A solenidade da Ascensão de Jesus que hoje celebramos sugere que, no
final do caminho percorrido no amor e na doação, está a vida definitiva, a
comunhão com Deus. Sugere também que Jesus nos deixou o testemunho e que somos
nós, seus seguidores, que devemos continuar a realizar o projeto libertador de
Deus para os homens e para o mundo.
No Evangelho, Jesus ressuscitado aparece aos discípulos, ajuda-os a
vencer a desilusão e o comodismo e envia-os em missão, como testemunhas do
projeto de salvação de Deus. De junto do Pai, Jesus continuará a acompanhar os
discípulos e, através deles, a oferecer aos homens a vida nova e definitiva.
Na primeira leitura, repete-se a mensagem essencial desta festa: Jesus,
depois de ter apresentado ao mundo o projeto do Pai, entrou na vida definitiva
da comunhão com Deus - a mesma vida que espera todos os que percorrem o mesmo
"caminho" que Jesus percorreu. Quanto aos discípulos: eles não podem
ficar a olhar para o céu, numa passividade alienante; mas têm de ir para o meio
dos homens continuar o projeto de Jesus.
A segunda leitura convida os discípulos a terem consciência da esperança
a que foram chamados (a vida plena de comunhão com Deus). Devem caminhar ao
encontro dessa "esperança" de mãos dadas com os irmãos - membros do
mesmo "corpo" - e em comunhão com Cristo, a "cabeça" desse
"corpo". Cristo reside no seu "corpo" que é a Igreja; e é
nela que se torna hoje presente no meio dos homens.
1ª leitura- At. 1,1-11 - AMBIENTE
O livro dos "Atos dos apóstolos" dirige-se a comunidades que
vivem num certo contexto de crise. Estamos na década de 80, cerca de cinquenta
anos após a morte de Jesus. Passou já a fase da expectativa pela vinda iminente
do Cristo glorioso para instaurar o "Reino" e há uma certa desilusão.
As questões doutrinais trazem alguma confusão; a monotonia favorece uma vida
cristã pouco comprometida e as comunidades instalam-se na mediocridade; falta o
entusiasmo e o empenho do quadro geral é o de um certo sentimento de frustração,
porque o mundo continua igual e a esperada intervenção vitoriosa de Deus
continua adiada. Quando vai concretizar-¬se, de forma plena e inequívoca, o
projeto salvador de Deus?
É neste ambiente que podemos inserir o texto que hoje nos é proposto
como primeira leitura. Nele, o catequista Lucas avisa que o projeto de salvação
e de libertação que Jesus veio apresentar passou (após a ida de Jesus para
junto do Pai) para as mãos da Igreja, animada pelo Espírito. A construção do
"Reino" é uma tarefa que não está terminada, mas que é preciso
concretizar na história, e exige o empenho contínuo de todos os crentes. Os
cristãos são convidados a redescobrir o seu papel, no sentido de testemunhar o
projeto de Deus, na fidelidade ao "caminho" que Jesus percorreu.
MENSAGEM
O nosso texto começa com um prólogo (vs. 1-2) que relaciona os
"Atos" com o 3 Evangelho - quer na referência ao mesmo Teófilo a quem
o Evangelho era dedicado, quer na alusão a Jesus, aos seus ensinamentos e à sua
ação no mundo (tema central do 3° Evangelho). Neste prólogo são também
apresentados os protagonistas do livro - o Espírito Santo e os apóstolos,
vinculados com Jesus.
Depois da apresentação inicial, vem o tema da despedida de Jesus (vs.
3-8). O autor começa por fazer referência aos "quarenta dias" que
mediaram entre a ressurreição e a ascensão, durante os quais Jesus falou aos
discípulos "a respeito do Reino de Deus" (o que parece estar em
contradição com o Evangelho, onde a ressurreição e a ascensão são apresentados
no próprio dia de Páscoa - cf. Lc 24). O número quarenta é, certamente, um
número simbólico: é o número que define o tempo necessário para que um
discípulo possa aprender e repetir as lições do mestre. Aqui define, portanto,
o tempo simbólico de iniciação ao ensinamento do Ressuscitado.
