domingo, 22 de julho de 2012

LITURGIA DO 16º DOMINGO DO TEMPO COMUM

A liturgia do 16º domingo do tempo comum dá-nos conta do amor e da solicitude de Deus pelas “ovelhas sem pastor”. Esse amor e essa solicitude traduzem-se, naturalmente, na oferta de vida nova e plena que Deus faz a todos os homens.
Na primeira leitura, pela voz do profeta Jeremias, Jahwéh condena os pastores indignos que usam o “rebanho” para satisfazer os seus próprios projetos pessoais; e, paralelamente, Deus anuncia que vai, Ele próprio, tomar conta do seu “rebanho”, assegurando-lhe a fecundidade e a vida em abundância, a paz, a tranquilidade e a salvação.
O Evangelho recorda-nos que a proposta salvadora e libertadora de Deus para os homens, apresentada em Jesus, é agora continuada pelos discípulos. Os discípulos de Jesus são – como Jesus o foi – as testemunhas do amor, da bondade e da solicitude de Deus por esses homens e mulheres que caminham pelo mundo perdidos e sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. A missão dos discípulos tem, no entanto, de ter sempre Jesus como referência… Com frequência, os discípulos enviados ao mundo em missão devem vir ao encontro de Jesus, dialogar com Ele, escutar as suas propostas, elaborar com Ele os projetos de missão, confrontar o anúncio que apresentam com a Palavra de Jesus.
Na segunda leitura, Paulo fala aos cristãos da cidade de Éfeso da solicitude de Deus pelo seu Povo. Essa solicitude manifestou-se na entrega de Cristo, que deu a todos os homens, sem exceção, a possibilidade de integrarem a família de Deus. Reunidos na família de Deus, os discípulos de Jesus são agora irmãos, unidos pelo amor. Tudo o que é barreira, divisão, inimizade, ficou definitivamente superado.
1ª leitura: Jr. 23,1-6 - AMBIENTE
Jeremias, o profeta nascido em Anatot por volta de 650 a.C., exerceu a sua missão profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilônios (586 a.C.). O cenário da atividade do profeta é, em geral, o reino de Judá (e, sobretudo, a cidade de Jerusalém).
A primeira fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de Josias. Este rei – preocupado em defender a identidade política e religiosa do Povo de Deus – leva a cabo uma impressionante reforma religiosa, destinada a banir do país os cultos aos deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período, traduz-se num constante apelo à conversão, à fidelidade a Jahwéh e à aliança.
No entanto, em 609 a.C., Josias é morto, em combate contra os egípcios. Joaquim sucede-lhe no trono. A segunda fase da atividade profética de Jeremias abrange o tempo de reinado de Joaquim (609-597 a.C.).
O reinado de Joaquim é um tempo de desgraça e de pecado para o Povo, e de incompreensão e sofrimento para Jeremias. Nesta fase, o profeta aparece a criticar as injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) e a infidelidade religiosa (traduzida, sobretudo, na busca das alianças políticas: procurar a ajuda dos egípcios significava não confiar em Deus e, em contrapartida, colocar a esperança do Povo em exércitos estrangeiros). Jeremias está convencido de que Judá já ultrapassou todas as medidas e que está iminente uma invasão babilônica que castigará os pecados do Povo de Deus. É, sobretudo, isso que ele diz aos habitantes de Jerusalém… As previsões funestas de Jeremias concretizam-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invade Judá e deporta para a Babilônia uma parte da população de Jerusalém.
No trono de Judá fica, então, Sedecias (597-586 a.C.). A terceira fase da missão profética de Jeremias desenrola-se, precisamente, durante este reinado.
Após alguns anos de calma submissão à Babilônia, Sedecias volta a experimentar a velha política das alianças com o Egito. Jeremias não está de acordo que se confie em exércitos estrangeiros mais do que em Jahwéh… Mas, nem o rei, nem os notáveis lhe prestam qualquer atenção à opinião do profeta. Considerado um amargo “profeta da desgraça”, Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua volta.
