A
narrativa do envio dos Doze encontra-se nos três evangelhos sinóticos (Mateus,
Marcos e Lucas), com algumas variantes peculiares a cada evangelista. Marcos já
registrara que Jesus constituíra os Doze para que ficassem com ele, para
enviá-los a pregar (Mc. 3,14). Depois de um tempo de convívio, conhecimento e
experiência comum de vida, Jesus, agora, os envia integrando-os em sua própria
missão. Marcos destaca que os discípulos foram enviados dois a dois. O chamado
dos discípulos, no início do ministério de Jesus, também fora de dois em dois.
Na missão prevalece a dimensão da parceria, do diálogo e da solidariedade, na
corresponsabilidade, sem disputas de liderança.
Marcos
não mostra um maior interesse quanto ao desenvolvimento e sucesso da missão a
que os Doze foram enviados, dedicando a isto apenas alguns versículos
(6,12s.30). Ele consagra seu texto às instruções de Jesus. O seu interesse maior
é destacar a metodologia a ser assumida, que serve de paradigma para as
comunidades em continuidade à missão de Jesus e de seus discípulos. O
despojamento proposto é essencial à missão. A pobreza deve ser assumida, não
como ostentação de virtude, mas como abandono real nas mãos de Deus, confiantes
na bondade e na hospitalidade daqueles que encontrarem pelo caminho. O que for
necessário para a caminhada deve ser levado pelos discípulos, por exemplo, as
sandálias e o cajado (em Mateus eles estão proibidos, e Lucas os omite). A casa
é a base da missão. Aquelas em que os discípulos forem recebidos podem ser novos
centros de missão, formando uma rede missionária.
A
proclamação à conversão é ousada e contundente, como testemunhou o profeta Amós,
denunciando uma religião a serviço do poder, tendo seu santuário como
dependência do palácio real (primeira leitura). No mesmo estilo foi erigido o
Templo de Jerusalém, como anexo do palácio de Salomão, no qual eram acumuladas
imensas riquezas. Jesus, no seu tempo, o denunciará como sendo covil de
ladrões.
Na
carta aos Efésios (segunda leitura), que na tradição cristã havia sido atribuída
a Paulo, é destacada a redenção operada por Cristo, na perspectiva sacrifical
característica das comunidades primitivas vinculadas a Jerusalém. Porém, na
perspectiva da simplicidade da encarnação, já se tem a revelação do imenso amor
de Deus, Pai e Mãe. Pela vida de Jesus de Nazaré, Filho de Deus e filho de
Maria, em seus anos de convívio amoroso com seus discípulos e as multidões, Deus
revelou a sua escolha a todos os homens e mulheres para participarem de sua Vida
divina e eterna, na prática do amor, seguindo o caminho de
Jesus.
José
Raimundo Oliva
A
liturgia do 15º domingo do tempo comum recorda-nos que Deus atua no mundo
através dos homens e mulheres que Ele chama e envia como testemunhas do seu
projeto de salvação. Esses “enviados” devem ter como grande prioridade a
fidelidade ao projeto de Deus e não a defesa dos seus próprios interesses ou
privilégios.
A
primeira leitura apresenta-nos o exemplo do profeta Amós. Escolhido, chamado e
enviado por Deus, o profeta vive para propor aos homens – com verdade e
coerência – os projetos e os sonhos de Deus para o mundo. Atuando com total
liberdade, o profeta não se deixa manipular pelos poderosos nem amordaçar pelos
seus próprios interesses pessoais.
A
segunda leitura garante-nos que Deus tem um projeto de vida plena, verdadeira e
total para cada homem e para cada mulher – um projeto que desde sempre esteve na
mente do próprio Deus. Esse projeto, apresentado aos homens através de Jesus
Cristo, exige de cada um de nós uma resposta decidida, total e sem
subterfúgios.
No
Evangelho, Jesus envia os discípulos em missão. Essa missão – que está no
prolongamento da própria missão de Jesus – consiste em anunciar o Reino e em
lutar objetivamente contra tudo aquilo que escraviza o homem e que o impede de
ser feliz. Antes da partida dos discípulos, Jesus dá-lhes algumas instruções
acerca da forma de realizar a missão… Convida-os especialmente à pobreza, à
simplicidade, ao despojamento dos bens materiais.
