A
liturgia do 16º domingo do tempo comum dá-nos conta do amor e da solicitude de
Deus pelas “ovelhas sem pastor”. Esse amor e essa solicitude traduzem-se,
naturalmente, na oferta de vida nova e plena que Deus faz a todos os
homens.
Na
primeira leitura, pela voz do profeta Jeremias, Jahwéh condena os pastores
indignos que usam o “rebanho” para satisfazer os seus próprios projetos
pessoais; e, paralelamente, Deus anuncia que vai, Ele próprio, tomar conta do
seu “rebanho”, assegurando-lhe a fecundidade e a vida em abundância, a paz, a
tranquilidade e a salvação.
O
Evangelho recorda-nos que a proposta salvadora e libertadora de Deus para os
homens, apresentada em Jesus, é agora continuada pelos discípulos. Os discípulos
de Jesus são – como Jesus o foi – as testemunhas do amor, da bondade e da
solicitude de Deus por esses homens e mulheres que caminham pelo mundo perdidos
e sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. A missão dos discípulos tem, no entanto,
de ter sempre Jesus como referência… Com frequência, os discípulos enviados ao
mundo em missão devem vir ao encontro de Jesus, dialogar com Ele, escutar as
suas propostas, elaborar com Ele os projetos de missão, confrontar o anúncio que
apresentam com a Palavra de Jesus.
Na
segunda leitura, Paulo fala aos cristãos da cidade de Éfeso da solicitude de
Deus pelo seu Povo. Essa solicitude manifestou-se na entrega de Cristo, que deu
a todos os homens, sem exceção, a possibilidade de integrarem a família de Deus.
Reunidos na família de Deus, os discípulos de Jesus são agora irmãos, unidos
pelo amor. Tudo o que é barreira, divisão, inimizade, ficou definitivamente
superado.
1ª
leitura: Jr. 23,1-6 - AMBIENTE
Jeremias,
o profeta nascido em Anatot por volta de 650 a.C., exerceu a sua missão
profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos
Babilônios (586 a.C.). O cenário da atividade do profeta é, em geral, o reino de
Judá (e, sobretudo, a cidade de Jerusalém).
A
primeira fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de Josias. Este
rei – preocupado em defender a identidade política e religiosa do Povo de Deus –
leva a cabo uma impressionante reforma religiosa, destinada a banir do país os
cultos aos deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período, traduz-se
num constante apelo à conversão, à fidelidade a Jahwéh e à
aliança.
No
entanto, em 609 a.C., Josias é morto, em combate contra os egípcios. Joaquim
sucede-lhe no trono. A segunda fase da atividade profética de Jeremias abrange o
tempo de reinado de Joaquim (609-597 a.C.).
O
reinado de Joaquim é um tempo de desgraça e de pecado para o Povo, e de
incompreensão e sofrimento para Jeremias. Nesta fase, o profeta aparece a
criticar as injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) e a
infidelidade religiosa (traduzida, sobretudo, na busca das alianças políticas:
procurar a ajuda dos egípcios significava não confiar em Deus e, em
contrapartida, colocar a esperança do Povo em exércitos estrangeiros). Jeremias
está convencido de que Judá já ultrapassou todas as medidas e que está iminente
uma invasão babilônica que castigará os pecados do Povo de Deus. É, sobretudo,
isso que ele diz aos habitantes de Jerusalém… As previsões funestas de Jeremias
concretizam-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invade Judá e deporta para a
Babilônia uma parte da população de Jerusalém.
No
trono de Judá fica, então, Sedecias (597-586 a.C.). A terceira fase da missão
profética de Jeremias desenrola-se, precisamente, durante este
reinado.
Após
alguns anos de calma submissão à Babilônia, Sedecias volta a experimentar a
velha política das alianças com o Egito. Jeremias não está de acordo que se
confie em exércitos estrangeiros mais do que em Jahwéh… Mas, nem o rei, nem os
notáveis lhe prestam qualquer atenção à opinião do profeta. Considerado um
amargo “profeta da desgraça”, Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua
volta.
Em
587 a.C., Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio
vem em socorro de Judá e os babilônios retiram-se. Nesse momento de euforia
nacional, Jeremias aparece a anunciar o recomeço do cerco e a destruição de
Jerusalém (cf. Jr. 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jr.