Em 587 a.C., Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio vem em socorro de Judá e os babilônios retiram-se. Nesse momento de euforia nacional, Jeremias aparece a anunciar o recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém (cf. Jr. 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jr. 37,11-16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jr. 38,11-13). Enquanto Jeremias continua a pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de fato, de Jerusalém, destrói a cidade e deporta a sua população para a Babilônia (586 a.C.).
O texto que nos é hoje proposto como primeira leitura faz referência a esses tempos de desnorte nacional, em que Judá, sem líderes capazes, já perdeu as referências e a esperança no futuro. No texto, Deus condena os “pastores” de Israel porque dispersaram as ovelhas do rebanho, o que parece aludir ao exílio na Babilônia. Provavelmente, este texto deve situar-se entre 597 e 586 a.C., no tempo que vai desde o primeiro exílio (após a primeira queda de Jerusalém – 597 a.C.) ao segundo exílio (após a segunda tomada de Jerusalém pelos babilônios – 586 a.C.).
O uso da imagem do “pastor” para falar dos líderes da nação é bastante frequente no Antigo Testamento. Aliás, a imagem adquiriu uma força especial na sequência de David, o pastor que Jahwéh ungiu e transformou em rei, encarregando-o de cuidar do rebanho do Povo de Deus.
MENSAGEM
O nosso texto começa com uma breve exposição da culpa: os “pastores” de Judá perderam, dispersaram, escorraçaram as ovelhas do Senhor, sem terem cuidado delas (vs. 1-2a). Cada um dos verbos utilizados faz referência a fatos concretos (bem recentes) da história de Judá. O aventureirismo, os interesses pessoais, as jogadas políticas, a inconsciência dos líderes trouxeram consequências funestas ao Povo, ao “rebanho” de Deus. Os líderes de Judá não procuraram servir o Povo, mas serviram-se do Povo para concretizar os seus objetivos pessoais. Ora, o “rebanho” não é propriedade dos “pastores”, mas do Senhor… Deus chamou-os a uma missão concreta, encarregou-os de cuidar do seu “rebanho” e eles, depois de terem aceite o compromisso, falharam totalmente.
Depois da culpa, vem a sentença: Deus vai “ocupar-se” desses maus pastores: vai castigá-los, pedir-lhes contas das suas más ações (v. 2b). Deus não está disposto a tolerar abusos de confiança, nem pode pactuar com líderes que exploram o “rebanho” em seu benefício próprio. Na perspectiva de Deus, trata-se de algo intolerável e que não pode ser deixado em claro.
Mas a intervenção de Deus não se fica pelo pedir contas aos maus líderes… O próprio Jahwéh vai intervir, no sentido de salvar o seu “rebanho”. A intervenção de Deus justifica-se pelo fato de se tratar do “rebanho” do Senhor e de Ele ter responsabilidades para com as suas ovelhas.
A intervenção de Deus vai desenvolver-se em três tempos, ou momentos… O primeiro é a repatriação dos exilados: as ovelhas serão devolvidas “às sua pastagens para que cresçam e se multipliquem” (v. 3). Para esta tarefa, Deus não conta com intermediários: Ele mesmo vai liderar o processo de libertação e de regresso dos exilados à terra.
O segundo momento da intervenção de Deus consiste na escolha de “pastores” exemplares (v. 4). A missão desses “pastores” será, simplesmente, “apascentar”. Isso implica, naturalmente, o cuidado, a solicitude, o amor, a ternura pelo rebanho… Esses pastores estarão, naturalmente, ao serviço do rebanho e não usarão o rebanho para concretizar os seus interesses pessoais. As “ovelhas” aprenderão a confiar nesse “pastor” que as ama e não terão mais “medo nem sobressalto”.
