A solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério
que se esconde por detrás de "um Deus em três pessoas"; mas é um
convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que
criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
Na primeira leitura, Jahwéh revela-se como o Deus da relação, empenhado
em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É um Deus que vem ao
encontro dos homens, que lhes fala, que lhes indica caminhos seguros de
liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas dos homens,
que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos oprime e para
nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira.
A segunda leitura confirma a mensagem da primeira: o Deus em quem
acreditamos não é um Deus distante e inacessível, que se demitiu do seu papel
de Criador e que assiste com indiferença e impassibilidade aos dramas dos
homens; mas é um Deus que acompanha com paixão a caminhada da humanidade e que
não desiste de oferecer aos homens a vida plena e definitiva.
No Evangelho, Jesus dá a entender que ser seu discípulo é aceitar o
convite para se vincular com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Os discípulos de Jesus recebem a missão de testemunhar a sua proposta de vida
no meio do mundo e são enviados a apresentar, a todos os homens e mulheres, sem
excepção, o convite de Deus para integrar a comunidade trinitária.
1 leitura – Dt. 4,32-34.39-40 - AMBIENTE
O livro do Deuteronômio é aquele "livro da Lei" ou "livro
da Aliança" descoberto no Templo de Jerusalém no 18° ano do reinado de
Josias (622 a.C., cf. 2Re. 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas -
originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as
derrotas dos reis do norte frente aos assírios - apresentam os dados fundamentais
da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único
local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma
aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal
de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que
levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei
Salomão).
Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos
de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da
sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de "testamento
espiritual": lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e
convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.
O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do primeiro
discurso de Moisés (cf. Dt. 1,6-4,43). Na primeira parte desse discurso (cf.
Dt. 1,6-3,29), em estilo narrativo, o autor deuteronomista põe na boca de
Moisés um resumo da história do Povo, desde a estadia no Horeb/Sinai, até à chegada
ao monte Pisga, na Transjordânia; na parte final desse discurso (cf. Dt.
4,1-43), o autor apresenta, em estilo exortativo, um pequeno resumo da Aliança
e das suas exigências. Esta secção final do primeiro discurso de Moisés começa
com a expressão "e agora, Israel 0, que enlaça esta secção com a
precedente: mostra-se que o compromisso que agora se pede a Israel se apóia nos
acontecimentos históricos anteriormente expostos. A ação de Deus ao longo da
caminhada do Povo pelo deserto deve conduzir ao compromisso.
O capítulo 4 do livro do Deuteronômio é um texto redigido, muito
provavelmente, na fase final do Exílio do Povo de Deus na Babilônia. Perdido
numa terra estrangeira e mergulhado numa cultura estranha, hostilizado quando
tentava afirmar a sua fé em Jahwéh e celebrá-Ia através do culto, impressionado
com o esplendor ritual e as solenidades do culto babilônico, o Povo bíblico
corria o risco de trocar Jahwéh pelos deuses babilônicos. É neste contexto que
os teólogos da escola deuteronomista vão convidar o Povo a olhar para a sua
história, a redescobrir nela a presença salvadora e amorosa de Jahwéh e a
comprometer-se de novo com Deus e com a Aliança.
MENSAGEM
No trecho que nos é proposto, o autor deuteronomista começa por convidar
Israel a contemplar a história "desde o dia em que Deus criou o homem
sobre a terra "o resultado dessa contemplação é a constatação do contínuo
empenho de Jahwéh no sentido de oferecer ao seu Povo a vida e a salvação.
Toda a história da relação entre Deus e Israel é uma extraordinária
história de relação, na qual se manifesta o amor de um Deus empenhado em
estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. Jahwéh escolheu Israel de
entre todos os povos da terra, veio ao seu encontro, falou-lhe ao coração e
realizou gestos destinados a trazer ao Povo ao encontro da vida. De mil formas,
Deus fez ouvir a sua voz, indicou caminhos, conduziu o seu Povo da escravidão
para a liberdade.
Como é que Israel se deve situar diante deste Deus? Como é que o Povo
deve responder aos apelos de Deus?
Na perspectiva do teólogo deuteronomista, Israel deve, em primeiro
lugar, reconhecer que "só o Senhor é Deus e que não há outro". D'Ele
e só d'Ele brotam a vida, a salvação, a felicidade, a liberdade. Esta
constatação convida o Povo a não colocar a sua esperança e a sua realização
noutros deuses, noutras propostas ilusórias e enganadoras. Israel deve, em
segundo lugar, cumprir as leis e os mandamentos de Deus, pois essas leis e
mandamentos são o caminho seguro para a felicidade.