As palavras de despedida de Jesus (vs. 4-8) sublinham dois aspectos: a
vinda do Espírito e o testemunho que os discípulos vão ser chamados a dar
"até aos confins do mundo". Temos resumida aqui a experiência
missionária da comunidade de Lucas: o Espírito irá derramar-se sobre a
comunidade crente e dará a força para testemunhar Jesus em todo o mundo, desde
Jerusalém a Roma. Na realidade, trata-se do programa que Lucas vai apresentar
ao longo do livro, posto na boca de Jesus ressuscitado. O autor quer mostrar
com a sua obra que o testemunho e a pregação da Igreja estão entroncados no
próprio Jesus e são impulsionados pelo Espírito.
o último tema é o da ascensão (vs. 9-11). Evidentemente, esta passagem
necessita de ser interpretada para que, através da roupagem dos símbolos, a
mensagem apareça com toda a claridade.
Temos, em primeiro lugar, a elevação de Jesus ao céu (v. 9a). Não
estamos a falar de uma pessoa que, literalmente, descola da terra e começa a
elevar-se; estamos a falar de um sentido teológico (não é o
"repórter", mas sim o "teólogo" a falar): a ascensão é uma
forma de expressar simbolicamente que a exaltação de Jesus é total e atinge
dimensões supra-terrenas; é a forma literária de descrever o culminar de uma
vida vivida para Deus, que agora reentra na glória da comunhão com o Pai.
Temos, depois, a nuvem (v. 9b) que subtrai Jesus aos olhos dos
discípulos. Pairando a meio caminho entre o céu e a terra, a nuvem é, no Antigo
Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do divino (cf. Ex.
13,21.22; 14,19.24; 24,15b-18; 40,34-38). Ao mesmo tempo, simultaneamente
esconde e manifesta: sugere o mistério do Deus escondido e presente, cujo rosto
o Povo não pode ver, mas cuja presença adivinha nos acidentes da caminhada. Céu
e terra, presença e ausência, luz e sombra, divino e humano, são dimensões aqui
sugeridas a propósito de Cristo ressuscitado, elevado à glória do Pai, mas que
continua a caminhar com os discípulos.
Temos ainda os discípulos a olhar para o céu (v. 10a). Significa a
expectativa dessa comunidade que espera ansiosamente a segunda vinda de Cristo,
a fim de levar ao seu termo o projeto de libertação do homem e do mundo.
Temos, finalmente, os dois homens vestidos de branco (v. 10b). O branco
sugere o mundo de Deus, o que indica que o seu testemunho vem de Deus. Eles
convidam os discípulos a continuar no mundo, animados pelo Espírito, a obra
libertadora de Jesus; agora, é a comunidade dos discípulos que tem de
continuar, na história, a obra de Jesus, embora com a esperança posta na segunda
e definitiva vinda do Senhor.
O sentido fundamental da ascensão não é que fiquemos a admirar a
elevação de Jesus; mas é convidar-nos a seguir o "caminho" de Jesus,
olhando para o futuro e entregando-nos à realização do seu projeto de salvação
no meio do mundo.
ATUALIZAÇÃO
+ A ressurreição/ascensão de Jesus garante-nos, antes de mais, que uma
vida vivida na fidelidade aos projetos do Pai é uma vida destinada à
glorificação, à comunhão definitiva com Deus. Quem percorre o mesmo
"caminho" de Jesus subirá, como Ele, à vida plena.
+ A ascensão de Jesus recorda-nos, sobretudo, que Ele foi elevado para
junto do Pai e nos encarregou de continuar a tornar realidade o seu projeto
libertador no meio dos homens nossos irmãos. É essa a atitude que tem marcado a
caminhada histórica da Igreja? Ela tem sido fiel à missão que Jesus, ao deixar
este mundo, lhe confiou?
+ O nosso testemunho tem transformado e libertado a realidade que nos
rodeia?
Qual o real impacto desse testemunho na nossa família, no local onde
desenvolvemos a nossa atividade profissional, na nossa comunidade cristã ou
religiosa?