1ª
leitura: Am. 7,12-15 - AMBIENTE
Amós,
o “profeta da justiça social”, exerceu o seu ministério profético no reino do
Norte (Israel) em meados do séc. VIII a.C. (possivelmente, por volta de 762 a.
C.), durante o reinado de Jeroboão II. É uma época de prosperidade econômica e
de tranquilidade política: as conquistas de Jeroboão II alargaram
consideravelmente os limites do reino e permitiram a entrada de tributos dos
povos vencidos; o comércio e a indústria (mineira e têxtil) desenvolveram-se
significativamente… As construções da burguesia urbana atingiram um luxo e
magnificência até então desconhecidos.
A
prosperidade e bem-estar das classes favorecidas contrastavam, porém, com a
miséria das classes baixas. O sistema de distribuição estava nas mãos de
comerciantes sem escrúpulos que, aproveitando o bem-estar económico, especulavam
com os preços. Com o aumento dos preços dos bens essenciais, as famílias de
menores recursos endividavam-se e acabavam por se ver espoliadas das suas terras
em favor dos grandes latifundiários. A classe dirigente, rica e poderosa,
dominava os tribunais e subornava os juízes, impedindo que o tribunal fizesse
justiça aos mais pobres e defendesse os direitos dos menos
poderosos.
Entretanto, a religião florescia num esplendor ritual nunca visto. Magníficas festas, abundantes sacrifícios de animais, um culto esplendoroso, marcavam a vida religiosa dos israelitas… O problema é que esse culto não tinha nada a ver com a vida: no dia a dia, os mesmos que participavam nesses ritos cultuais majestosos praticavam injustiças contra o pobre e cometiam toda a espécie de atropelos ao direito. Ainda mais: os ricos ofereciam a Deus abundantes ofertas, a fim de serenar as suas consciências culpadas e a fim de assegurar a cumplicidade de Deus para os seus negócios escuros… Além disso, a influência da religião cananeia estava a levar os israelitas para o sincretismo religioso: o culto a Jahwéh misturava-se com rituais pagãos provenientes dos cultos a Baal e Astarte. Essa confusão religiosa punha em sérios riscos a pureza da fé jahwista.
Entretanto, a religião florescia num esplendor ritual nunca visto. Magníficas festas, abundantes sacrifícios de animais, um culto esplendoroso, marcavam a vida religiosa dos israelitas… O problema é que esse culto não tinha nada a ver com a vida: no dia a dia, os mesmos que participavam nesses ritos cultuais majestosos praticavam injustiças contra o pobre e cometiam toda a espécie de atropelos ao direito. Ainda mais: os ricos ofereciam a Deus abundantes ofertas, a fim de serenar as suas consciências culpadas e a fim de assegurar a cumplicidade de Deus para os seus negócios escuros… Além disso, a influência da religião cananeia estava a levar os israelitas para o sincretismo religioso: o culto a Jahwéh misturava-se com rituais pagãos provenientes dos cultos a Baal e Astarte. Essa confusão religiosa punha em sérios riscos a pureza da fé jahwista.
É
neste contexto que aparece o profeta Amós. Natural de Técua (uma pequena aldeia
situada no deserto de Judá), Amós não é profeta profissional; mas, chamado por
Deus, deixa a sua terra e parte para o reino vizinho para gritar à classe
dirigente a sua denúncia profética. A rudeza do seu discurso, aliada à
integridade e afoiteza da sua fé, traz algo do ambiente duro do deserto e
contrasta com a indolência e o luxo da sociedade israelita da
época.
O
episódio que a primeira leitura deste domingo nos propõe leva-nos até ao
santuário de Betel, no centro da Palestina. Trata-se de um lugar considerado
sagrado, desde tempos imemoriais. De acordo com Gn 35,1-8, Jacob construiu aí um
altar e dedicou-o a Jahwéh. Mais tarde, Betel aparece como o local onde se reúne
a assembléia de “todo o Israel” para “consultar Deus” (cf. Jz. 20,18), para
chorar diante de Deus a sua infelicidade (cf. Jz. 20,26) e para se encontrar com
Deus (cf. Jz. 21,2). Tudo isto reflete a importância cultual do
lugar.