O terceiro momento da intervenção de Deus é projetado para um futuro sem data marcada. Promete a chegada de um “rebento justo” da dinastia de David (v. 5). A imagem tirada do reino vegetal (“rebento”) sugere fecundidade e vida em abundância, porque ele dará vida em abundância ao rebanho de Jahwéh. Ele assegurará “o direito e a justiça” e trará salvação e segurança ao Povo de Deus. O nome desse rei será “o Senhor é a nossa justiça” (v. 6), pois é Deus que o legitima e a sua missão será administrar a justiça que Deus quer. Garantindo a justiça, esse “pastor” irá trazer a harmonia, a paz, a tranquilidade, a salvação, a vida verdadeira ao Povo de Deus. Esta promessa com contornos messiânicos pretende anular a frustração e o desespero e inaugurar um tempo de esperança para o Povo de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• Antes de mais, o nosso texto mostra a preocupação de Deus com a vida e a felicidade do seu Povo. Nos momentos conturbados da nossa história (coletiva ou pessoal) sentimo-nos, muitas vezes, órfãos, perdidos e abandonados ao sabor dos ventos e das marés… As catástrofes que afetam o mundo, os conflitos que dividem os povos, a miséria que toca a vida de tantos dos nossos irmãos, os perigos dos fundamentalismos, as mudanças vertiginosas que o mundo todos os dias sofre, a perda dos valores em que apostávamos, as novas e velhas doenças, as crises pessoais, os problemas laborais, as dificuldades familiares trazem-nos a consciência da nossa pequenez e impotência frente aos grandes desafios que o mundo hoje nos apresenta. Sentimo-nos, então, “ovelhas” sem rumo e sem destino, abandonadas à nossa sorte. Por vezes, no nosso desespero, apostamos em “pastores” humanos que, em lugar de nos conduzirem para a vida e para a felicidade, nos usam para satisfazer a sua ânsia de protagonismo e para realizar os seus projetos egoístas… A Palavra de Deus que nos é proposta neste domingo garante-nos que Deus é o “Pastor” que se preocupa conosco, que está atento a cada uma das suas “ovelhas”; Ele cuida das nossas necessidades e está permanentemente disposto a intervir na nossa história para nos conduzir por caminhos seguros e para nos oferecer a vida e a paz. É n’Ele que temos de apostar, é n’Ele que temos de confiar. Esta constatação deve ser, para todos os crentes, uma fonte de alegria, de esperança, de serenidade e de paz.
• As ameaças contra os maus pastores apresentadas neste texto de Jeremias talvez nos tenham levado a pensar nos líderes do mundo, nos nossos governantes e, talvez também, nos líderes da Igreja. Na verdade, a nossa história recente está cheia de situações em que as pessoas encarregadas de cuidar da comunidade humana usaram o “rebanho” em benefício próprio e magoaram, torturaram, roubaram, assassinaram, privaram de vida e de felicidade essas pessoas que Deus lhes confiou… De qualquer forma, este texto toca-nos a todos, pois todos somos, de alguma forma, responsáveis pelos irmãos que caminham conosco. Convida-nos a refletir sobre a forma como tratamos os irmãos, na família, na Igreja, no emprego, em qualquer lado… Recorda-nos que os irmãos que caminham conosco não estão ao serviço dos nossos interesses pessoais e que a nossa função é ajudar todos a encontrar a vida e a felicidade.
• O nosso texto faz referência a “um rei” que Deus vai enviar ao encontro do seu Povo e que governará com sabedoria e justiça. Jesus é a concretização desta promessa. Ele veio propor ao “rebanho” de Deus a vida plena e verdadeira… Como é que nós, as “ovelhas” a quem se destina a proposta de salvação que Deus nos faz em Jesus, acolhemos o que Ele nos veio dizer? As propostas de Jesus encontram eco na nossa vida? Estamos sempre dispostos a acolher as indicações e os valores que Ele nos apresenta?
2 leitura: Ef. 2,13-18 - AMBIENTE
A Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias Igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em Roma? em Cesareia?). O seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.
Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que Paulo sente ter terminado a sua missão apostólica na Ásia e não sabe exatamente o que o futuro próximo lhe reserva (recordemos que ele está, por esta altura, prisioneiro e não sabe como vai terminar o cativeiro).
O tema central da carta aos Efésios é aquilo a que Paulo chama “o mistério”: o desígnio (ou projeto) salvador de Deus, definido desde toda a eternidade, escondido durante séculos aos homens, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao mundo na Igreja.