+ É relativamente frequente ouvirmos dizer que os seguidores de Jesus
gostam mais de olhar para o céu do que se comprometerem na transformação da
terra. Estamos, efetivamente, atentos aos problemas e às angústias dos homens,
ou vivemos de olhos postos no céu, num espiritualismo alienado? Sentimo-nos
questionados pelas inquietações, pelas misérias, pelos sofrimentos, pelos
sonhos, pelas esperanças que enchem o coração dos que nos rodeiam? Sentimo-nos
solidários com todos os homens, particularmente com aqueles que sofrem?
2ª leitura - Ef. 1,17-23 – AMBIENTE
A carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma
"carta circular" enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa altura
em que Paulo está na prisão (em Roma?). Q seu portador é um tal Tíquico.
Estamos por volta dos anos 58/60.
Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa
altura em que a missão do apóstolo está praticamente terminada no oriente.
Em concreto, o texto que nos é proposto aparece na primeira parte da
carta e faz parte de uma ação de graças, na qual Paulo agradece a Deus pela fé
dos efésios e pela caridade que eles manifestam para com todos os irmãos na fé.
MENSAGEM
À ação de graças, Paulo une uma fervorosa oração a Deus, para que os
destinatários da carta conheçam "a esperança a que foram chamados"
(v. 18). A prova de que o Pai tem poder para realizar essa
"esperança" (isto é, conferir aos crentes a vida eterna como herança)
é o que Ele fez com Jesus Cristo: ressuscitou-Q e sentou-Q à sua direita (v.
20), exaltou-Q e deu-Lhe a soberania sobre todos os poderes angélicos (Paulo
está preocupado com a perigosa tendência de alguns cristãos em dar uma
importância exagerada aos anjos, colocando-os até acima de Cristo - cf. Co.
1,6). Essa soberania estende-se, inclusive, à Igreja - o "corpo" do
qual Cristo é a "cabeça". Q mais significativo deste texto é,
precisamente, este último desenvolvimento. A ideia de que a comunidade cristã é
um "corpo" - o "corpo de Cristo" - formado por muitos
membros, já havia aparecido nas "grandes cartas", acentuando-se,
sobretudo, a relação dos vários membros do "corpo" entre si (cf.
1Cor. 6,12-20; 10,16-17; 12,12-27; Rm. 12,3-8); mas, nas "cartas do
cativeiro", Paulo retoma a noção de "corpo de Cristo" para
refletir sobre a relação que existe entre a comunidade e Cristo.
Neste texto, em concreto, há dois conceitos muito significativos para
definir o quadro da relação entre Cristo e a Igreja: o de "cabeça" e
o de "plenitude" (em grego, "pleroma").
Dizer que Cristo é a "cabeça" da Igreja significa, antes de
mais, que os dois formam uma comunidade indissolúvel e que há entre os dois uma
comunhão total de vida e de destino; significa também que Cristo é o centro à
volta do qual o "corpo" se articula, a partir do qual e em direção ao
qual o "corpo" cresce, se orienta e constrói, a origem e o fim desse
"corpo"; significa ainda que a Igreja/corpo está submetida à
obediência a Cristo/cabeça: só de Cristo a Igreja depende e só a Ele deve
obediência.
Dizer que a Igreja é a "plenitude" ("pleroma") de
Cristo significa dizer que nela reside a "plenitude", a
"totalidade" de Cristo. Ela é o receptáculo, a habitação, onde Cristo
Se torna presente no mundo; é através desse "corpo" onde reside, que
Cristo continua todos os dias a realizar o seu projeto de salvação em favor dos
homens. Presente nesse "corpo", Cristo enche o mundo e atrai a Si o
universo inteiro, até que o próprio Cristo "seja tudo em todos" (v.
23).
ATUALIZAÇÃO
+ Na nossa peregrinação pelo mundo, convém termos sempre presente
"a esperança a que fomos chamados". A
ressurreição/ascensão/glorificação de Jesus é a garantia da nossa própria
ressurreição/glorificação. Formamos com Ele um "corpo" destinado à
vida plena. Esta perspectiva tem de dar-nos a força de enfrentar a história e
de avançar - apesar das dificuldades - nesse "caminho" do amor e da
entrega total que Cristo percorreu.