Quando
o Povo de Deus se dividiu em dois reinos, após a morte de Salomão (932 a.C.), os
reis do norte (Israel) potenciaram o culto em Betel, para impedir que os seus
súbditos tivessem de deslocar-se a Jerusalém, situado no reino inimigo do sul
(Judá). Então, Betel transformou-se numa espécie de “santuário oficial” do
regime, onde o culto era financiado, em grande parte, pelo próprio rei. O
sacerdote que presidia ao culto era uma espécie de “funcionário real”,
encarregado de zelar para que os interesses do rei fossem defendidos, nesse
local por onde passava uma parte significativa dos fiéis de Israel. Na época em
que Amós exerce o seu ministério profético em Betel, o sacerdote encarregado do
santuário era um tal Amasias. Alguns elementos que chegaram até nós parecem
indiciar também a existência em Betel de uma imagem de um bezerro, que
representava Jahwéh e que era adorado pelos fiéis (cf. Os.
10,5).
Betel
é um dos lugares onde ecoa a denúncia profética de Amós. Provavelmente, Amós
criticou as injustiças cometidas pelo rei e pela classe dirigente; e,
certamente, denunciou, nesse lugar, um culto que era aliado da injustiça e que
procurava comprometer Deus com os esquemas corruptos dos
poderosos.
MENSAGEM
O
nosso texto descreve o confronto entre o sacerdote Amasias e o profeta Amós. É
um texto fundamental para entendermos a missão do profeta, a sua liberdade face
aos interesses do mundo e dos poderes instituídos.
O
sacerdote Amasias é o homem da religião oficial, enfeudada aos interesses do rei
e da ordem estabelecida, comprometida com o poder político. Para ele, o que
interessa é manter intocável um sistema que assegura benefícios mútuos, quer ao
trono, quer ao altar. Nesse sistema, o rei é o guardião supremo da ordem
instituída e não há lugar (nem necessidade) de uma intervenção que ponha em
causa a ordem estabelecida. A tarefa da religião é, na perspectiva de Amasias,
proteger e legitimar os interesses do rei; em troca, o rei sustenta o santuário.
Trono e religião são, assim, cúmplices ligados por interesses mútuos, que fazem
tudo para manter o “statu quo” e os privilégios. O próprio Amasias tem
muito a perder, se as coisas não correrem bem, já que é um funcionário real cuja
função é defender os interesses do rei. A religião de Amasias é uma religião
escrava dos interesses, que se ajoelha diante dos poderosos e que está
completamente fechada aos desafios de Deus (que, se fossem escutados e
acolhidos, poderiam desarranjar o sistema). Nesta perspectiva, a denúncia de
Amós soa a rebelião contra os interesses enlaçados do poder e da religião, a
doutrina subversiva que põe em causa as estruturas e que abala os fundamentos da
ordem estabelecida. Por isso, há que usar toda a força do sistema para calar a
voz incômoda do profeta. Amós é, portanto, denunciado, convidado a deixar o
santuário e a voltar à sua terra para “ganhar aí o seu
pão”.
A
resposta de Amós deixa claro que o profeta é um homem livre, que não atua por
interesses humanos (próprios ou alheios), mas por mandato de Deus. A iniciativa
de ser profeta não foi sua… Deus é que veio ao seu encontro, interrompeu a
normalidade da sua vida e convocou-o para a missão. De resto, a profecia não é,
para ele, uma ocupação profissional, ou uma forma de realizar interesses
pessoais. Amós é profeta porque Deus irrompeu na sua vida com uma força
irresistível, tomou conta dele e enviou-o a Israel. O profeta não está,
portanto, preocupado com os interesses do rei ou com os interesses do sacerdote
Amasias, ou com a perpetuação de uma ordem social injusta e opressora… Ele foi
convocado para ser a voz de Deus e só lhe interessa cumprir a missão que Deus
lhe confiou. Doa a quem doer, é isso que Amós procurará fazer. Ele não pode, nem
quer ficar calado… A sua missão (ainda que isso custe a Amasias e ao rei) tem
autoridade por si própria, porque vem de Deus e Deus é infinitamente maior do
que o rei. Munido dessa autoridade (que não só o legitima na sua ação profética,
mas até o obriga a ser fiel à missão que lhe foi confiada), Amós anuncia (num
desenvolvimento que o texto que nos é proposto não conservou – cf. Am. 7,16-17)
o castigo para o rei, para Amasias e para toda a nação
infiel.