Este "caminho" aqui apontado aos crentes de Israel (e aos
crentes de todas as épocas e lugares) não é um caminho de dependência e de
servidão; mas é um caminho de felicidade. Deus não se imiscui na vida dos
homens para os tornar dependentes, mas para os libertar e para os levar à vida
verdadeira, à felicidade plena.
ATUALIZAÇÃO
+ Quem é Deus? Como é Ele? Qual a sua relação com os homens? O Deus em
quem acreditamos é um Deus sensível aos problemas dos homens e que Se preocupa
em percorrer com eles um caminho de amor e de relação, ou é um Deus insensível
e distante, que olha com enfado e indiferença o caminho que percorremos e que
Se recusa a sujar as mãos com a nossa humanidade? Trata-se de um Deus capaz de
amar os homens e de aceitar, com misericórdia, as nossas falhas, ou de um Deus
intolerante, duro e insensível, que castiga sem piedade qualquer deslize do
homem? A Solenidade da Santíssima Trindade é, antes de mais, um convite a
descobrir o verdadeiro rosto de Deus. A primeira leitura deste domingo dá-nos
algumas pistas para perceber Deus e para reconhecer o seu verdadeiro rosto.
+ Nesta catequese do livro do Deuteronômio, Jahwéh revela-Se como o Deus
da relação, empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É
um Deus que vem ao encontro dos homens, que lhes fala, que lhes indica caminhos
seguros de liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas
dos homens, que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos
oprime e para nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira. Por vezes,
ao longo da nossa caminhada pela vida, sentimo-nos sós e perdidos, afogados nas
nossas dúvidas, misérias e dramas, assustados e inquietos face ao rumo que a
história segue. Mas a certeza da presença amorosa, salvadora e reconfortante de
Deus deve ser uma luz de esperança que ilumina o nosso caminho e que nos
permite encarar cada passo da nossa existência com alegria e serenidade.
+ O catequista deuteronomista garante que Jahwéh é o único Deus capaz de
realizar estas obras em favor do homem e que só n'Ele o homem encontra a
verdadeira vida e a verdadeira liberdade. Esta afirmação convida-nos a refletir
sobre o papel que outros "deuses" (bem mais falíveis, bem menos
dignos de confiança) desempenham na nossa existência. Em quem é que pomos a
nossa esperança? Esses "deuses" que tantas vezes nos seduzem (o
dinheiro, o poder, a fama, o sucesso, o reconhecimento social, os valores da
moda) que tantas vezes atraem a nossa atenção e condicionam as nossas opções,
são verdadeiramente garantia de vida e de felicidade? Esses "deuses"
trazem-nos liberdade e esperança ou escravidão e alienação?
+ O autor do texto que nos é proposto convida o Povo a cumprir as leis e
os mandamentos que Deus propõe; e garante que as propostas de Deus são o
caminho seguro para a felicidade e para a realização plena do homem. Os
mandamentos não são propostas destinadas a limitar a nossa liberdade e a
prender-nos a um deus ciumento e castrador; mas são sugestões de um Deus que
nos ama, que quer a nossa felicidade e realização plena e que, no respeito
absoluto pela nossa liberdade, não desiste de nos indicar o caminho para a
verdadeira vida.
2ª leitura- Romanos 8,14-17 - AMBIENTE
A carta aos Romanos é um texto sereno e amadurecido, escrito por Paulo
por volta do ano 57/58 e no qual o apóstolo apresenta uma síntese da sua
mensagem e da sua pregação. O pretexto para a carta é um projeto de passagem
por Roma, a caminho de Espanha (cf. Rm. 16,23-24): Paulo sente que terminou a
sua missão no oriente e quer anunciar o Evangelho de Jesus no ocidente.