37,11-16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jr. 38,11-13). Enquanto
Jeremias continua a pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de fato, de
Jerusalém, destrói a cidade e deporta a sua população para a Babilônia (586
a.C.).
O
texto que nos é hoje proposto como primeira leitura faz referência a esses
tempos de desnorte nacional, em que Judá, sem líderes capazes, já perdeu as
referências e a esperança no futuro. No texto, Deus condena os “pastores” de
Israel porque dispersaram as ovelhas do rebanho, o que parece aludir ao exílio
na Babilônia. Provavelmente, este texto deve situar-se entre 597 e 586 a.C., no
tempo que vai desde o primeiro exílio (após a primeira queda de Jerusalém – 597
a.C.) ao segundo exílio (após a segunda tomada de Jerusalém pelos babilônios –
586 a.C.).
O
uso da imagem do “pastor” para falar dos líderes da nação é bastante frequente
no Antigo Testamento. Aliás, a imagem adquiriu uma força especial na sequência
de David, o pastor que Jahwéh ungiu e transformou em rei, encarregando-o de
cuidar do rebanho do Povo de Deus.
MENSAGEM
O
nosso texto começa com uma breve exposição da culpa: os “pastores” de Judá
perderam, dispersaram, escorraçaram as ovelhas do Senhor, sem terem cuidado
delas (vs. 1-2a). Cada um dos verbos utilizados faz referência a fatos concretos
(bem recentes) da história de Judá. O aventureirismo, os interesses pessoais, as
jogadas políticas, a inconsciência dos líderes trouxeram consequências funestas
ao Povo, ao “rebanho” de Deus. Os líderes de Judá não procuraram servir o Povo,
mas serviram-se do Povo para concretizar os seus objetivos pessoais. Ora, o
“rebanho” não é propriedade dos “pastores”, mas do Senhor… Deus chamou-os a uma
missão concreta, encarregou-os de cuidar do seu “rebanho” e eles, depois de
terem aceite o compromisso, falharam totalmente.
Depois
da culpa, vem a sentença: Deus vai “ocupar-se” desses maus pastores: vai
castigá-los, pedir-lhes contas das suas más ações (v. 2b). Deus não está
disposto a tolerar abusos de confiança, nem pode pactuar com líderes que
exploram o “rebanho” em seu benefício próprio. Na perspectiva de Deus, trata-se
de algo intolerável e que não pode ser deixado em claro.
Mas
a intervenção de Deus não se fica pelo pedir contas aos maus líderes… O próprio
Jahwéh vai intervir, no sentido de salvar o seu “rebanho”. A intervenção de Deus
justifica-se pelo fato de se tratar do “rebanho” do Senhor e de Ele ter
responsabilidades para com as suas ovelhas.
A
intervenção de Deus vai desenvolver-se em três tempos, ou momentos… O primeiro é
a repatriação dos exilados: as ovelhas serão devolvidas “às sua pastagens para
que cresçam e se multipliquem” (v. 3). Para esta tarefa, Deus não conta com
intermediários: Ele mesmo vai liderar o processo de libertação e de regresso dos
exilados à terra.
O
segundo momento da intervenção de Deus consiste na escolha de “pastores”
exemplares (v. 4). A missão desses “pastores” será, simplesmente, “apascentar”.
Isso implica, naturalmente, o cuidado, a solicitude, o amor, a ternura pelo
rebanho… Esses pastores estarão, naturalmente, ao serviço do rebanho e não
usarão o rebanho para concretizar os seus interesses pessoais. As “ovelhas”
aprenderão a confiar nesse “pastor” que as ama e não terão mais “medo nem
sobressalto”.
O
terceiro momento da intervenção de Deus é projetado para um futuro sem data
marcada. Promete a chegada de um “rebento justo” da dinastia de David (v. 5). A
imagem tirada do reino vegetal (“rebento”) sugere fecundidade e vida em
abundância, porque ele dará vida em abundância ao rebanho de Jahwéh. Ele
assegurará “o direito e a justiça” e trará salvação e segurança ao Povo de Deus.