ATUALIZAÇÃO
• Neste
texto – como em tantos outros textos proféticos – transparece a absoluta
convicção de que o profeta é um homem de Deus, escolhido por Deus, chamado por
Deus, enviado por Deus, legitimado por Deus. Deus está na origem da vocação
profética; e a atuação do profeta só faz sentido se partir de Deus e se tiver
como objetivo apresentar aos homens as propostas de Deus. É preciso que nós
crentes – constituídos profetas pelo batismo – tenhamos Deus como a referência
de onde parte e para onde se orienta a nossa ação e missão proféticas. Nenhum
profeta o é por sua iniciativa pessoal, ou para anunciar propostas pessoais; mas
é Deus que nos chama, que nos envia e que está na base desse testemunho que
somos chamados a dar no meio dos homens.
• O
profeta é um homem livre, que não se amedronta nem se dobra face aos interesses
dos poderosos. Por isso, o profeta não pode calar-se perante a injustiça, a
opressão, a exploração, tudo o que rouba a vida e impede a realização plena do
homem. Amasias – o sacerdote que alinha ao lado dos poderosos, que defende
intransigentemente a ordem estabelecida, que se compromete com ela, que vende a
sua consciência para manter o lugar e que transige com a injustiça para não
incomodar os poderosos – é um exemplo a não seguir… Amós, o profeta que não se
cala nem se vende, que está disposto a arriscar tudo (inclusive a própria vida)
para defender os pequenos e os fracos e que não hesita em propor os projetos de
Deus para o homem e para o mundo, deve ser o modelo para qualquer crente a quem
Deus chama a cumprir uma missão profética no meio do
mundo.
• Amasias
é o homem comodamente instalado nos seus privilégios, benesses, que cala a voz
da própria consciência porque tem muito a perder e não quer arriscar; Amós é o
profeta livre da preocupação com os bens materiais, que não está preocupado com
a defesa dos próprios interesses, mas sim com a defesa intransigente dos
interesses dos pobres e marginalizados, que são os interesses de Deus. A
diferença entre os dois é a diferença entre aquele para quem os valores
materiais são a prioridade fundamental e aquele para quem os valores de Deus são
a prioridade fundamental. O verdadeiro profeta não pode colocar os bens
materiais como a sua prioridade fundamental; se isso acontecer, perderá a sua
liberdade profética e tornar-se-á um escravo de quem lhe
paga.
• Este
texto fala-nos também da promiscuidade entre a religião e o poder. Trata-se de
uma combinação que não produz bons frutos (como, aliás, a história da Igreja tem
demonstrado nas mais diversas épocas e lugares). A Igreja, para poder exercer
com fidelidade a sua missão profética, tem de evitar colar-se aos poderosos e
depender deles, sob pena de ser infiel à missão que Deus lhe confiou. Uma Igreja
que está preocupada em não incomodar o poder para manter privilégios fiscais, ou
para continuar a receber dinheiro para as instituições que tutela, será uma
Igreja escrava, de mãos atadas, dependente, que está longe de Jesus Cristo e da
sua proposta libertadora.
2
leitura: Ef. 1,3-14 - AMBIENTE
A
cidade de Éfeso, capital da Província romana da Ásia, estava situada na costa
ocidental da Ásia Menor. O seu importante porto e a sua numerosa população
faziam dela uma cidade florescente. Paulo passou em Éfeso na sua segunda viagem
missionária (cf. At. 18,19-21) e, durante a sua terceira viagem missionária, fez
de Éfeso o quartel-general, a partir do qual evangelizou toda a zona ocidental
da Ásia Menor.
A nossa Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em Cesareia? Em Roma?). O seu portador é um tal Tíquico.
A nossa Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em Cesareia? Em Roma?). O seu portador é um tal Tíquico.
Alguns
vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que
a missão do apóstolo está praticamente terminada no oriente. O tema mais
importante da carta aos Efésios é aquilo que o autor chama “o mistério”:
trata-se do projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre,
escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus,
comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela
Igreja.