Na verdade, esse projeto de passagem por Roma parece ser, sobretudo, um
pretexto para Paulo se dirigir aos Romanos e para lhes expor as suas ideias
acerca da salvação. Na comunidade cristã de Roma - como, aliás, em quase todas
as comunidades cristãs de então - havia divergências entre cristãos vindos do
judaísmo e cristãos vindos do paganismo acerca do caminho cristão. Para os
judeo-cristãos, a salvação dependia, além da fé em Cristo, da prática da Lei de
Moisés; para os pagano-cristãos, a adesão a Cristo bastava. A uns e a outros,
Paulo vai apresentar o essencial da mensagem cristã. O apóstolo insiste,
sobretudo, no fato de a salvação não ser uma conquista do homem (que resulta
dos atos ou dos méritos do homem), mas um dom do amor de Deus. Na verdade,
todos os homens vivem mergulhados no pecado, pois o pecado é uma realidade
universal (cf. Rm. 1,18-3,20); mas Deus, na sua bondade, a todos
"justifica" e salva (cf. Rm. 3,1-5,11); e essa salvação é oferecida
por Deus ao homem através de Jesus Cristo; ao homem, resta aderir a essa
proposta de salvação, na fé (cf. Rm. 5,12-8,39).
O texto que hoje nos é proposto faz parte de um capítulo em que Paulo
reflete sobre a vida nova que Deus oferece ao batizado e que Paulo chama
"a vida no Espírito". O pensamento teológico de Paulo atinge, neste
capítulo, um dos seus pontos culminantes, pois todos os grandes temas paulinos
(o projeto salvador de Deus em favor dos homens; a ação libertadora de Cristo,
através da sua vida de doação, da sua morte e da sua ressurreição; a nova vida
que faz dos crentes Homens Novos e os torna filhos de Deus) se cruzam aqui.
Paulo procura, de forma especial, mostrar que os cristãos, libertos da
Lei, do pecado e da morte por Jesus Cristo, deixaram a vida velha da
"carne" (que é viver em oposição a Deus, numa vida da egoísmo, de
auto-suficiência, de orgulho, de fechamento) para viverem a vida nova do
Espírito (que é viver em relação com Deus, escutando as suas propostas e
sugestões, na obediência aos projetos de Deus e na doação da própria vida aos
irmãos).
MENSAGEM
O crente que acolhe a proposta de salvação que Deus faz em Jesus vive
"no Espírito". Aceitar essa proposta de vida é aceitar uma vida de
relação e de comunhão com Deus. Nessa relação, o crente é alimentado com a vida
de Deus.
Os que aceitam receber a vida de Deus e vivem "no Espírito"
são "filhos de Deus": Deus é, para eles, um Pai que continuamente os
cria e lhes dá vida. A partir de então, os crentes integram a "família de
Deus". Não são escravos que vivem no medo de um patrão ciumento e exigente
(como era a Lei de Moisés); mas são "filhos" queridos, que Deus ama
com amor infinito. Ao dirigirem-se a Deus, os crentes podem usar, com
propriedade, a palavra "abba" (a palavra com que, familiarmente, as
crianças se dirigem ao pai e que pode traduzir-se como "papá") -
expressão de intimidade filial, que define uma relação marcada pelo amor, pela
familiaridade, pela confiança, pela ternura.
A condição de "filhos" equipara os crentes com Cristo. Eles
tornam-se, assim, "herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo". Qual é
essa "herança" que lhes está reservada? É a vida plena e definitiva,
que Deus oferece àqueles que aceitaram a proposta de Cristo e percorreram com
Ele o caminho do amor, da doação, da entrega da vida.
O nosso Deus é, de acordo com a catequese de Paulo, o Deus da relação,
apostado em vir ao encontro dos homens, em oferecer-lhes vida, em integrá-los
na sua família, em amá-los com amor de Pai, em torná-los herdeiros da vida
plena e definitiva.
ATUALIZAÇÃO
+ Mais uma vez a Palavra que nos é proposta reafirma esta realidade: o
Deus em quem acreditamos não é um Deus distante e inacessível, que Se demitiu
do seu papel de criador e que assiste com indiferença e impassibilidade aos
dramas dos homens; mas é um Deus que acompanha com paixão a caminhada da
humanidade e que não desiste de oferecer aos homens a vida plena e verdadeira.
Há, ao longo da nossa caminhada pela vida, momentos de solidão e de desespero,
em que procuramos Deus e não conseguimos descortinar a sua presença; mas,
sobretudo nesses momentos dramáticos, é preciso não esquecer que Deus nunca
desiste dos seus filhos e que nenhum de nós Lhe é indiferente.
+ À oferta de vida que Deus faz, o homem pode responder positiva ou
negativamente. Se o homem preferir recusar a vida que Deus oferece e trilhar
caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência, está a rejeitar a
possibilidade de aceder à vida plena e verdadeira; se o homem estiver
disponível para acolher a salvação que Deus oferece em Jesus, torna-se herdeiro
da vida eterna. Em que situação é que eu me coloco, diante dos dons de Deus?