+ Dizer que fazemos parte do "corpo de Cristo" significa que
devemos viver numa comunhão total com Ele e que nessa comunhão recebemos, a
cada instante, a vida que nos alimenta. Significa também viver em comunhão, em
solidariedade total com todos os nossos irmãos, membros do mesmo
"corpo", alimentados pela mesma vida. Estas duas coordenadas estão presentes
na nossa existência?
+ Dizer que a Igreja é o "pleroma" de Cristo significa que
temos a obrigação de testemunhar Cristo, de torná-l'O presente no mundo, de
levar à plenitude o projeto de libertação que Ele começou em favor dos homens.
Essa tarefa só estará acabada quando, pelo testemunho e pela ação dos crentes,
Cristo for "um em todos".
(Nota: em vez desta leitura, pode-se escolher a seguinte leitura
facultativa: Ef 4,1-13)
Evangelho - Mc. 16,15-20 – AMBIENTE
Naquele tempo, Jesus se manifestou aos onze discípulos, 15e disse-lhes: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura! 16Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado.
17Os sinais que acompanharão aqueles que crerem serão estes: expulsarão demônios em meu nome, falarão novas línguas; 18se
pegarem em serpentes ou beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal
algum; quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados”.
19Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao céu, e sentou-se à direita de Deus.
20Os discípulos
então saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e confirmava
sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam.
A perícope de Mc. 16,9-20 distingue-se, no conjunto do Evangelho segundo
Marcos, por se apresentar com um estilo e com vocabulário muito diferentes do
resto do texto. Aliás, os manuscritos mais importantes e mais antigos que
conservaram este Evangelho concluíam o texto de Marcos em 16,8, com o medo das
mulheres que, na manhã de Páscoa, encontraram o túmulo vazio. Provavelmente,
foi assim que Marcos terminou o seu Evangelho, dando-lhe um final
"aberto" e como que convidando o leitor a completar o relato com a
sua própria experiência pessoal de seguimento de Jesus, superando o medo,
"vendo" Jesus e dando testemunho d'Ele.
No entanto, este final pareceu deixar insatisfeitos os leitores de
Marcos e apareceram várias tentativas de dar ao Evangelho segundo Marcos um
final mais satisfatório. Algumas dessas tentativas estão, aliás, atestadas em
diversos documentos antigos que nos transmitiram o texto do segundo Evangelho.
De entre os diversos ''finais'' que apareceram, houve um que se impôs aos
outros. Trata-se de um texto de meados do séc. II, que apresenta um resumo das
aparições de Jesus ressuscitado contadas por outros evangelistas. Embora tardio
e não redigido por Marcos, este "final" é, contudo, parte integrante
da Escritura Sagrada. A Igreja reconhece-o como canônico, como inspirado por
Deus e como Palavra de Deus.
O texto que nos é proposto é parte da perícope em causa. Os elementos
apresentados no texto são pequenos resumos de relatos feitos por outros
evangelistas. Assim, a aparição de Jesus ressuscitado aos Onze depende de Lc.
24,36-43 e de Jo 20,19-29; a definição da missão dos apóstolos depende de Mt.
28,16- 20 e de Lc. 24,44-49; o relato da Ascensão depende de Lc. 24,50-53 e de
At. 1,4-11.
O quadro traçado pelo autor da perícope apresenta os discípulos a reagir
de uma forma muito negativa ao fato de Jesus já não estar com eles. Na manhã da
ressurreição, eles estavam "em luto e em pranto" (Mc 16,10); depois,
receberam o testemunho das mulheres que encontraram Jesus ressuscitado, com
incredulidade e com um coração obstinado (cf. Mc 16,14). Num caso e noutro,
negam-se a ir em frente e a continuar a aventura que começaram com Jesus. Têm
medo de arriscar e preferem ficar comodamente instalados a "lamber as
feridas". É o anti-seguimento eD encontro com Jesus ressuscitado vai,
porém, obrigá-los a sair do seu letargo e a assumir os seus compromissos e
responsabilidades, como membros da comunidade do Reino.
MENSAGEM
A questão central abordada no nosso texto é a do papel dos discípulos no
mundo, após a partida de Jesus ao encontro do Pai. O texto consta de três
cenas: Jesus ressuscitado define a missão dos discípulos; Jesus parte ao
encontro do Pai; os discípulos partem ao encontro do mundo, a fim de
concretizar a missão que Jesus lhes confiou.