O texto que nos é hoje proposto aparece no início da carta. É um hino litúrgico que deve ter circulado nas comunidades cristãs antes de ser enxertado aqui por Paulo. Este hino dá graças pela ação do Pai (cf. Ef. 1,3-6), do Filho (cf. Ef. 1,7-12) e do Espírito Santo (cf. Ef. 1,13-14), no sentido de oferecer aos homens a salvação.
O texto que nos é hoje proposto aparece no início da carta. É um hino litúrgico que deve ter circulado nas comunidades cristãs antes de ser enxertado aqui por Paulo. Este hino dá graças pela ação do Pai (cf. Ef. 1,3-6), do Filho (cf. Ef. 1,7-12) e do Espírito Santo (cf. Ef. 1,13-14), no sentido de oferecer aos homens a salvação.
MENSAGEM
A
ação de graças dirige-se a Deus, pois Ele é a fonte última de todas as graças
concedidas aos homens. Essas graças atingiram os homens através do Filho, Jesus
Cristo.
Qual
é então, segundo este hino, a ação do Pai?
O
Pai, no seu amor, elegeu-nos desde sempre (“antes da criação do mundo”).
Elegeu-nos para quê? A resposta é: “para sermos santos e irrepreensíveis”. A
palavra “santo” indica a situação de alguém que foi separado do mundo e
consagrado a Deus, para o serviço de Deus; a palavra “irrepreensível” era usada
para falar das vítimas oferecidas em sacrifício a Deus, que deviam ser
imaculadas e sem defeito… Significa, pois, uma santidade (isto é, uma
consagração a Deus) verdadeira e radical.
Além
de nos eleger, o Pai predestinou-nos “para sermos seus filhos adotivos”. Através
de Cristo, o Pai ofereceu-nos a sua vida e integrou-nos na sua família na
qualidade de filhos. O fim desta ação de Deus é o louvor da sua
glória.
“Eleição”
e “adoção como filhos” resultam do imenso amor de Deus pelos homens – um amor
que é gratuito, incondicional e radical.
E
Jesus Cristo, o Filho, que papel teve neste processo?
Nos
vs. 7-10, o autor do hino refere-se ao sangue derramado de Cristo e ao seu
significado redentor. A morte de Jesus na cruz é o sinal evidente do espantoso
amor de Deus pelos homens; e dessa forma, Deus ensinou-nos a viver no amor, no
amor total e radical. Através de Cristo, Deus derramou sobre nós a sua graça,
tornando-nos pessoas novas e diferentes, capazes de viver no amor. Assim, Deus
manifestou-nos o seu projeto de salvação (que o hino chama “o mistério”) e que
consiste em levar-nos a uma identificação plena com Jesus (na sua ilimitada
capacidade de amar e de dar vida), a uma unidade e harmonia totais com Jesus.
Identificando-nos com Cristo e ensinando-nos a viver no amor total e radical,
Deus reconciliou-nos consigo, com todos os outros e com a própria natureza. Da
ação redentora de Cristo nasceu, pois, um Homem Novo, capaz de um novo tipo de
relacionamento (não marcado pelo egoísmo, pelo orgulho, pela auto-suficiência,
mas marcado pelo amor e pelo dom da vida) com Deus, com os outros homens e
mulheres e com toda a criação.
Dessa
forma, em Cristo fomos constituídos filhos de Deus e herdeiros da salvação,
conforme o projeto de Deus preparado desde toda a eternidade em nosso favor (vs.
11-12).
Os
crentes que aderiram a Jesus foram marcados pelo “selo” do Espírito. Esse “selo”
é a marca que atesta a nossa integração na família divina e a garantia de que um
dia participaremos na vida eterna, plena e verdadeira, conforme o plano que Deus
tem para nós (vs. 13-14).
ATUALIZAÇÃO
• O
nosso texto afirma, de forma clara, que Deus tem um projeto de vida plena e
total para os homens, um projeto que desde sempre esteve na mente de Deus. É
muito importante termos isto em conta: não somos um acidente de percurso na
evolução inexorável do cosmos, mas somos atores principais de uma história de
amor que o nosso Deus sempre sonhou e que Ele quis escrever e viver conosco… No
meio das nossas desilusões e dos nossos sofrimentos, da nossa finitude e do
nosso pecado, dos nossos medos e dos nossos dramas, não esqueçamos que somos
filhos amados de Deus, a quem Ele oferece continuamente a vida definitiva, a
verdadeira felicidade.