+ Os membros da comunidade cristã, que pelo batismo aderiram ao projeto
de salvação que Deus apresentou aos homens em Jesus e cuja caminhada é animada
pelo Espírito, integram a família de Deus. O fim último da nossa caminhada é a
pertença à família trinitária.
+ Esta "vocação" deve expressar-se na nossa vida comunitária.
A nossa relação com os irmãos deve refletir o amor, a ternura, a misericórdia,
a bondade, o perdão, o serviço, que são as consequências práticas do nosso
compromisso com a comunidade trinitária. É isso que acontece? As nossas
relações comunitárias refletem esse amor que é a marca da "família de
Deus"?
Evangelho - Mt. 28,16-20 - AMBIENTE
Naquele tempo, 16os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado.
17Quando viram Jesus, prostraram-se diante dele. Ainda assim alguns duvidaram.
18Então Jesus aproximou-se e falou: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra. 19Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, 20e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.
O texto situa-nos na Galileia, após a ressurreição de Jesus (embora não
se diga se é muito ou pouco tempo após a descoberta do túmulo vazio - cf. Mt.
28,1-15). De acordo com Mateus, Jesus, pouco antes de ser preso, havia marcado
encontro com os discípulos na Galileia (cf. Mt. 26,32); na manhã da Páscoa, os
anjos que apareceram às mulheres no sepulcro (cf. Mt. 28,7) e o próprio Jesus,
vivo e ressuscitado (cf. Mt. 28,10), renovam o convite para que os discípulos
se dirijam à Galileia, a fim de lá encontrar o Senhor.
A Galileia - região setentrional da Palestina - era uma região próspera
e bem povoada, de solo fértil e bem cultivado. A sua situação geográfica fazia
desta região o ponto de encontro de muitos povos; por isso, um número
importante de pagãos fazia parte da sua população. A coabitação de populações
pagãs e judias fazia, certamente, com que os judeus da Galileia vivessem a
religião de uma maneira diferente dos judeus de Jerusalém e da Judeia: a
presença diária dos pagãos conduzia, provavelmente, os galileus a suavizar a
sua prática da Lei e a interpretar mais amplamente as regras que se referiam,
por exemplo, às impurezas rituais contraídas pelo contacto com os não judeus.
No entanto, isto fazia com que os judeus de Jerusalém desprezassem os judeus da
Galileia e considerassem que da Galileia "não podia sair nada de
bom".
No entanto, foi na Galileia que Jesus viveu quase toda a sua vida. Foi
também na Galileia que Ele começou a anunciar o Evangelho do "Reino"
e que começou a reunir à sua volta um grupo de discípulos (cf. Mt. 4,12-22).
Para Mateus, esse fato sugere que a o anúncio libertador de Jesus tem uma
dimensão universal: destina-se a judeus e pagãos.
Mateus situa este encontro final entre Jesus ressuscitado e os
discípulos, num "monte que Jesus lhes indicara". Trata-se, no
entanto, de uma montanha da Galileia que é impossível identificar
geograficamente, mas que talvez Mateus ligue com a montanha da tentação (cf. Mt
4,8) e com a montanha da transfiguração (cf. Mt. 17,1). De qualquer forma, o
"monte" é sempre, no Antigo Testamento, o lugar onde Deus se revela
aos homens.
MENSAGEM
O texto que descreve o encontro final entre Jesus e os discípulos
divide-se em duas partes.
Na primeira (vs. 16-18), descreve-se o encontro. Jesus, vivo e
ressuscitado, revela-se aos discípulos; e os discípulos reconhecem-n'O como
"o Senhor" e adoram-n'O. Depois de descrever a adoração, Mateus
acrescenta uma expressão que alguns traduzem como "alguns ainda
duvidaram" e outros como "eles que tinham duvidado"
(gramaticalmente, ambas as traduções são possíveis). No primeiro caso, a
expressão significaria que a fé não é uma certeza científica e que não exclui a
dúvida; no segundo caso, a expressão aludiria a essa dúvida constante dos
discípulos - expressa em vários momentos, ao longo da caminhada para Jerusalém
- e que aqui perde qualquer razão de ser.
Ao reconhecimento e à adoração dos discípulos, segue-se uma manifestação
do mistério de Jesus, que reflete a fé da comunidade de Mateus: Jesus é o
"Kyrios", que possui todo o poder sobre o mundo e sobre a história;
Jesus é "o mestre", cujo ensinamento será sempre uma referência para
os discípulos; Jesus é o "Deus conosco", que acompanhará, a par e
passo, a caminhada dos discípulos pela história.
