quinta-feira, 12 de julho de 2012

É POSSÍVEL SER CATÓLICO E A MESMO TEMPO ACREDITAR EM HORÓSCOPO?

Dom Estevão Bettencourt


Para abordarmos devidamente a questão, faz-se mister em primeiro lugar dizer algo sobre o histórico e as doutrinas da Astrologia.

1. A Astrologia através da história
A Astrologia vem a ser a arte de predizer o futuro mediante a observação dos astros, observação interpretada à luz de certas normas filosófico-religiosas.
Embora até o fim da Idade Média Astrologia e Astronomia tenham sido .cultivadas conjuntamente, elas se distinguem uma da outra.
A Astronomia visa apenas observar os astros e, mediante a aplicação de cálculos matemáticos, de leis da Física e da Lógica, predizer condições climáticas, bom ou mau rendimento das colheitas e fenômenos cósmicos previsíveis estritamente segundo métodos científicos; a Astronomia permanece, pois, no setor das ciências naturais (por isto também é chamada «Astrologia natural ou meteorológica»).

A Astrologia propriamente dita, ao contrário, apela para crenças religiosas e místicas que não estão sujeitas ao controle da razão; é também denominada «Astrologia judiciária», porque não prediz fenômenos cósmicos apenas, mas pretende julgar o temperamento pessoal e a futura sorte dos homens.
O berço da Astrologia é a Mesopotâmia, onde, diz Diodoro da Sicilia (séc. I. d.C.), «inigualável limpidez atmosférica permite ver as estrelas como que mais próximas e mais nítidas do que em qualquer outra região». Encontraram-se na segunda metade do século passado, em arquivos do antigo reino da Babilônia, tabuinhas cuneiformes datadas da época do monarca Assurbanipal (668-626 a.C.), as quais já contêm oráculos de Astrologia. Os sacerdotes da Babilônia eram encarregados oficialmente de observar os astros e catalogar as predições que de tal arte se podiam colher; os vaticínios possuíam sempre caráter religioso, pois cada astro da abóbada celeste era tido como a figura concreta de determinado deus.

Nos séc. VI/V a. C. a Astrologia se propagou da Babilônia para a Pérsia, a Índia e o Ocidente greco-romano.

O Cristianismo, desde que começou a se afirmar, mostrou-se alheio às práticas astrológicas. Contudo no séc. VII da nossa era estas receberam notável impulso por parte do islamismo; com efeito, a religião de Maomé herdou algo do antigo culto dos astros praticado pelos árabes; além disto, ela acentua a absoluta dependência do homem em relação a Deus, ensinando mesmo o fatalismo. É o que explica tenham os maometanos experimentado especial afinidade com a Astrologia.

Por influxo dos árabes, encontraram-se durante a Idade Média pensadores latinos que aderiram à Astrologia (no séc. XIII tornou-se famosa a figura de Guido Bonatti, o qual, a serviço do nobre Guido de Montefeltro, subia a Forli sobre a torre de S. Mercurial, para interrogar as estrelas antes de cada empreendimento bélico). Como se sabe, a Cabala judaica contribuiu outrossim eficazmente para nutrir crenças astrológicas no Ocidente latino (a respeito desta corrente de pensamento, veja-se «P. R.» 10/1958, qu. 12).
Nos séc. XIV/XVI o movimento da Renascença corroborou, com suas concepções por vezes pouco cristãs, a estima até então devotada à Astrologia. O Humanismo prezava muito a afinidade da natureza humana com os demais valores naturais; afirmava analogias entre as energias latentes no homem e as dos corpos que cercam a este. A vida do homem assim aparecia muito sujeita à influência e às leis impostas pelo ambiente e pelos… astros.

Em consequência destas ideias, compreende-se que a medicina renascentista (para não dizermos também : medieval) tenha estado muito ligada à Astrologia: Paracelso (+1541) estipulou uma série de doenças produzidas por influência das esferas celestes; dizia que qualquer corpo, de animal ou de planta, era sede de um espírito emanado dos astros, espírito que presidia à formação dessa matéria. Por causa da afinidade geralmente admitida entre os diversos elementos do mundo, os astrólogos admitiam poder terapêutico em certas plantas que tinham aspecto semelhante ao de um órgão doente; assim a erva «dente de cão» serviria para repelir a dor de dentes; a cenoura (por sua cor) combateria a palidez; a pulmonária, os males do pulmão, etc.