Na primeira cena (vs. 15-18), Jesus ressuscitado aparece aos discípulos,
acorda-os da letargia em que se tinham instalado e define a missão que,
doravante, eles serão chamados a desempenhar no mundo
A primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da
universalidade DA missão dos discípulos destina-se a "todo o mundo" e
não deverá deter-se diante de barreiras rácicas, geográficas ou culturais. A
proposta de salvação que Jesus fez e que os discípulos devem testemunhar
destina-se a toda a terra. Depois, Jesus define o conteúdo do anúncio: o
"Evangelho". O que é o "Evangelho"? No Antigo Testamento
(sobretudo no Deutero-Isaías e no Trito-Isaías), a palavra
"evangelho" está ligada à "boa notícia" da chegada da
salvação para o Povo de Deus. Depois, na boca de Jesus, a palavra
"Evangelho" designa o anúncio de que o "Reino de Deus"
chegou à vida dos homens, trazendo-lhes a paz, a libertação, a felicidade. Para
os catequistas das primeiras comunidades cristãs, o "Evangelho" é o
anúncio de um acontecimento único, capital, fundamental: em Jesus Cristo, Deus
veio ao encontro dos homens, manifestou-lhes o seu amor, inseriu-os na sua
família, convidou-os a integrar a comunidade do Reino, ofereceu-lhes a vida
definitiva. Tal é o único e exclusivo "evangelho", a "boa
notícia" que muda o curso da história e que transforma o sentido e os
horizontes da existência humana.
O anúncio do "Evangelho" obriga os homens a uma opção. Quem
aderir à proposta que Jesus faz, chegará à vida plena e definitiva ("quem
acreditar e for batizado será salvo"); mas quem recusar essa proposta,
ficará à margem da salvação ("quem não acreditar será condenado" - v.
16).
O anúncio do Evangelho que os discípulos são chamados a fazer vai
atingir não só os homens, mas "toda a criatura". Muitas vezes o
homem, guiado por critérios de egoísmo, de cobiça e de lucro, explora a
criação, destrói esse mundo "bom" e harmonioso que Deus criou. Mas a
proposta de salvação que Deus apresenta destina-se a transformar o coração do
homem, eliminando o egoísmo e a maldade. Ao transformar o coração do homem, o
"Evangelho" apresentado por Jesus e anunciado pelos discípulos vai
propor uma nova relação do homem com todas as outras criaturas - uma relação
não mais marcada pelo egoísmo e pela exploração, mas pelo respeito e pelo amor.
Dessa forma, nascerá uma nova humanidade e uma nova natureza.
A presença da salvação de Deus no mundo tornar-se-á uma realidade
através dos gestos dos discípulos de Jesus comprometidos com Jesus, os
discípulos vencerão a injustiça e a opressão ("expulsarão os demônios em
meu nome"), serão arautos da paz e do entendimento dos homens
("falarão novas línguas"), levarão a esperança e a vida nova a todos
os que sofrem e que são prisioneiros da doença e do sofrimento ("quando
impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados"); e, em todos os
momentos, Jesus estará com eles, ajudando-os a vencer as contrariedades e as
oposições.
Na segunda cena (v. 19), Jesus sobe ao céu e senta-Se à direita de Deus.
A elevação de Jesus ao céu (ascensão) é uma forma de sugerir que, após o
cumprimento da sua missão no meio dos homens, Jesus foi ao encontro do Pai e
reentrou na comunhão do Pai.
A entronização de Jesus "à direita de Deus" mostra, por sua
vez, a veracidade da proposta de Jesus. Na concepção dos povos antigos, aquele
que se sentava à direita de Deus era um personagem distinto, que o rei queria
honrar de forma especial D Jesus, porque cumpriu com total fidelidade o projeto
de Deus para os homens, é honrado pelo Pai e sentado à sua direita. A proposta
que Jesus apresentou, que os discípulos acolheram e que vão ser chamados a
testemunhar no mundo, não é uma aventura sem sentido e sem saída, mas é o
projeto de salvação que Deus quer oferecer aos homens.