O texto que nos é aqui proposto integra a parte dogmática da carta. Depois de refletir sobre o papel de Cristo no projeto de salvação que Deus tem para os homens (cf. Ef. 2,1-10), Paulo refere-se à reconciliação operada por Cristo, que com a sua doação uniu judeus e pagãos num mesmo Povo (cf. Ef. 2,11-22).
MENSAGEM
Paulo dirige-se aos pagãos (“vós outrora longe de Deus” – v. 13) e explica-lhes que foi pelo sangue de Cristo que eles se aproximaram de Deus. Antes, eles adoravam os ídolos e tinham convicções religiosas; mas desconheciam o verdadeiro Deus e a sua proposta de salvação; agora, foram admitidos a fazer parte da família de Deus.
Além disso, a entrega de Cristo derrubou a tradicional barreira de inimizade que separava judeus e pagãos e fez de todos um único Povo. Os judeus, convencidos de que eram um Povo à parte, desprezavam os pagãos e não queriam qualquer contacto com eles; as suas leis pugnavam por uma rígida separação e interditavam o contacto com os outros povos. Os pagãos, por sua vez, nutriam um profundo desprezo pelos judeus, pela sua diferença, pela sua arrogância…
Ora, Cristo veio apresentar uma proposta de vida que é para todos, sem exceção. O que é decisivo, agora, não é a pertença a um determinado Povo, mas a forma como se responde à proposta de vida que Jesus faz. Responder positivamente à proposta de Cristo é passar a integrar a comunidade dos santos. A Lei de Moisés, com as suas prescrições e exigências (que, na prática, vedavam aos pagãos a possibilidade de integrar o Povo de Deus), fica anulada… Na nova economia da salvação, o que conta é a disponibilidade para acolher a vida que Deus oferece e ser Homem Novo.
Nasce, assim, um “corpo” que integra os mais diversos membros, pertencentes a todos os quadrantes da família humana. Todos aqueles que aceitaram integrar a comunidade de Jesus, sem diferenças de etnias, de raças, de cor da pele, de classes sociais ou culturais, pertencem à mesma família, a família de Deus. Todos – judeus e pagãos – são, agora, membros da comunidade trinitária do Pai (que oferece a vida), do Filho (que vem ao encontro dos homens para lhes comunicar a vida do Pai) e do Espírito (que mantém unidos os membros deste “corpo” entre si e com Deus.
ATUALIZAÇÃO
• O texto que nos é proposto tem, em pano de fundo, essa verdade fundamental que a liturgia nos recorda todos os domingos: Deus tem uma proposta de salvação para oferecer a todos os homens, sem exceção; e essa proposta tem como finalidade inserir-nos na família de Deus. A constatação de que para Deus não há distinções e todos são, igualmente, filhos amados – para além das possíveis diferenças rácicas, étnicas, sociais ou culturais – é algo que nos tranquiliza, que nos dá serenidade, esperança e paz. O nosso Deus é um pai que não marginaliza nenhum dos seus filhos; e, se tem alguma predileção, não é por aqueles que o mundo admira e endeusa, mas é pelos mais débeis, pelos mais fracos, pelos oprimidos, pelos que mais sofrem.
• O que é verdadeiramente importante, na perspectiva de Deus, não é a cor da pele, nem as capacidades intelectuais, nem as qualidades humanas, nem a pertença a determinada instituição política ou religiosa, nem os contributos (em dinheiro ou em obras) que se dão à Igreja; mas o que é decisivo é ter disponibilidade para acolher a vida que Ele oferece e para aderir à proposta de caminho que Ele faz. Estou sempre numa permanente atitude de escuta das propostas de Deus, ou vivo fechado a Deus e às suas indicações, num caminho de orgulho e de auto-suficiência? Para mim, o que é que significam as propostas de Deus? Elas influenciam as minhas opções, os meus valores, as minhas atitudes? A forma como eu me relaciono com todos os homens e mulheres que encontro nos caminhos deste mundo é coerente com essa proposta de vida que Deus me faz?
