segunda-feira, 11 de maio de 2015

NÃO NOS PERTURBEMOS COM NOSSOS DEFEITOS.

1. Dois sinais do bom e do mau arrependimento
“A tristeza que é segundo Deus, afirma São Paulo, produz um arrependimento que leva à salvação; ao passo que a tristeza do mundo produz a morte. (2Cor 7,10). A tristeza do arrependimento pode, pois, ser boa ou má, conforme os efeitos que produz em nós. Mas, em geral, produz mais efeitos maus que bons, porque os bons são apenas dois: a misericórdia – o pesar pelo mal dos outros – e a penitencia – a dor de ter ofendido a Deus -; ao passo que os maus são seis: medo, preguiça, indignação, ciúme, inveja e impaciência. Por isso diz o sábio: A tristeza mata a muitos e nela não há utilidade alguma (Eclo 30,25), já que, para dois riachos de águas límpidas que nascem do manancial da tristeza, nascem seis de águas poluídas”.


É por isso que o demônio faz grandes esforços para produzir em nós essa má tristeza, e, a fim de desanimar e desesperar a alma, começa a perturbá-la. Não lhe custa muito sugerir pretextos para isso. Ora, não deveríamos afligir-nos por ter ofendido a Majestade divina, ultrajado a Beleza infinita e ferido o coração de Deus, o mais terno dos pais? “Com certeza, responde São Francisco de Sales, devemos entristecer-nos, mas com um verdadeiro arrependimento, não com uma dor aflita, cheia de mágoa e indignação. O verdadeiro arrependimento, como todo o sentimento inspirado pelo bom Espírito, é sempre calmo: O Senhor não está na perturbação (1Rs 19,11). Onde principiam a inquietação e a perturbação, a tristeza má passa a ocupar o lugar da tristeza boa.

“A má tristeza, insiste o nosso Santo, perturba a alma, inquieta, incute temores desmedidos, tira o gosto pela oração, atordoa e fatiga o espírito, impede de tirar proveito dos bons conselhos, de tomar resoluções, de formar juízos, de ter coragem e abate as forças. Numa palavra: é como um inverno rigoroso que queima toda a formosura da terra e entorpece todos os animais, porque priva a alma de toda a suavidade, deixa-a paralítica, tornando-a tolhida e inibida de todas as suas faculdades”.

2. Sinais de uma alma que se perturba após suas quedas

Muitas almas hão de reconhecer nestes sintomas a perturbação em que se deixaram envolver após as suas faltas e os estragos que essa perturbação lhes causou. Tinham começado a levar a sério a vida espiritual e seguiam resolutamente os passos do Mestre no caminho do dever, pelo rude caminho do Calvário. Mas eis que sobrevém uma queda e, com ela, eis a perturbação! A alma levanta-se sob o amparo do arrependimento e da absolvição sacramental, que tudo vem reparar. Mas nem por isso sossega. Olha, examina ansiosamente, conta as feridas mal cicatrizadas, sonda-as com receio e acaba infectando-as ainda mais por querer curá-las com despeito e impaciência, “porque não há nada que sirva mais para manter os nossos defeitos do que a inquietude e a pressa em querer expurgá-los”.

Enquanto isso, o passo vai afrouxando. Já não se corre; anda-se a custo. Arrasta-se, descontente de si e quase que do próprio Deus, perde-se a confiança na oração e aproxima-se dos sacramentos com receio. Até que, afinal, uma circunstância especial, uma confissão excepcionalmente bem feito ou um retiro, restitui a esta alma, por um certo período, o fervor que tivera a princípio. Mas, passado algum tempo após essa renovação, se a alma não elimina essa intranquilidade, uma nova queda, ou simplesmente a lembrança das faltas passadas, provocará nela um surto de redobrada melancolia; e, então, ao invés da rapidez com que se corria, voltará ao passo lento e cansado – e queria Deus que, à força de hesitações e delongas, não termine por cair numa inércia quase irreparável.

Pobres almas, quem veio paralisar assim os vossos esforços? Corríeis tanto! Quem vos fez parar? (Gl 5,7) pergunta o Apóstolo. “A perturbação”, responde São Francisco de Sales: “Se não vos tivésseis inquietado na primeira vez que tropeçastes, mas tivésseis calma, tomando suavemente o coração nas mãos, não teríeis caído uma segunda vez.”

3. Paciência com as nossas imperfeições

Por isso o bom Santo multiplicava os seus conselhos, desejoso de comunicar aos outros “a paz tão desejada que é a mais querida, fiel e perpétua hóspede do coração”, e por isso recomendava insistentemente a serenidade e a paciência, primeiramente para com nós mesmos.

“Não nos perturbemos à vista das nossas imperfeições! Livremo-nos das precipitações e dos desassossegos, pois não há nada que mais no atrapalhe o passo no caminho da perfeição”.

“O que fazem os pássaros e outros animais quando ficam presos a uma rede? Debatem-se desordenadamente no esforço de se libertarem, e assim só conseguem embaraçar-se cada vez mias… Não é perdendo a serenidade de espírito que conseguiremos desfazer-nos dos laços que nos armam algumas imperfeições; ao contrário, dessa forma mais nos embaraçamos nelas”.

“É preciso sofrer com paciência a lentidão com que nos vamos aperfeiçoando e não deixar de fazer o quanto pudermos para progredir, sempre com boa vontade”. “Aguardemos, pois, com paciência o nosso progresso e, em vez de nos inquietarmos por termos feito tão pouco no passado, procuremos com empenho fazer mais no futuro”.