Na terceira cena (v. 20), descreve-se resumidamente a ação missionária
dos discípulos: eles partiram (quer dizer, deixaram para trás as seguranças e
afetos humanos por causa da missão) a pregar (quer dizer, a anunciar com
palavras e com gestos concretos essa vida nova que Deus ofereceu aos homens
através de Jesus) por toda a parte (propondo a todos os homens, sem exceção, a
proposta salvadora de Deus).
O autor desta catequese assegura aos discípulos que não estão sozinhos
ao longo durante a missão. Jesus, vivo e ressuscitado, está com eles, coopera
com eles e manifesta-Se ao mundo nas palavras e nos gestos dos discípulos.
A festa da Ascensão de Jesus é, sobretudo, o momento em que os
discípulos tomam consciência da sua missão e do seu papel no mundo. A Igreja (a
comunidade dos discípulos, reunida à volta de Jesus, animada pelo Espírito) é,
essencialmente, uma comunidade missionária, cuja missão é testemunhar no mundo
a proposta de salvação e de libertação que Jesus veio trazer aos homens.
ATUALIZAÇÃO
+ Jesus foi ao encontro do Pai, depois de uma vida gasta ao serviço do
"Reino"; deixou aos seus discípulos a missão de anunciar o
"Reino" e de torná-lo uma proposta capaz de renovar e de transformar
o mundo. Celebrar a ascensão de Jesus significa, antes de mais, tomar
consciência da missão que foi confiada aos discípulos e sentir-se responsável
pela presença do "Reino" na vida dos homens. Estou consciente de que
a Igreja - a comunidade dos discípulos de Jesus, a que eu pertenço também - é
hoje a presença libertadora e salvadora de Jesus no meio dos homens? Como é que
eu procuro testemunhar o "Reino" na minha vida de todos os dias - em
casa, no trabalho ou na escola, na paróquia, na comunidade religiosa?
+ A missão que Jesus confiou aos discípulos é uma missão universal: as
fronteiras, as raças, a diversidade de culturas não podem ser obstáculos para a
presença da proposta libertadora de Jesus no mundo. Tenho consciência de que a
missão que foi confiada aos discípulos é uma missão universal? Tenho
consciência de que Jesus me envia a todos os homens - sem distinção de raças,
de etnias, de diferenças religiosas, sociais ou econômicas - a anunciar-lhes a
libertação, a salvação, a vida definitiva? Tenho consciência de que sou
responsável pela vida, pela felicidade e pela liberdade de todos os meus irmãos
- mesmo que eles habitem no outro lado do mundo?
+ Tornar-se discípulo é, em primeiro lugar, aprender os ensinamentos de
Jesus - a partir das suas palavras, dos seus gestos, da sua vida oferecida por
amor. É claro que o mundo do século XXI apresenta, todos os dias, desafios
novos; mas os discípulos, formados na escola de Jesus, são convidados a ler os
desafios que hoje o mundo coloca, à luz dos ensinamentos de Jesus. Preocupo-me
em conhecer bem os ensinamentos de Jesus e em aplicá-los à vida de todos os
dias?
+ No dia em que fui batizado, comprometi-me com Jesus e vinculei-me com
a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A minha vida tem sido
coerente com esse compromisso?
+ É um tremendo desafio testemunhar, hoje, no mundo os valores do
"Reino" (esses valores que, muitas vezes, estão em contradição com
aquilo que o mundo defende e que o mundo considera serem as prioridades da
vida). Com frequência, os discípulos de Jesus são objeto da irrisão e do
escárnio dos homens, porque insistem em testemunhar que a felicidade está no
amor e no dom da vida; com frequência, os discípulos de Jesus são apresentados
como vítimas de uma máquina de escravidão, que produz escravos, alienados,
vítimas do obscurantismo, porque insistem em testemunhar que a vida plena está
no perdão, no serviço, na entrega da vida. O confronto com o mundo gera muitas
vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento, frustração. Nos momentos de
decepção e de desilusão convém, no entanto, recordar as palavras de Jesus:
"Eu estarei convosco até ao fim dos tempos". Esta certeza deve
alimentar a coragem com que testemunhamos aquilo em que acreditamos.
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