• A comunidade cristã é uma família de irmãos, que partilham a mesma fé e a mesma proposta de vida. É um “corpo”, formado por uma grande diversidade de membros, onde todos se sentem unidos em Cristo e entre si numa efetiva fraternidade. As nossas comunidades (cristãs ou religiosas) são, efetivamente, comunidades de irmãos que se amam, para além das diferenças legítimas que há entre os membros? Nas nossas comunidades todos os irmãos são acolhidos e amados, ou há irmãos considerados de segunda classe, marginalizados e maltratados? Eu, pessoalmente, como é que vejo esses irmãos na fé que caminham comigo? Perante as diferenças de perspectiva, como é que eu reajo: com respeito pela opinião do outro, ou com intolerância?
• No mundo de hoje o fenômeno da globalidade aproxima-nos dos outros homens que partilham conosco esta casa comum que é o mundo e torna-nos mais tolerantes para com as diferenças. Contudo, subsistem muros – alicerçados nas diferenças rácicas, políticas, religiosas, sociais, afetivas – que impedem uma total experiência de fraternidade universal. Na nossa vida pessoal e familiar, na nossa vida pessoal e na nossa experiência de caminhada comunitária, aparecem frequentemente muros que nos dividem, que impedem a comunicação, o encontro, a comunhão. Nós, os discípulos desse Cristo que veio reconciliar “judeus e gregos” e fazer de todos “um só povo”, temos o dever de dar testemunho da paz e da unidade e de lutar objetivamente contra todas as barreiras que separam os homens.
Evangelho: Mc. 6,30-34 - AMBIENTE
O Evangelho do passado domingo mostrava-nos Jesus a enviar os discípulos, dois a dois, para pregarem o arrependimento, expulsarem os demônios, ungirem e curarem os doentes (cf. Mc. 6,7-13). O anúncio que é confiado aos discípulos é o anúncio que Jesus fazia (o “Reino”); os gestos que os discípulos são convidados a fazer para anunciar o “Reino” são os mesmos que Jesus fez.
O Evangelho deste domingo apresenta-nos o regresso dos enviados de Jesus. Marcos chama-lhes, agora, “apóstolos” (enviados): é a única vez que a palavra aparece no Evangelho segundo Marcos. A missão correu bem e os “apóstolos” estão entusiasmados, mas naturalmente cansados.
Não há, no texto, qualquer indicação do lugar onde a cena se teria desenrolado.
MENSAGEM
O nosso texto começa com a narração do regresso dos discípulos que, entusiasmados, contam a Jesus a forma como se tinha desenrolado a missão que lhes fora confiada (v. 30). Na sequência, Jesus convida-os a irem com Ele para um lugar isolado e a descansarem um pouco (v. 31). Os discípulos foram, com Jesus, para um lugar deserto (v. 32); mas as multidões adivinharam para onde Jesus e os discípulos se dirigiam e chegaram primeiro (v. 33). Ao desembarcar, Jesus viu as pessoas, teve compaixão delas (“porque eram como ovelhas sem pastor”) e pôs-se a ensiná-las (v. 34).
O episódio, em si, é banal… No entanto, Marcos vai aproveitá-lo para desenvolver a sua catequese sobre o discipulado. A catequese apresentada por Marcos desenvolve-se à volta dos seguintes pontos:
1. Os apóstolos são os enviados de Jesus, chamados a continuar no mundo a missão de Jesus. Essa missão consiste em anunciar o Reino. Para a concretizar, os apóstolos convidam os homens que escutam a mensagem a mudarem a sua vida e a acolherem a proposta que Jesus lhes faz. Os gestos dos discípulos (“expulsaram demônios, curaram doentes” – Mc 6,13) anunciam esse mundo novo de homens livres e esse projeto de vida verdadeira e plena que Deus quer oferecer a todos os homens.
2. A referência à necessidade de os “apóstolos” descansarem (pois nem sequer tinham tempo para comer) pretende ser um aviso contra o ativismo exagerado, que destrói as forças do corpo e do espírito e leva, tantas vezes, a perder o sentido da missão.