Com o desenvolvimento da Astronomia científica, devido principalmente a Galileu (+1642), a Astrologia foi aos poucos perdendo sua voga. No fim do séc. XVIII, porém, alguns ocultistas pretenderam restaurá-la, de sorte que em nossos dias são principalmente as correntes esotéricas (isto é, de iniciação secreta) que apelam para as normas da Astrologia; esta parece comunicar às concepções fantasistas da pseudo-mística um caráter científico, fidedigno…

O expressionismo das línguas modernas até hoje guarda vestígios do modo de falar dos astrólogos. Tenham-se em vista as seguintes locuções: «ser lunático, ter boa ou má estrela, sofrer os efeitos de uma maré de sorte,… de uma boa ou má hora, estar o tempo saturno, viver um dia aziago» (os romanos contavam seus dias fasti e nefasti).

Após este esboço histórico, voltemo-nos para a consideração das:
2. Linhas-mestras doutrinárias da Astrologia (o horóscopo)
Três são as principais modalidades de Astrologia cultivadas pelos gregos no início da nossa era e praticadas através dos séculos:
a) o «sistema das interrogações», que visa captar resposta para os casos da vida cotidiana;
b) o «sistema das escolhas», que tem por fim averiguar o momento oportuno para se dar início a determinado trabalho ou empreendimento importante;
c) o «sistema das natividades», que se propõe prever acontecimentos referentes a pessoas, de acordo com o momento em que estas nasceram. É tal técnica que recebe propriamente o nome dehoroscopia. Detenhamo-nos um pouco sobre as suas leis.
O nome horóscopo (do grego horoskópos) designa a arte de observar (skopein) a posição dos astros por ocasião (hora) do nascimento de uma criança. O momento preciso da natividade e a respectiva configuração de astros são tidos como importantes para se descrever a futura sorte do indivíduo, assim como para se interrogarem os astros no decurso da existência dessa pessoa.
Pois bem. Sete são, segundo as concepções cosmológicas dos antigos, os «planetas» que entram na consideração da horoscopia: a Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno. Cada um desses planetas simboliza determinada época ou idade da vida humana: a Lua, por exemplo, a primeira infância; Mercúrio, a Juventude;… Saturno, a decrepitude.
Para determinar com exatidão a posição dos planetas no céu, a horoscopia distingue na linha do horizonte (concebida como um anel que envolve a Terra) doze compartimentos iguais chamados «casas do horóscopo». A cada um desses compartimentos corresponde um símbolo ou um sinal próprio; os doze símbolos assim concebidos constituem os famosos sinais do zodíaco (do grego zódion, sinal), que assim se denominam:
1. Aríete (Carneiro) 8. Escorpião
2. Touro 9. Arqueiro (Sagitário)
3. Gêmeos (Irmãos) 10 . Capricórnio (Cabra com cauda de peixe)
4. Câncer (Caranguejo) 11. Ânfora (aquário)
5. Leão 12. Peixes
6. Virgem
7. Balança
Os doze nomes podem ser agrupados em dois versos mnemônicos latinos:
«Sunt Aries, Taurus, Gemini, Câncer, Leo, Virgo, Libra, Scorpio, Arcitenens, Caper, Amphora, Pisces».
A origem desses títulos se deve à mitologia oriental e grega.
Cada um dos sinais do círculo zodiacal, por sua vez, significa um aspecto ou uma situação da vida do indivíduo. Imaginem-se agora as múltiplas combinações possíveis dos sete planetas com os doze sinais do zodíaco; cada uma dessas combinações vem a ser um oráculo do destino, que marca decisivamente o temperamento e o currículo de vida da pessoa que nasce sob a sua égide. Deve-se ainda observar que cada qual dos sete planetas tem, dentre as doze casas do horóscopo, a sua mansão própria, na qual o astro é mais enérgico e a partir da qual exerce influência mais eficaz do que nas outras casas.
Eis o valor simbólico dos diversos sinais do zodíaco ou das casas do horóscopo:
A 1ª casa (Aríete) significa a Vida. Nela se determinam a complexão e as potencialidades da alma e do corpo. É esta casa que por excelência marca o caráter e o aspecto físico da pessoa.
A 2ª casa é a dos Peixes (a série se desenvolve doravante em ordem regressiva). Assinala o desenvolvimento material, seja corpóreo (crescimento), seja financeiro (riquezas), definindo assim as relações do indivíduo com o seu ambiente imediato, com os seus bens móveis e as suas economias.
A 3ª casa (Ânfora) determina as relações da pessoa com seus irmãos e vizinhas.
A 4ª casa (Capricórnio) diz respeito à hereditariedade, representando os laços de parentesco, ascendência, raça e pátria.
A 5ª casa (Arqueiro) significa a geração material; representa, por conseguinte, os filhos, a expansão instintiva do indivíduo, os seus prazeres e as suas façanhas de juventude.
A 6ª casa (Escorpião) denota o desenvolvimento moral, o que vem a ser a felicidade da pessoa, felicidade condicionada por saúde, empregados, vocação social, inimigos.
A 7ª casa (Balança) marca a união. É a casa de todos os contratos: casamentos, sociedades comerciais, sociais, políticas…
A 8ª casa (Virgem) determina as obrigações materiais; toca de perto os problemas de conservação do corpo, decrepitude e morte.
A 9ª casa (Leão) tem por objeto a geração intelectual (Religião, filosofia, sonhos, viagens distantes).
A 10ª casa (Câncer) indica a atividade, isto é, profissão, cargos e autoridade que possam convir à pessoa.
A 11ª casa (Gêmeos) compreende a associação material, isto é, amizades, relações humanas, clientela comercial, lucros de trabalho, etc.
A 12ª casa (Touro) designa as obrigações morais, ou seja, os vínculos materiais e morais que prendem o homem ao trabalho e às idéias. É a casa da inimizade, do cárcere, do ciúme, da inveja, da maldade.
Na Idade Média, o significado das doze casas do horóscopo era resumido nos dois seguintes versos:
«Vita, lucrum, fratres, genitor, nati, valetudo, Uxor, mors, pietas, regnum, benefactaque, carcer.»
As várias casas do horóscopo não gozam todas do mesmo poder influente na vida do indivíduo; a primeira (Aríete) é a mais influente; a décima (Câncer) vem logo a seguir, nessa escala.

