessa aqui não é o lugar geográfico, mas sim que esse “descanso” deve
acontecer junto de Jesus. É ao lado de Jesus, escutando-O, dialogando com Ele,
gozando da sua intimidade, que os discípulos recuperam as suas forças. Se os
discípulos não confrontarem, freqüentemente, os seus esquemas e projetos
pastorais com Jesus e a sua Palavra, a missão redundará num fracasso.
4. Entretanto, as multidões tinham seguido Jesus e os discípulos a pé –
quer dizer, deslocando-se à volta do lago de Tiberíades, com o barco sempre à
vista. Esta busca incansável e impaciente espelha, com algum dramatismo, a
ânsia de vida que as pessoas sentem… Jesus, cheio de compaixão, compara a
multidão a um rebanho sem pastor. Não é nos líderes religiosos ou políticos da
nação que elas encontram segurança e esperança; não é nos ritos da religião
tradicional que elas encontram paz e sentido para a vida… Mas é em Jesus e na
sua proposta que as multidões encontram vida verdadeira e plena. Na seqüência,
Marcos vai narrar-nos a cena da multiplicação dos pães e dos peixes, que saciam
a fome de cinco mil homens.
ATUALIZAÇÃO
• A proposta salvadora e libertadora de Deus para os homens, apresentada
em Jesus, é agora continuada pelos discípulos. Os discípulos de Jesus são –
como Jesus o foi – as testemunhas do amor, da bondade e da solicitude de Deus
por esses homens e mulheres que caminham pelo mundo perdidos e sem rumo, “como
ovelhas sem pastor”. As vítimas da economia global, os que são colocados à
margem da sociedade e da vida, os estrangeiros que buscam noutro país condições
dignas de vida e são empurrados de um lado para o outro, os doentes que não têm
acesso a um sistema de saúde eficiente, os idosos abandonados pela família, as
crianças que crescem nas ruas, aqueles que a vida magoou e que ainda não
conseguiram sarar as suas feridas, encontram em cada um de nós, discípulos de
Jesus, o amor, a bondade e a solicitude de Deus? Que fizemos com essa proposta
de vida nova e de libertação que Jesus nos mandou testemunhar diante das
“ovelhas sem pastor”?
• A missão dos discípulos não pode ser desligada de Jesus. Os discípulos
devem, com frequência, reunir-se à volta de Jesus, dialogar com Ele, escutar os
seus ensinamentos, confrontar permanentemente a pregação feita com a proposta
de Jesus. Por vezes, os discípulos (verdadeiramente comovidos com a situação
das “ovelhas sem pastor”) mergulham num ativismo descontrolado e acabam por
perder as referências; deixam de ter tempo e disponibilidade para se
encontrarem com Jesus, para confrontarem as suas opções e motivações com o
projeto de Jesus… Por vezes, passam a “vender”, como verdade libertadora,
soluções que são parciais e que geram dependência e escravidão (e que não vêm
de Jesus); outras vezes, tornam-se funcionários eficientes, que resolvem problemas
sociais pontuais, mas sem oferecerem às “ovelhas sem pastor” uma libertação
verdadeira e global; outras, ainda, cansam-se e abandonam a atividade e o
testemunho… Jesus é que dá sentido à missão do discípulo e que permite ao
discípulo, tantas vezes fatigado e desanimado, voltar a descobrir o sentido das
coisas e renovar o se empenho.
• A comoção de Jesus diante das “ovelhas sem pastor” é sinal da sua
preocupação e do seu amor. Revela a sua sensibilidade e manifesta a sua
solidariedade para com todos os sofredores. A comoção de Jesus convida-nos a
sermos sensíveis às dores e necessidades dos nossos irmãos. Todo o homem é
nosso irmão e tem direito a esperar de nós um gesto de bondade e de
acolhimento. Não podemos ficar no nosso canto, comodamente instalados, com a
consciência em paz (porque até já fomos à missa e rezamos as orações que a
Igreja manda), a ver o nosso irmão a sofrer. O nosso coração tem de doer, a
nossa consciência tem de questionar-nos, quando vimos um homem ou uma mulher
(nem que seja um desconhecido, nem que seja um estrangeiro) ser magoado,
explorado, ofendido, marginalizado, privado dos seus direitos e da sua
dignidade. Um cristão é alguém que tem de sentir como seus os sofrimentos do
irmão.
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