O nome desse rei será “o Senhor é a nossa justiça” (v. 6), pois é Deus que o
legitima e a sua missão será administrar a justiça que Deus quer. Garantindo a
justiça, esse “pastor” irá trazer a harmonia, a paz, a tranquilidade, a
salvação, a vida verdadeira ao Povo de Deus. Esta promessa com contornos
messiânicos pretende anular a frustração e o desespero e inaugurar um tempo de
esperança para o Povo de Deus.
ATUALIZAÇÃO
•
Antes de mais, o nosso texto mostra a preocupação de Deus com a vida e a
felicidade do seu Povo. Nos momentos conturbados da nossa história (coletiva ou
pessoal) sentimo-nos, muitas vezes, órfãos, perdidos e abandonados ao sabor dos
ventos e das marés… As catástrofes que afetam o mundo, os conflitos que dividem
os povos, a miséria que toca a vida de tantos dos nossos irmãos, os perigos dos
fundamentalismos, as mudanças vertiginosas que o mundo todos os dias sofre, a
perda dos valores em que apostávamos, as novas e velhas doenças, as crises
pessoais, os problemas laborais, as dificuldades familiares trazem-nos a
consciência da nossa pequenez e impotência frente aos grandes desafios que o
mundo hoje nos apresenta. Sentimo-nos, então, “ovelhas” sem rumo e sem destino,
abandonadas à nossa sorte. Por vezes, no nosso desespero, apostamos em
“pastores” humanos que, em lugar de nos conduzirem para a vida e para a
felicidade, nos usam para satisfazer a sua ânsia de protagonismo e para realizar
os seus projetos egoístas… A Palavra de Deus que nos é proposta neste domingo
garante-nos que Deus é o “Pastor” que se preocupa conosco, que está atento a
cada uma das suas “ovelhas”; Ele cuida das nossas necessidades e está
permanentemente disposto a intervir na nossa história para nos conduzir por
caminhos seguros e para nos oferecer a vida e a paz. É n’Ele que temos de
apostar, é n’Ele que temos de confiar. Esta constatação deve ser, para todos os
crentes, uma fonte de alegria, de esperança, de serenidade e de
paz.
•
As ameaças contra os maus pastores apresentadas neste texto de Jeremias talvez
nos tenham levado a pensar nos líderes do mundo, nos nossos governantes e,
talvez também, nos líderes da Igreja. Na verdade, a nossa história recente está
cheia de situações em que as pessoas encarregadas de cuidar da comunidade humana
usaram o “rebanho” em benefício próprio e magoaram, torturaram, roubaram,
assassinaram, privaram de vida e de felicidade essas pessoas que Deus lhes
confiou… De qualquer forma, este texto toca-nos a todos, pois todos somos, de
alguma forma, responsáveis pelos irmãos que caminham conosco. Convida-nos a
refletir sobre a forma como tratamos os irmãos, na família, na Igreja, no
emprego, em qualquer lado… Recorda-nos que os irmãos que caminham conosco não
estão ao serviço dos nossos interesses pessoais e que a nossa função é ajudar
todos a encontrar a vida e a felicidade.
• O
nosso texto faz referência a “um rei” que Deus vai enviar ao encontro do seu
Povo e que governará com sabedoria e justiça. Jesus é a concretização desta
promessa. Ele veio propor ao “rebanho” de Deus a vida plena e verdadeira… Como é
que nós, as “ovelhas” a quem se destina a proposta de salvação que Deus nos faz
em Jesus, acolhemos o que Ele nos veio dizer? As propostas de Jesus encontram
eco na nossa vida? Estamos sempre dispostos a acolher as indicações e os valores
que Ele nos apresenta?
2
leitura: Ef. 2,13-18 - AMBIENTE
A
Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta circular”
enviada a várias Igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão
(em Roma? em Cesareia?). O seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos
anos 58/60.
Alguns
vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que
Paulo sente ter terminado a sua missão apostólica na Ásia e não sabe exatamente
o que o futuro próximo lhe reserva (recordemos que ele está, por esta altura,
prisioneiro e não sabe como vai terminar o cativeiro).
O
tema central da carta aos Efésios é aquilo a que Paulo chama “o mistério”: o
desígnio (ou projeto) salvador de Deus, definido desde toda a eternidade,
escondido durante séculos aos homens, revelado e concretizado plenamente em
Jesus, comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao mundo na
Igreja.