Dentre os sete astros, ensinam os astrólogos, dois implicam sempre bom presságio: Vênus e Júpiter. Ao contrário, Marte e Saturno são maléficos; o Sol, Mercúrio e a Lua são neutros, capazes de se combinar com a influência boa ou má dos anteriores. Também aos signos zodiacais é atribuída influência de bom ou mau agouro: benéficos são o Touro, o Câncer, o Leão, a Virgem, o Arqueiro e os Peixes; maléficos vêm a ser o Aríete, os Gêmeos, a Balança, o Escorpião, o Capricórnio e a Ânfora. Além disso, os doze sinais zodiacais são distribuídos em quatro tríades, cada uma das quais corresponde a um dos elementos fundamentais da natureza:
Gêmeos, Balança e Ânfora — Ar
Touro, Virgem e Capricórnio — Terra
Câncer, Escorpião e Peixes — Água
Aríete, Leão e Arqueiro — Fogo

Na antiguidade, os astrólogos atribuíam influências masculinas aos sinais do Ar e do Fogo; femininas, aos da Terra e da Água.
Poder-se-iam multiplicar os princípios e normas observados pela horoscopia; os que foram acima expostos, dão suficientemente a ver quão relevantes são as partes da fantasia (quase humorista) no cultivo dessa arte.
3. Uma conceituação…
1. A Astrologia e as suas diversas aplicações se baseiam, como vimos, no pressuposto de que os astros exercem influência decisiva não somente sobre os fenômenos naturais, mas também sobre a vontade e a vida moral dos homens. Nessa concepção o livre arbítrio da criatura e a Providência paterna de Deus carecem de significado. É o que S. Agostinho notava nos seguintes termos:
«Os astrólogos pretendem que no céu se acha a causa inevitável do pecado; foi Vênus, Saturno ou Marte que nos fez executar esta ou aquela ação. Querem assim isentar de culpa o homem, o qual é carne, sangue e verme soberbo, e procuram transferir a responsabilidade para Aquele que criou e governa tanto o céu como as estrelas» (Confissões IV 3).

Ora, por induzirem o determinismo e o fatalismo, a Astrologia e, em particular, a horoscopia entram em conflito não somente com a fé cristã, mas também com a sã filosofia (sobre a liberdade de arbítrio no homem, veja-se «P. R.» 5/1958, qu. 3, 6 e 7).
Além disto, deve-se observar que as práticas astrológicas estão não raro associadas a teses panteístas. Com efeito, há quem explique a influência dos astros sobre a vida terrestre, afirmando que todos os seres — celestes e terrestres, divinos e humanos — não são senão combinações dos quatro elementos fundamentais (terra, água, ar, fogo) ou meras expressões de uma única substância universal, vivificada pela «alma do mundo». Ora o raciocínio sadio tem o panteísmo e o monismo na conta de aberrações filosóficas (cf. «P. R.» 7/1957, qu. 1).

