terça-feira, 5 de junho de 2012

UM DEPRIMIDO, UM AMIGO-LUZ, UMA JANELA PARA O CÉU.


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Das profundezas eu clamo a vós, Senhor!
Gritando, eu imploro! Eu suplico!
derramo meu lamento,
diante do Senhor exponho a minha angústia,
enquanto meu alento desfalece.
Ergo os olhos para os montes... de onde virá o meu socorro?
Essas passagens do livro dos Salmos resumem à perfeição os sentimentos de um coração em depressão... quando ele consegue orar!!! Sua solidão é tão vasta, sua tristeza tão profunda, sua prostração física tão esmagadora que o mais comum é sequer conseguir pensar em Deus ou experimentar sua presença.

Restam-lhe poucos referenciais exteriores e praticamente nenhuma razão para continuar a viver. Nada, ninguém, nem ele mesmo fazem sentido. E isso, não por vontade própria ou “birra”; não por carência ou desejo de chamar atenção. Independe de sua vontade a ligação à realidade, a relação com a objetividade. Sua vontade, aliás, está anestesiada e centrada no escuro mundo do não querer. Tarefas corriqueiras exigem forças semelhantes a subir o Everest: banho, escovação de dentes, comida, cabelo penteado, tudo parece custoso demais. Quanto menos luz externa, melhor. Seu interior, desmoronado, deserto e sombrio, anseia por um ambiente que se adeque a ele.

Algumas pessoas em seu redor dividem-se em sentimentos insanos de acusação, cobrança, falsas expectativas, busca de soluções imediatas. Acusam-no de “se entregar”, cobram-lhe reação e força, submetem-no a diversões que não deseja, filmes que abomina, música que lhe fere o ouvido: “Precisa sair, divertir-se, descansar. Isso o fará melhor”.
Há os que ferem profundamente com frases viperinas: “Isso é preguiça!”, Ai, meu Deus, outra vez, não, por favor!”, “Que bicho te mordeu dessa vez?”,Aprende a reagir, criatura!”, “Cadê tua fé? Tanto que você prega por aí! Tanto que fala em Deus! Cadê Ele? Recorre a Ele agora!”,Faça um ato de fé! Vai ser feito conforme a tua fé!”, “Ore em línguas 10 minutos por dia que você sai dessa!”, “Viva os Estatutos, espelhe-se na fé de seu fundador, do santo de sua devoção”,O segredo é fazer de conta que nada está acontecendo e continuar em suas atividades de cada dia. Se der atenção a isso, vai ser pior!”

Outros apresentam pacotes espirituais: “Reze mais, isso é falta de oração!”, “Reze o terço e ficará bon-zi-nho!”, “Olha, é só rezar o Salmo 190 todos os dias, o Salmo 140, o 40...”, “Venha comigo à igreja, lá o obreiro expulsa a depressão e ela vai embora”, “Te garanto que se você passar uma manhã em adoração todos os dias fica bonzinho”.

Aparecem, ainda, os pragmáticos que logo providenciam uma “escala” de pessoas “para fazer companhia, para sair com ele/ela, para puxar assunto, para alimentar e cuidar”. Não percebem quão grande tortura essa invasão indiscreta representa para alguém que busca paz. Não há como dar uma moeda ao estalajadeiro e prosseguir o próprio caminho, quando se trata de uma pessoa enferma desse tipo de tristeza. Um deprimido não é enfermo que aguente rodízio de enfermeiros e médicos, de visitas e cuidadores em suas técnicas e abordagens diversas. Seu coração acolhe poucos, pouquíssimos, um ou dois, amigos-luz.
Ao perceberem que suas tentativas dão em nada ou só pioram a situação, as pessoas tendem a afastar-se, talvez a pensar mais em si do que na pessoa em depressão, pois não há retribuição imediata ou gratificação emocional no convívio com uma pessoa deprimida. A voz dos poucos que persistem parece não encontrar eco, como um grito em meio a paredes acústicas. Muitos acabam desistindo.