O
texto que nos é aqui proposto integra a parte dogmática da carta. Depois de
refletir sobre o papel de Cristo no projeto de salvação que Deus tem para os
homens (cf. Ef. 2,1-10), Paulo refere-se à reconciliação operada por Cristo, que
com a sua doação uniu judeus e pagãos num mesmo Povo (cf. Ef.
2,11-22).
MENSAGEM
Paulo
dirige-se aos pagãos (“vós outrora longe de Deus” – v. 13) e explica-lhes que
foi pelo sangue de Cristo que eles se aproximaram de Deus. Antes, eles adoravam
os ídolos e tinham convicções religiosas; mas desconheciam o verdadeiro Deus e a
sua proposta de salvação; agora, foram admitidos a fazer parte da família de
Deus.
Além
disso, a entrega de Cristo derrubou a tradicional barreira de inimizade que
separava judeus e pagãos e fez de todos um único Povo. Os judeus, convencidos de
que eram um Povo à parte, desprezavam os pagãos e não queriam qualquer contacto
com eles; as suas leis pugnavam por uma rígida separação e interditavam o
contacto com os outros povos. Os pagãos, por sua vez, nutriam um profundo
desprezo pelos judeus, pela sua diferença, pela sua
arrogância…
Ora,
Cristo veio apresentar uma proposta de vida que é para todos, sem exceção. O que
é decisivo, agora, não é a pertença a um determinado Povo, mas a forma como se
responde à proposta de vida que Jesus faz. Responder positivamente à proposta de
Cristo é passar a integrar a comunidade dos santos. A Lei de Moisés, com as suas
prescrições e exigências (que, na prática, vedavam aos pagãos a possibilidade de
integrar o Povo de Deus), fica anulada… Na nova economia da salvação, o que
conta é a disponibilidade para acolher a vida que Deus oferece e ser Homem
Novo.
Nasce,
assim, um “corpo” que integra os mais diversos membros, pertencentes a todos os
quadrantes da família humana. Todos aqueles que aceitaram integrar a comunidade
de Jesus, sem diferenças de etnias, de raças, de cor da pele, de classes sociais
ou culturais, pertencem à mesma família, a família de Deus. Todos – judeus e
pagãos – são, agora, membros da comunidade trinitária do Pai (que oferece a
vida), do Filho (que vem ao encontro dos homens para lhes comunicar a vida do
Pai) e do Espírito (que mantém unidos os membros deste “corpo” entre si e com
Deus.
ATUALIZAÇÃO
•
O texto que nos é proposto tem, em pano de fundo, essa verdade fundamental que a
liturgia nos recorda todos os domingos: Deus tem uma proposta de salvação para
oferecer a todos os homens, sem exceção; e essa proposta tem como finalidade
inserir-nos na família de Deus. A constatação de que para Deus não há distinções
e todos são, igualmente, filhos amados – para além das possíveis diferenças
rácicas, étnicas, sociais ou culturais – é algo que nos tranquiliza, que nos dá
serenidade, esperança e paz. O nosso Deus é um pai que não marginaliza nenhum
dos seus filhos; e, se tem alguma predileção, não é por aqueles que o mundo
admira e endeusa, mas é pelos mais débeis, pelos mais fracos, pelos oprimidos,
pelos que mais sofrem.
• O
que é verdadeiramente importante, na perspectiva de Deus, não é a cor da pele,
nem as capacidades intelectuais, nem as qualidades humanas, nem a pertença a
determinada instituição política ou religiosa, nem os contributos (em dinheiro
ou em obras) que se dão à Igreja; mas o que é decisivo é ter disponibilidade
para acolher a vida que Ele oferece e para aderir à proposta de caminho que Ele
faz. Estou sempre numa permanente atitude de escuta das propostas de Deus, ou
vivo fechado a Deus e às suas indicações, num caminho de orgulho e de
auto-suficiência? Para mim, o que é que significam as propostas de Deus? Elas
influenciam as minhas opções, os meus valores, as minhas atitudes? A forma como
eu me relaciono com todos os homens e mulheres que encontro nos caminhos deste
mundo é coerente com essa proposta de vida que Deus me
faz?
•
A comunidade cristã é uma família de irmãos, que partilham a mesma fé e a mesma
proposta de vida. É um “corpo”, formado por uma grande diversidade de membros,
onde todos se sentem unidos em Cristo e entre si numa efetiva fraternidade. As
nossas comunidades (cristãs ou religiosas) são, efetivamente, comunidades de
irmãos que se amam, para além das diferenças legítimas que há entre os membros?