• De
acordo com o nosso texto, Deus “elegeu-nos… para sermos santos e
irrepreensíveis”. Já vimos que “ser santo” significa ser consagrado para o
serviço de Deus. O que é que isto implica em termos concretos? Entre outras
coisas, implica tentar descobrir o plano de Deus, o projeto que Ele tem para
cada um de nós e concretizá-lo dia a dia com verdade, fidelidade e radicalidade.
No meio das solicitações do mundo e das exigências da nossa vida profissional,
social e familiar, temos tempo para Deus, para dialogar com Ele e para tentar
perceber os seus projetos e propostas? E temos disponibilidade e vontade de
concretizar as suas propostas, mesmo quando elas não são conciliáveis com os
nossos interesses pessoais?
• O
nosso texto afirma ainda a centralidade de Cristo nesta história de amor que
Deus quis viver conosco… Jesus veio ao nosso encontro, cumprindo com
radicalidade a vontade do Pai e oferecendo-Se até à morte para nos ensinar a
viver no amor. Como é que assumimos e vivemos essa proposta de amor que Jesus
nos apresentou? Aprendemos com Ele a amar sem exceção e com radicalidade? Somos
profetas que testemunham, diante do mundo, o projeto de Deus? Aqueles que
caminham pelo mundo ao nosso lado encontram nos nossos gestos e atitudes sinais
vivos do amor de Deus revelado em Jesus?
Evangelho:
Mc. 6,7-13 - AMBIENTE
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo,
segundo Marcos - Naquele tempo, 7Então chamou os Doze e começou a
enviá-los, dois a dois; e deu-lhes poder sobre os espíritos imundos.
8Ordenou-lhes que não levassem coisa alguma para o caminho, senão
somente um bordão; nem pão, nem mochila, nem dinheiro no cinto; 9como
calçado, unicamente sandálias, e que se não revestissem de duas túnicas.
10E disse-lhes: Em qualquer casa em que entrardes, ficai nela, até
vos retirardes dali. 11Se em algum lugar não vos receberem nem vos
escutarem, saí dali e sacudi o pó dos vossos pés em testemunho contra ele.
12Eles partiram e pregaram a penitência. 13Expeliam
numerosos demônios, ungiam com óleo a muitos enfermos e os curavam. - Palavra da
salvação.
Toda
a primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc. 1,14-8,30) está montada à
volta da ideia de que Jesus é o Messias que proclama o Reino de Deus. Como ponto
de partida está um sumário-anúncio inicial (cf. Mc. 1,14-15) onde se proclama a
chegada do Reino; em seguida, Jesus apresenta a proposta do Reino a um grupo de
discípulos, que escutam o apelo e aceitam embarcar na aventura do Reino de Deus
(cf. Mc. 1,16-20); depois, Marcos descreve como Jesus, com palavras e com gestos
concretos, vai propondo essa nova realidade que é o Reino e vai intercalando as
propostas de Jesus com as respostas positivas ou negativas dos fariseus, do povo
e dos próprios discípulos (cf. Mc. 1,21-8,30).
À
medida que o “caminho do Reino” avança, os discípulos vão aparecendo cada vez
mais ligados a Jesus e cada vez mais implicados no projeto do Reino. Chamados
por Jesus, eles responderam positivamente a esse chamamento e seguiram-n’O;
depois, durante a caminhada que fizeram com Jesus, eles escutaram os
ensinamentos de Jesus e testemunharam os seus gestos e sinais. Formados por
Jesus na “escola do Reino”, os discípulos podem agora ser enviados ao mundo, a
fim de anunciar a todos os homens a chegada desse mundo novo que Jesus chamava o
“Reino de Deus”.
MENSAGEM
O
nosso texto é uma autêntica catequese sobre a missão dos discípulos de Jesus no
meio do mundo. As instruções postas aqui na boca de Jesus conservam o seu
sentido e valor para os discípulos de todo o tempo e
lugar.