Entretanto, veja bem, entretanto, repito, a presença constante, fiel, amiga, acolhedora de uma ou duas pessoas é a única réstea de luz que, a princípio tênue, mas, por fim luminosa e plena, tem o poder de paciente e ternamente, amorosa e persistentemente, penetrar na escuridão do deprimido, qual uma janela que muitíssimo lentamente se abre para o céu.
Os Salmos, mais uma vez, nos ajudam a entender o coração da pessoa em depressão:
Olho para a direita e vejo:
ninguém mais me reconhece,
nenhum lugar de refúgio,
ninguém que olhe por mim!
O deprimido precisa de alguém que seja luz. Alguém que, discretamente, sem impor o que considera soluções mágicas, simplesmente esteja ao seu lado, em sua escuridão, ainda que não a abranja totalmente. Alguém que expresse, mais com atitude que palavras: “Não desisto de você. Jamais desistirei, ainda que todos o abandonem. Ainda que você mesmo tenha desistido, eu mantenho acesa a chama de sua vida diante de Deus. Não desistirei de você, pois o amo. Eu estou aqui. Eu estou aqui”.

No começo, a pessoa deprimida não vai dizer nada. Pode até ser grosseira, violenta com quem quer permanecer com ela. Ainda não reconhece em seu amigo-luz seu lugar de refúgio. Precisa testá-lo, ver se realmente aguenta alguém tão abominável como uma pessoa em depressão como ele. Não aguentaria mais uma dor, mais uma separação, mais uma perda, mais alguém querido que tenta e... desiste. Precisa, desesperadamente, “ser reconhecido”, ter alguém “que olhe por ele”, como diz o Salmo. Entretanto, não tem forças para arriscar a mais ínfima decepção, a mais milimétrica perda. Perdeu-se de si mesmo e isso é preciso ser levado em conta pelo amigo-luz.

Depois, aos poucos, muito aos poucos, mesmo, começa a falar. Diz coisas sem lógica objetiva. Expressa a lógica caleidoscópica dos seus sentimentos. Repete-as dez, cem, mil vezes, em necessidade compulsiva. Ao ouvir, paciente e amorosamente essas mesmas histórias, o amigo-luz funcionará como âncora em um leito de lama: será arrastada, atolada, mas encontrará, enfim, lugar firme para servir de referencial estabilizador ao que fala. Ao ouvir e fazer-se presente, será seu primeiro encontro com a luz da objetividade. Servirá de primeiro referencial de sentido.

Sua chegada, antes rejeitada, passará a ser desejada. Seu telefonema diário, de preferência sempre à mesma hora, esperado. Aos poucos, sua voz que mais se cala que fala, encontrará eco, penetrará como água humilde e persistente, na dureza de rocha do coração deprimido. Contudo, aos poucos, mansamente, será acolhido como lugar de refúgio, como olhar que reconhece e é reconhecido, como presença que cura.

Terá sido o primeiro degrau em que pisou o deprimido, mas para isso se terá abaixado até o pó. Terá sido o primeiro filete de luz acolhido por ele, embora, para isso, tenha sofrido com suas trevas. Terá sido a primeira brisa fresca que o depressivo admitiu respirar, embora, ao ouvi-lo, tenha muitas vezes padecido sufocado. Paciente, discreto, humilde, terno, manso, terá sido amigo-luz. Aquele que jamais desistiu. O socorro que, em nome de Jesus, é enviado pelo Pai de sua morada sobre os montes.

Curado o coração deprimido, não precisará tanto dele. Esquecê-lo-á no dia a dia, talvez. Não recorrerá mais a ele com voz carregada de angústia. De único refúgio, passará a ser uma voz dentre muitas. No fundo do coração agora curado de toda tristeza, entretanto, haverá, para sempre, um laço, uma dádiva agradecida, uma música suave de apoio, pois jamais se esquece um amigo-luz.




por Emmir Nogueira, Co-Fundadora da Comunidade Shalom *
Comunidade Shalom

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