Nas nossas comunidades todos os irmãos são acolhidos e amados, ou há irmãos
considerados de segunda classe, marginalizados e maltratados? Eu, pessoalmente,
como é que vejo esses irmãos na fé que caminham comigo? Perante as diferenças de
perspectiva, como é que eu reajo: com respeito pela opinião do outro, ou com
intolerância?
• No
mundo de hoje o fenômeno da globalidade aproxima-nos dos outros homens que
partilham conosco esta casa comum que é o mundo e torna-nos mais tolerantes para
com as diferenças. Contudo, subsistem muros – alicerçados nas diferenças
rácicas, políticas, religiosas, sociais, afetivas – que impedem uma total
experiência de fraternidade universal. Na nossa vida pessoal e familiar, na
nossa vida pessoal e na nossa experiência de caminhada comunitária, aparecem
frequentemente muros que nos dividem, que impedem a comunicação, o encontro, a
comunhão. Nós, os discípulos desse Cristo que veio reconciliar “judeus e gregos”
e fazer de todos “um só povo”, temos o dever de dar testemunho da paz e da
unidade e de lutar objetivamente contra todas as barreiras que separam os
homens.
Evangelho:
Mc. 6,30-34 - AMBIENTE
O
Evangelho do passado domingo mostrava-nos Jesus a enviar os discípulos, dois a
dois, para pregarem o arrependimento, expulsarem os demônios, ungirem e curarem
os doentes (cf. Mc. 6,7-13). O anúncio que é confiado aos discípulos é o anúncio
que Jesus fazia (o “Reino”); os gestos que os discípulos são convidados a fazer
para anunciar o “Reino” são os mesmos que Jesus fez.
O
Evangelho deste domingo apresenta-nos o regresso dos enviados de Jesus. Marcos
chama-lhes, agora, “apóstolos” (enviados): é a única vez que a palavra aparece
no Evangelho segundo Marcos. A missão correu bem e os “apóstolos” estão
entusiasmados, mas naturalmente cansados.
Não
há, no texto, qualquer indicação do lugar onde a cena se teria
desenrolado.
MENSAGEM
O
nosso texto começa com a narração do regresso dos discípulos que, entusiasmados,
contam a Jesus a forma como se tinha desenrolado a missão que lhes fora confiada
(v. 30). Na sequência, Jesus convida-os a irem com Ele para um lugar isolado e a
descansarem um pouco (v. 31). Os discípulos foram, com Jesus, para um lugar
deserto (v. 32); mas as multidões adivinharam para onde Jesus e os discípulos se
dirigiam e chegaram primeiro (v. 33). Ao desembarcar, Jesus viu as pessoas, teve
compaixão delas (“porque eram como ovelhas sem pastor”) e pôs-se a ensiná-las
(v. 34).
O
episódio, em si, é banal… No entanto, Marcos vai aproveitá-lo para desenvolver a
sua catequese sobre o discipulado. A catequese apresentada por Marcos
desenvolve-se à volta dos seguintes pontos:
1.
Os apóstolos são os enviados de Jesus, chamados a continuar no mundo a missão de
Jesus. Essa missão consiste em anunciar o Reino. Para a concretizar, os
apóstolos convidam os homens que escutam a mensagem a mudarem a sua vida e a
acolherem a proposta que Jesus lhes faz. Os gestos dos discípulos (“expulsaram
demônios, curaram doentes” – Mc 6,13) anunciam esse mundo novo de homens livres
e esse projeto de vida verdadeira e plena que Deus quer oferecer a todos os
homens.
2.
A referência à necessidade de os “apóstolos” descansarem (pois nem sequer tinham
tempo para comer) pretende ser um aviso contra o ativismo exagerado, que destrói
as forças do corpo e do espírito e leva, tantas vezes, a perder o sentido da
missão.
3.