3. Os “apóstolos” são convidados por Jesus a irem com Ele para um lugar isolado. Já dissemos, acima, que não se nomeia esse lugar: na realidade, o que interessa aqui não é o lugar geográfico, mas sim que esse “descanso” deve acontecer junto de Jesus. É ao lado de Jesus, escutando-O, dialogando com Ele, gozando da sua intimidade, que os discípulos recuperam as suas forças. Se os discípulos não confrontarem, frequentemente, os seus esquemas e projetos pastorais com Jesus e a sua Palavra, a missão redundará num fracasso.
4. Entretanto, as multidões tinham seguido Jesus e os discípulos a pé – quer dizer, deslocando-se à volta do Lago de Tiberíades, com o barco sempre à vista. Esta busca incansável e impaciente espelha, com algum dramatismo, a ânsia de vida que as pessoas sentem… Jesus, cheio de compaixão, compara a multidão a um rebanho sem pastor. Não é nos líderes religiosos ou políticos da nação que elas encontram segurança e esperança; não é nos ritos da religião tradicional que elas encontram paz e sentido para a vida… Mas é em Jesus e na sua proposta que as multidões encontram vida verdadeira e plena. Na sequência, Marcos vai narrar-nos a cena da multiplicação dos pães e dos peixes, que saciam a fome de cinco mil homens.
ATUALIZAÇÃO
• A proposta salvadora e libertadora de Deus para os homens, apresentada em Jesus, é agora continuada pelos discípulos. Os discípulos de Jesus são – como Jesus o foi – as testemunhas do amor, da bondade e da solicitude de Deus por esses homens e mulheres que caminham pelo mundo perdidos e sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. As vítimas da economia global, os que são colocados à margem da sociedade e da vida, os estrangeiros que buscam noutro país condições dignas de vida e são empurrados de um lado para o outro, os doentes que não têm acesso a um sistema de saúde eficiente, os idosos abandonados pela família, as crianças que crescem nas ruas, aqueles que a vida magoou e que ainda não conseguiram sarar as suas feridas, encontram em cada um de nós, discípulos de Jesus, o amor, a bondade e a solicitude de Deus? Que fizemos com essa proposta de vida nova e de libertação que Jesus nos mandou testemunhar diante das “ovelhas sem pastor”?
• A missão dos discípulos não pode ser desligada de Jesus. Os discípulos devem, com frequência, reunir-se à volta de Jesus, dialogar com Ele, escutar os seus ensinamentos, confrontar permanentemente a pregação feita com a proposta de Jesus. Por vezes, os discípulos (verdadeiramente comovidos com a situação das “ovelhas sem pastor”) mergulham num ativismo descontrolado e acabam por perder as referências; deixam de ter tempo e disponibilidade para se encontrarem com Jesus, para confrontarem as suas opções e motivações com o projeto de Jesus… Por vezes, passam a “vender”, como verdade libertadora, soluções que são parciais e que geram dependência e escravidão (e que não vêm de Jesus); outras vezes, tornam-se funcionários eficientes, que resolvem problemas sociais pontuais, mas sem oferecerem às “ovelhas sem pastor” uma libertação verdadeira e global; outras, ainda, cansam-se e abandonam a atividade e o testemunho… Jesus é que dá sentido à missão do discípulo e que permite ao discípulo, tantas vezes fatigado e desanimado, voltar a descobrir o sentido das coisas e renovar o se empenho.
• A comoção de Jesus diante das “ovelhas sem pastor” é sinal da sua preocupação e do seu amor. Revela a sua sensibilidade e manifesta a sua solidariedade para com todos os sofredores. A comoção de Jesus convida-nos a sermos sensíveis às dores e necessidades dos nossos irmãos. Todo o homem é nosso irmão e tem direito a esperar de nós um gesto de bondade e de acolhimento. Não podemos ficar no nosso canto, comodamente instalados, com a consciência em paz (porque até já fomos à missa e rezamos as orações que a Igreja manda), a ver o nosso irmão a sofrer. O nosso coração tem de doer, a nossa consciência tem de questionar-nos, quando vimos um homem ou uma mulher (nem que seja um desconhecido, nem que seja um estrangeiro) ser magoado, explorado, ofendido, marginalizado, privado dos seus direitos e da sua dignidade. Um cristão é alguém que tem de sentir como seus os sofrimentos do irmão.
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho

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