2. Tais erros justificam as repetidas condenações que os documentos da fé cristã têm proferido sobre a Astrologia em geral.
Já a Sagrada Escritura admoesta :
«Não temais os sinais do céu, que os gentios receiam, pois vãos são os ritos dos povos» (Jer 10,2 ; cf. Is 47,13).
«Não vos dirijais aos feiticeiros nem consulteis os adivinhos, para não vos contaminardes pelo seu contato; sou o Senhor vosso Deus» (Lev 19,31).

A Tradição cristã sempre repudiou a Astrologia como sendo superstição, isto é, atribuição de feitos maravilhosos a causas por si ineptas para tanto, o que equivale a derrogar ao conceito de Deus ou a «tentar» a Deus.

Seja citado mais uma vez S. Agostinho:
«Ele (o astrólogo convertido à fé cristã), seduzido pelo inimigo em virtude da sua boa fé, foi durante muito tempo astrólogo, seduzido e sedutor, enganado e enganador. Atraiu, enganou, proferiu muitas mentiras contra Deus, o qual teria dado aos homens o poder de fazer o bem, e não o de cometer o mal. O adultério, não é a minha vontade própria que o comete, mas é Vênus; o homicídio, não é a minha vontade própria que o realiza, mas é Marte; o justo, não é Deus quem o justifica, mas é Júpiter; e muitos despropósitos sacrílegos (eram assim proferidos pelo astrólogo).

A quantos cristãos não roubou ele o dinheiro! Quantos dele não compraram mentiras!» (En. in Ps 61,23).
As palavras condenatórias de S. Agostinho encontraram amplo eco em concílios regionais; basta citar os de Toledo, no ano de 447, e Braga em 561 (cf. Denziger, Enchiridion 35.239). Aos 5 de janeiro de 1566 o Papa Sixto V condenou mais uma vez a Astrologia mediante a bula «Caeli et terrae Creator», documento este que Urbano VIII corroborou e ampliou na nova bula «Inscrutabilis iudiciorurnn de 31 de março de 1621.
3. Aliás, parece digno de nota o fato de que, até mesmo entre os mestres da cultura pagã, se fizeram ouvir vozes depreciativas sobre a técnica dos astrólogos (os quais eram equivalentemente chamados em Roma «astronomi, astrologi, mathematici, planetarii, genethliaci, chaldaei, babylonii»). É de Tácito (+120 d.C.), por exemplo, o seguinte juizo:
«Mathematici genus hominum potentibus infidum, sperantibus fallax. — Os matemáticos (astrólogos) constituem uma categoria de homens desleal para os poderosos, enganadora para os esperançosos» (Hist. I 22).

Cícero (+43 d.C.), por sua vez, escreve:

«Contemnamus babylonios et eos qui ex Caucaso, caeli signa ser- vantes, numeris et motibus stellarum cursus persequuntur; con- demnemus eos aut stultitiae aut vanitatis aut imprudentiae. — Desprezemos os babilônios e os que, oriundos do Cáucaso, observam os sinais do céu, assinalam com números e traçados o curso dos astros. Condenemo-los por motivo ou de tolice ou de vaidade ou de imprudência» (De divin. I 19).
Embora os pagãos, principalmente em Roma, não tivessem senso religioso muito apurado, sabiam por vezes denunciar os abusos da fantasia e da pseudo-mística…
4. Por fim, observar-se-á que o repúdio da Astrologia dita judiciária não impede se reconheça certa solidariedade vigente entre os elementos da natureza irracional e o corpo humano que vive em meio a estes. Não se negará que os astros, por sua massa, sua temperatura, seus raios, influenciam as disposições fisiológicas do corpo humano. Verdade é que não se poderia determinar até que ponto preciso se estende tal influência (hoje em dia, a telepatia, a telestesia, a percepção extrassensorial ainda estão em exploração); não há dúvida, porém, de que os influxos da natureza sobre o corpo humano estão longe de implicar o liame estreito que os antigos astrólogos admitiam entre os fenômenos celestes e os atos da vida humana. A utilização das energias da natureza para promover o bem-estar do homem dever-se-á basear estritamente em resultados da observação empírica e do cálculo matemático; não seria lícito mesclar a isso teorias religiosas ou místicas; a observação dos astros há de ser cultivada como ciência, e não como técnica religiosa.

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