Os “apóstolos” são convidados por Jesus a irem com Ele para um lugar isolado. Já
dissemos, acima, que não se nomeia esse lugar: na realidade, o que interessa
aqui não é o lugar geográfico, mas sim que esse “descanso” deve acontecer junto
de Jesus. É ao lado de Jesus, escutando-O, dialogando com Ele, gozando da sua
intimidade, que os discípulos recuperam as suas forças. Se os discípulos não
confrontarem, frequentemente, os seus esquemas e projetos pastorais com Jesus e
a sua Palavra, a missão redundará num fracasso.
4.
Entretanto, as multidões tinham seguido Jesus e os discípulos a pé – quer dizer,
deslocando-se à volta do Lago de Tiberíades, com o barco sempre à vista. Esta
busca incansável e impaciente espelha, com algum dramatismo, a ânsia de vida que
as pessoas sentem… Jesus, cheio de compaixão, compara a multidão a um rebanho
sem pastor. Não é nos líderes religiosos ou políticos da nação que elas
encontram segurança e esperança; não é nos ritos da religião tradicional que
elas encontram paz e sentido para a vida… Mas é em Jesus e na sua proposta que
as multidões encontram vida verdadeira e plena. Na sequência, Marcos vai
narrar-nos a cena da multiplicação dos pães e dos peixes, que saciam a fome de
cinco mil homens.
ATUALIZAÇÃO
•
A proposta salvadora e libertadora de Deus para os homens, apresentada em Jesus,
é agora continuada pelos discípulos. Os discípulos de Jesus são – como Jesus o
foi – as testemunhas do amor, da bondade e da solicitude de Deus por esses
homens e mulheres que caminham pelo mundo perdidos e sem rumo, “como ovelhas sem
pastor”. As vítimas da economia global, os que são colocados à margem da
sociedade e da vida, os estrangeiros que buscam noutro país condições dignas de
vida e são empurrados de um lado para o outro, os doentes que não têm acesso a
um sistema de saúde eficiente, os idosos abandonados pela família, as crianças
que crescem nas ruas, aqueles que a vida magoou e que ainda não conseguiram
sarar as suas feridas, encontram em cada um de nós, discípulos de Jesus, o amor,
a bondade e a solicitude de Deus? Que fizemos com essa proposta de vida nova e
de libertação que Jesus nos mandou testemunhar diante das “ovelhas sem
pastor”?
•
A missão dos discípulos não pode ser desligada de Jesus. Os discípulos devem,
com frequência, reunir-se à volta de Jesus, dialogar com Ele, escutar os seus
ensinamentos, confrontar permanentemente a pregação feita com a proposta de
Jesus. Por vezes, os discípulos (verdadeiramente comovidos com a situação das
“ovelhas sem pastor”) mergulham num ativismo descontrolado e acabam por perder
as referências; deixam de ter tempo e disponibilidade para se encontrarem com
Jesus, para confrontarem as suas opções e motivações com o projeto de Jesus… Por
vezes, passam a “vender”, como verdade libertadora, soluções que são parciais e
que geram dependência e escravidão (e que não vêm de Jesus); outras vezes,
tornam-se funcionários eficientes, que resolvem problemas sociais pontuais, mas
sem oferecerem às “ovelhas sem pastor” uma libertação verdadeira e global;
outras, ainda, cansam-se e abandonam a atividade e o testemunho… Jesus é que dá
sentido à missão do discípulo e que permite ao discípulo, tantas vezes fatigado
e desanimado, voltar a descobrir o sentido das coisas e renovar o se
empenho.
• A
comoção de Jesus diante das “ovelhas sem pastor” é sinal da sua preocupação e do
seu amor. Revela a sua sensibilidade e manifesta a sua solidariedade para com
todos os sofredores. A comoção de Jesus convida-nos a sermos sensíveis às dores
e necessidades dos nossos irmãos. Todo o homem é nosso irmão e tem direito a
esperar de nós um gesto de bondade e de acolhimento. Não podemos ficar no nosso
canto, comodamente instalados, com a consciência em paz (porque até já fomos à
missa e rezamos as orações que a Igreja manda), a ver o nosso irmão a sofrer. O
nosso coração tem de doer, a nossa consciência tem de questionar-nos, quando
vimos um homem ou uma mulher (nem que seja um desconhecido, nem que seja um
estrangeiro) ser magoado, explorado, ofendido, marginalizado, privado dos seus
direitos e da sua dignidade. Um cristão é alguém que tem de sentir como seus os
sofrimentos do irmão.
P.
Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas
Carvalho
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