Marcos
começa por deixar claro que a iniciativa do chamamento dos discípulos é de
Jesus: Ele “chamou-os” (v. 7). Não há qualquer explicação sobre os critérios que
levaram a essa escolha: falar de vocação e de eleição é falar de um mistério
insondável, que depende de Deus e que o homem nem sempre consegue compreender e
explicar.
Depois,
Marcos aponta o número dos discípulos que são enviados (“doze”). Porquê
exatamente “doze”? Trata-se de um número simbólico, que lembra as doze tribos
que formavam o antigo Povo de Deus. Estes “doze” discípulos representam
simbolicamente a totalidade do Povo de Deus, do novo Povo de Deus. É a
totalidade do Povo de Deus que é enviada em missão.
Os
“doze” são enviados “dois a dois”. É provável que o envio “dois a dois” tenha a
ver com o costume judaico de viajar acompanhado, para ter ajuda e apoio em caso
de necessidade; pode também pensar-se que esta exigência de partir em missão
“dois a dois” tenha a ver com as exigências da lei judaica, de acordo com a qual
eram necessárias duas testemunhas para dar credibilidade a um qualquer anúncio
(cf. Dt. 19,15; Mt. 18,16). Em qualquer caso, a exigência de partir em missão
“dois a dois” sugere também que a evangelização tem sempre uma dimensão
comunitária. Os discípulos nunca devem trabalhar sós, à margem do resto da
comunidade; não devem anunciar as suas ideias, mas a fé da Igreja. Quem anuncia
o Evangelho, anuncia-o em nome da comunidade; e o seu anúncio deve estar em
sintonia com a fé da comunidade.
Em
seguida, Marcos define a missão que Jesus lhes confiou (“deu-lhes poder sobre os
espíritos impuros). Os espíritos impuros representam aqui tudo aquilo que
escraviza o homem e que o impede de chegar à vida em plenitude. A missão dos
discípulos é, pois, lutar contra tudo aquilo – seja de caráter físico, seja de
caráter espiritual – que destrói a vida e a felicidade do homem (podemos dizer
que a missão dos discípulos é lutar contra o “pecado”). É da ação libertadora
dos discípulos (que atuam por mandato de Jesus) que nasce um mundo novo, de
homens livres – o mundo do “Reino”.
Em
seguida, vêm as instruções para a missão (vs. 8-9). Na perspectiva de Jesus, os
discípulos devem partir para a missão, num despojamento total de todos os bens e
seguranças humanas… Podem levar um cajado (na versão de Mateus e de Lucas, os
discípulos não deviam levar cajado – cf. Mt. 10,10; Lc. 9,3); mas não devem
levar nem pão, nem alforje, nem moedas (essas pequenas moedas de cobre que o
viajante levava sempre consigo para as suas pequenas necessidades), nem duas
túnicas. Os discípulos devem ser totalmente livres e não estar amarrados a bens
materiais; caso contrário, a preocupação com os bens materiais pode roubar-lhes
a liberdade e a disponibilidade para a missão. Por outro lado, essa atitude de
pobreza e de despojamento ajudará também os discípulos a perceber que a eficácia
da missão não depende da abundância dos bens materiais, mas sim da ação de Deus.
Finalmente, a sobriedade e o desapego são sinais de que o discípulo confia em
Deus e contribuem para dar credibilidade ao testemunho.
Um
outro gênero de instruções refere-se ao comportamento dos discípulos diante da
hospitalidade que lhes for oferecida (vs. 10-11). Quando forem acolhidos numa
casa, devem aí permanecer algum tempo (seguramente para formar uma comunidade) e
não devem saltar de um lugar para o outro, ao sabor das amizades, dos interesses
próprios ou alheios ou das suas próprias conveniências pessoais. Quando não
forem recebidos num lugar, devem “sacudir o pó dos pés” ao abandonar esse lugar:
trata-se de um gesto que os judeus praticavam quando regressavam do território
pagão e que simboliza a renúncia à impureza. Aqui, deve significar o repúdio
pelo fechamento às propostas libertadoras de Deus.
Finalmente,
Marcos descreve a realização da missão dos discípulos (vs. 12-13): pregavam a
conversão (“metanoia” – isto é, uma mudança radical de mentalidade, de valores,
de atitudes, um voltar-se para Jesus Cristo e um acolher o seu projeto),
expulsavam demônios, curavam os doentes. Trata-se de continuar a missão de
Jesus: libertar o homem de tudo aquilo que o oprime e lhe rouba a vida, para
fazer aparecer um mundo de homens livres e salvos (“Reino de
Deus”).