Na segunda (vs. 19-20), Mateus descreve o envio dos discípulos em missão
pelo mundo. A Igreja de Jesus é, essencialmente, uma comunidade missionária,
cuja missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que
Jesus veio trazer aos homens e que deixou nas mãos e no coração dos discípulos.
A primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da
universalidade da missão dos discípulos destina-se a "todas as
nações".
A segunda nota dá conta das duas fases da iniciação cristã, conhecidas
da comunidade de Mateus: o ensino e o batismo. Começava-se pela catequese, cujo
conteúdo eram as palavras e os gestos de Jesus (o discípulo começava sempre
pelo catecumenato, que lhe dava as bases da proposta de Jesus). Quando os
discípulos estavam informados da proposta de Jesus, vinha o batismo - que
selava a íntima vinculação do discípulo com o Pai, o Filho e o Espírito Santo
(era a adesão à proposta anteriormente feita).
Uma última nota: Jesus estará sempre com os discípulos, "até ao fim
dos tempos". Esta afirmação expressa a convicção - que todos os crentes da
comunidade mateana possuíam - que Jesus ressuscitado estará sempre com a sua
Igreja, acompanhando a comunidade dos discípulos na sua marcha pela história,
ajudando-a a superar as crises e as dificuldades da caminhada.
ATUALIZAÇÃO
+ Este texto evangélico foi escolhido para o dia da Santíssima Trindade,
pois nele aparece uma fórmula trinitária usada no batismo cristão ("em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo"). O nosso texto sugere, antes
de mais, que ser batizado é estabelecer uma relação pessoal com a comunidade
trinitária… No dia em que fomos batizados, comprometemo-nos com Jesus e
vinculamo-nos com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A minha
vida tem sido coerente com esse compromisso?
+ Quem acolheu o convite de Deus (apresentado em Jesus) para integrar a
comunidade trinitária, torna-se testemunha, no meio dos homens, dessa vida nova
que Deus oferece. O papel dos discípulos é continuar a missão de Jesus,
testemunhar o amor de Deus pelos homens e convidar os homens a integrar a
família de Deus. Os irmãos com quem nos cruzamos pelos caminhos da vida recebem
essa mensagem? As nossas palavras e os nossos gestos testemunham esse amor com
que Deus ama todos os homens? As nossas comunidades são a imagem viva da
família de Deus e apresentam um convite credível e convincente aos homens para
que integrem a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo?
+ A missão que Jesus confiou aos discípulos - introduzir todos os homens
na família de Deus - é uma missão universal: as fronteiras, as raças, a
diversidade de culturas, não podem ser obstáculo para a presença da proposta
libertadora de Jesus no mundo. Todos os homens e mulheres, sem exceção, têm
lugar na família de Deus. Tenho consciência de que Jesus me envia a todos os
homens - sem distinção de raças, de etnias, de diferenças religiosas, sociais
ou econômicas - a anunciar-lhes o amor de Deus e a convocá-los para integrar a
comunidade trinitária? Tenho consciência de que sou chamado a apresentar a
todos os homens - mesmo àqueles que habitam no outro lado do mundo - o convite
para integrar a família de Deus?
+ Num mundo onde Deus nem sempre faz parte dos planos e das preocupações
dos homens, testemunhar o amor de Deus e apresentar aos homens o convite para
integrar a família de Deus é um enorme desafio. O confronto com o mundo gera
muitas vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento, frustração… Nos
momentos de decepção e de desilusão convém, no entanto, recordar as palavras de
Jesus:
"Eu estarei convosco até ao fim dos tempos". Esta certeza deve
alimentar a coragem com que testemunhamos aquilo em que acreditamos.
+ A celebração da solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de
compreender e decifrar essa estranha charada de "um em três". Mas
deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto,
comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas numa
família - pai, mãe e filho - é afirmar três deuses e é negar a fé;
inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito são três formas diferentes
de apresentar o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a
distinção das três pessoas e é também negar a fé. A natureza divina de um Deus
amor, de um Deus família, de um Deus comunidade, expressa-se na nossa linguagem
imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-Se trindade de pessoas
distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa
linguagem finita e humana não consegue "dizer" o indizível, não
consegue definir cabalmente o mistério de Deus.
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