“Não nos aflijamos por sempre nos vermos principiantes no exercício das virtudes, porque no ‘Mosteiro da Vida Devota’ cada um considera-se sempre noviço e esforça-se ao longo de toda a vida por dar provas da sua humildade. O contrário disso, isto é, o sinal mais evidente de não somente ser um mau noviço, mas até de merecer ser expulso e reprovado do ‘Mosteiro’, é julgar-se e ter-se a si mesmo como professos. Pois, conforme a regra desta Ordem, não é a solenidade dos votos, mas cumprimento deles que torna os noviços professos; e os votos não se julgam cumprido enquanto houver alguma coisa a fazer para a observância deles. A obrigação de lutar por servir a Deus e de progredir no amor divino dura até a morte.

“Bem, alguém me dirá, mas como posso não me afligir e não me entristecer se vejo que e por minha culpa que não avanço no caminho da virtude? Já o disse na Introdução à Vida Devota e agora volto a dizê-lo de bom grado, porque nunca é demais: é justo entristecer-se pelos erros cometidos com um arrependimento que seja sereno, constante e tranquilo; porém, com um arrependimento agitado, inquieto, desanimador, nunca”.

4. Serenidade por ocasião das quedas

Vê-se por estas citações, e há de ver-se melhor ainda pelas que se seguem, que o santo Doutor não recomenda a serenidade e a paciência consigo mesmo somente às almas justas e inocentes, mas também – e sobretudo – às que tiveram a infelicidade de cair em faltas.

“Se vos suceder alguma vez perder a paciência, não vos perturbeis, mas procurai tranquilizar-vos rapidamente e com serenidade”. “Preocupam-vos excessivamente os ímpetos do amor-próprio, sem dúvida frequentes; mas estes nunca serão perigosos se, sem vos aborrecerdes pela sua importunidade e sem vos admirardes da sua frequência, disserdes tranquilamente: Não! Caminhai com simplicidade, não estejais tão ansiosa pelo sossego do espírito, e assim o tereis com certeza”.

“Tende paciência com todos, mas sobretudo convosco, isto é, não vos perturbeis por causa das vossas imperfeições, mas tende sempre a coragem de vos emendar delas. Gostaria muito que não cansais de recomeçar todos os dias, porque não há melhor meio de prosseguir bem na vida espiritual do que sempre recomeçando e não pensando nunca já ter feito muito.”

“Podemos mortificar a carne, mas não tão perfeitamente a ponto de não haver nenhuma rebelião. Nossa atenção será frequentemente interrompida por distrações. Será, por isso, preciso se inquietar, perturbar e se afligir? Certamente não”.

5. Suportar os próprios defeitos com uma aflição tranquila e corajosa

“Não vos aflijais nem vos admireis de sentir ainda vivas em vossas almas as imperfeições que me contastes; porque, ainda que seja necessário combate-las e detestá-las para que assim possais retificá-las, não é bom que vos aflijais dessa forma tão inquieta, mas sim que tenhais uma aflição corajosa e tranquila, que vos inspire um propósito firme e seguro de emenda”.

“É preciso fugir do mal? Pois fujamos, mas calmamente e sem perturbações. Se assim não for pode acontecer que, fugindo, acabemos por cair e por dar ocasião ao inimigo… Até na penitência há de haver sossego e serenidade. Eis que a minha amaríssima amargura está em paz, diz Isaías (Is 38,17)”. “Só o pecado deve aborrecer e afligir; e mesmo ele, no extremo da sua amargura, ainda deveria fazer despontar uma santa e consoladora alegria”.

“Quem vive em Deus nunca se entristece, a não ser por ter oferecido a Deus; mas a sua tristeza está alicerçada numa profunda, tranquila e serena humildade e submissão, após a qual se levanta pela bondade divina por uma doce e perfeita confiança, sem pesar nem mágoa”.

“Em suma palavra: não vos aborreceis ou, pelo menos, não vos perturbeis por vos terdes perturbado, não vos abaleis por vos terdes abalado, não vos inquieteis por vos terdes inquietado por causa desses impulsos incômodos; mas retomai o domínio do vosso coração e colocai-o suavemente nas mãos de Nosso Senhor”. “Dominais e refreais o quanto puderes o vosso coração, até ficardes em paz com vós mesmo, ainda que vos saibais miserável…”.

“Sempre que virdes o vosso coração amargurado, limitai-vos simplesmente a apanhá-lo com a ponta dos dedos, não de punho fechado, bruscamente. É necessário ter paciência consigo mesmo e afagar o coração, animando-o; e quando ele estiver muito inquieto, é preciso segurá-lo como a um cavalo desembestado, firmemente, sem o deixar correr à solta atrás dos sentimentos”.

“Tomai muito cuidado para não perder a serenidade quando cometerdes alguma falta, mas humilhai-vos logo que possível na presença de Deus, e isto com uma humildade amorosa e doce, que vos conduza à confiança de recorrer imediatamente à sua bondade, na certeza de que Ele vos ajudará a emendar-vos… Se vierdes a cair em algum pecado, seja qual for, perdi serenamente perdão ao Senhor, dizendo-lhe que estais bem certos de que Ele vos ama muito e vos perdoará. E isto fazei-o sempre com simplicidade e serenidade”.





Trecho retirado do livro: A Arte de Aproveitar as Próprias Faltas, Joseph Tissot

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