O
anúncio que é confiado aos discípulos é o anúncio que Jesus fazia (o “Reino”);
os gestos que os discípulos são convidados a fazer para anunciar o “Reino” são
os mesmos que Jesus fez. Ao apresentar a missão dos discípulos em paralelo e em
absoluta continuidade com a missão de Jesus, Jesus convida a Igreja (os
discípulos) a continuar na história a obra libertadora que Ele começou em favor
do homem.
ATUALIZAÇÃO
•
Como é que Deus age, hoje, no mundo? A resposta que o Evangelho deste domingo dá
é: através desses discípulos que aceitaram responder positivamente ao chamamento
de Jesus e embarcaram na aventura do “Reino”. Eles continuam hoje no mundo a
obra de Jesus e anunciam – com palavras e com gestos – esse mundo novo de
felicidade sem fim que Deus quer oferecer aos homens.
•
Atenção: Jesus não chama apenas um grupo de “especialistas” para o seguir e para
dar testemunho do “Reino”. Os “doze” representam a totalidade do Povo de Deus. É
a totalidade do Povo de Deus (os “doze”) que é enviada, a fim de continuar a
obra de Jesus no meio dos homens e anunciar-lhes o “Reino”. Tenho consciência de
que isto me diz respeito e que eu pertenço à comunidade que Jesus envia em
missão?
• Qual
é a missão dos discípulos de Jesus? É lutar objetivamente contra tudo aquilo que
escraviza o homem e que o impede de ser feliz. Hoje há estruturas que geram
guerra, violência, terror, morte: a missão dos discípulos de Jesus é
contestá-las e desmontá-las; hoje há “valores” (apresentados como o “último
grito” da moda, do avanço cultural ou científico) que geram escravidão,
opressão, sofrimento: a missão dos discípulos de Jesus é recusá-los e
denunciá-los; hoje há esquemas de exploração (disfarçados de sistemas econômicos
geradores de bem estar) que geram miséria, marginalização, debilidade, exclusão:
a missão dos discípulos de Jesus é combatê-los. A proposta libertadora de Jesus
tem de estar presente (através dos discípulos) em qualquer lado onde houver um
irmão vítima da escravidão e da injustiça. É isso que eu procuro
fazer?
•
As advertências de Jesus para que os discípulos se apresentem sempre numa
atitude de sobriedade e de despojamento significam, em primeiro lugar, que o
discípulo nunca deve fazer dos bens materiais a sua prioridade fundamental. Se o
discípulo estiver obcecado pelo “ter”, tornar-se-á escravo dos bens,
acomodar-se-á e não terá espaço nem disponibilidade para se lançar na aventura
do anúncio do Reino. Por outro lado, o discípulo que erige os bens materiais
como a prioridade da sua vida sentirá sempre a tentação de se calar, de não
incomodar os poderosos, a fim de preservar os seus interesses econômicos e os
seus benefícios particulares.
• As
advertências de Jesus para que os discípulos se apresentem sempre numa atitude
de sobriedade e de despojamento significam também o desapego das ideias e
preconceitos, dos hábitos e costumes, das paixões e afetos que podem constituir
um obstáculo para a missão de anunciar o Reino.
• As
palavras de Jesus recomendam ainda aos discípulos que atuam por um tempo
prolongado num determinado lugar, a moderação e o agradecimento para com aqueles
que os acolhem. Quem é recebido numa casa ou num lugar como hóspede, deve
converter-se numa bênção para essa casa e comportar-se com sobriedade,
equilíbrio e maturidade.
• Com
frequência os discípulos de Jesus têm de lidar com a oposição e a recusa da
proposta que eles testemunham. É um fato que deve ser visto com normalidade e
compreensão. No entanto, quando isto suceder, é missão dos discípulos alertar os
implicados para a gravidade da recusa. Quem recusa as propostas de Deus, deve
estar plenamente consciente de que está a perder oportunidades únicas e a
afastar-se da sua realização plena, da vida verdadeira.
P.
Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas
Carvalho
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