quarta-feira, 1 de junho de 2011

TODOS OS DIAS, OUTRO DIA.

Todos os dias, é só abrir o olho pela manhã e flui, espontânea, a milenar oração da Igreja: “Vinde, Espírito Santo”. Assim, sem pensar muito, mais dormindo que acordada, segue a série “automática”: “Pai, em Tuas mãos eu me abandono”, “Oh, minha Senhora...”, “São Miguel Arcanjo, defendeI-me no combate”, “Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador”, São Francisco, Santa Teresa, Santa Maria Madalena e, nos aperreios, claro: Santa Teresinha. Quantas e quantas vezes não misturei os pobres dos santos à espuma da escova de dentes, à visão ainda embaçada da torneira do chuveiro...

Outro dia, sob o efeito triturador do cansaço do Halleluya, foi-me dado mergulhar e “atualizar” a oração milenar ao Espírito Santo que, afinal, não é ninguém mais ninguém menos do que o próprio Deus. Conversamos mais ou menos o seguinte, despreocupados com a mistura entre “tu” e “vós”, desejosos de manter a fórmula milenar, marca de uma amizade de Deus sabe quantas décadas:

“Vinde, Espírito Santo, Tu que és o próprio Deus! Como é possível que Tu te abaixes ao ponto de atender a um apelo sonolento, automático, a cada manhã e, a cada manhã te dispores a direcionar todo o dia de uma pessoa que tantas vezes te esquece, como eu? Quando digo “Vinde!” será que “me toco” que é o próprio Deus que eu chamo? E Tu nem te queixas de falta de respeito!

Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis! Converte-me! Faz com que eu perceba que só vivo porque Tu vives em mim e que se te retiras, volto ao nada do qual me criaste! Não “simplesmente” morro, porque também na morte – e especialmente nela! – estarás comigo. Sem Ti, voltaria ao nada, zero, inexistente, do qual Tu, Espírito Criador, me criaste. Espantoso pedir que Tu enchas meu coração. Mais adequado para minha inteligência minguada seria, talvez, dizer: “Faz-me entender que Tu és tudo, que Tu ocupas tudo, que Tu és todo em mim, aqui, na terra, como Tu és no céu: sempre todo. Faz-me tirar a tralha da pouca fé, do pouco amor, da pouca esperança do meu coração e deixar todo o espaço que eu sou para Ti, que és todo em mim, que me habitas e que queres precisar de mim para te dares a conhecer. Que eu não te deixe apertado no meio de tantas tralhas, como diria Santa Teresa, mas que te dê o espaço que é Teui, que és Tu todo em mim como Tu todo na Trindade.

Se eu não te der todo o “espaço” do que sou, não terás como me usar para te mostrares ao homem, não terei como viver minha consagração. Esse é, tembém o sentido, de ser toda Tua, toda consagrada, em cada célula, cada pensamento, cada sentimento, cada molécula de DNA, cada gene, cada qualquer coisa ainda menor que seja eu e que venham a descobrir e cada coisa ainda maior que seja eu e que somente Tu sabes e, caso queiras, Tu e eu descobriremos.

Vinde, Espírito Santo, acendei em vossos fiéis o fogo do vosso amor. Aquele mesmo fogo que Tu acendes na Trindade. O “mesminho”! O fogo do Amor. O fogo que leva o Pai e o Filho a se entregarem e se acolherem sem restrições em um único movimento parado de amor, como tentou explicar João da Cruz. Vem acender no meu coração a capacidade, o desejo, a decisão de me dar toda a cada um (não a todos indistintamente, mas a cada um) e de acolher a cada um, ainda que, pecadora, só vá conseguir fazê-lo de modo muito, muito limitado. No entanto, o amor, encolhido em minha limitação, ao tornar-se ação, se expandirá do “tamanho” da Trindade e com seu mesmo poder avassalador na vida do objeto do Teu e meu amor, na história do mundo. Não é verdade que quanto maior a compressão mais estupenda é a explosão? Há inúmeras vantagens em ser pequena e limitada! Origada por eu não ser Deus! Obrigada por assim te ter a Ti como Deus! Obrigada por poder ser fraca, pequena e, assim, poder “explodir” a Ti para todo lado!

Acende no meu coração o fogo de Amor que Tu acendes na Trindade, de formas que eu acolha o Pai e acolha o Filho e, acolhendo cada um, neles acolha cada irmão e, acolhendo cada irmão, nele acolha o Filho e o Pai. Coloca-me, assim, no mesmo movimento de amor da Trindade! Abaixa-te como um vento impetuoso e varre o que é terreno como eu até elevá-lo, qual folha seca, às alturas da dança de amor da Trindade! Queima-me com Tua misericórdia no solo mesquinho do me pecado e eleva-me, em chamas, às tuas alturas! Coloca-me nesta dança, para que ame com um amor que não é meu, mas Teu nEla! Só sob o Teu impulso e sustento tenho como dançar este Amor que és Tu mesmo! Só acolhendo a Ti tenho como viver o céu de Amor aqui, agora, neste instante que me é dado para, por Ti e em Ti, ser transformada em céu pelo dom do Amor!

Mas não acende este fogo só no meu coração. Seria engano. Acende no nosso coração. No coração dos vossos fiéis, isto é, daqueles que se deixam inflamar por Ti, que seguem Tuas inspirações de caridade ainda que doa até morrer. Acende no nosso coração, coração de Igreja, coração de irmãos e irmãs, coração de família. Acende no nosso coração o fogo do Teu amor.

Por isso é possível dizer: “Enviai, Senhor, Vosso Espírito e tudo será criado, e renovareis a face da terra”. Sim, renovarás pelo amor vivido por Ti em nós e por nós em Ti! Renovarás pela unidade feita de mil perdões e mil renúncias! Farás em nós e por meio de nós uma nova criação! Seremos novas criaturas, renovadas pelo amor do Espírito, pelo Amor da Trindade, pelo Amor que é o Espírito! Se amarmos, não “entristeceremos o Espírito”, traremos à criação, “que geme e sofre em dores de parto”, a manifestação do Filho-Amor, do Pai-Amor, do Deus-Amor, da Trindade.”

O amor, manifestação do Espírito em nós, manifestação da Vida da Trindade em nós. Eis o grande clamor da primeira parte. Em meio à dor no corpo que o Halleluya me espalhou dos pés à cabeça, ainda deu para compreender que o amor é a principal tarefa do Espírito em nós, como é sua principal tarefa na Trindade, mas que este mesmo amor precisa da livre adesão da nossa inteligência e da nossa vontade:

“Oh Deus, que instruístes o coração dos vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, fazei com que apreciemos retamente todas as coisas”. O fogo torna-se luz. O amor é fogo que ilumina o entendimento e o entendimento verdadeiro é luz que resulta do amor, como o fogo e a luz, como a luz e o fogo. À luz do fogo do Teu Amor, Santo Espírito, podemos entender todas as coisas, não sob o nosso olhar egoísta e, portanto, limitado e centralizado em nós, mas à luz do Amor de Deus, no qual podemos confiar cegamente. Não caminharemos, assim, segundo nossa luzinha fraca, egoísta, tão limitada que a Ti te parece escuridão, mas segundo a luz forte, amorosa e ilimitada do Teu amor, tão forte e ilimitada que a nós nos parece escuridão.

Sob a luz deste Amor podemos apreciar retamente todas as coisas e gozar sempre da Cruz do Amor que é, afinal, a Tua única e imensa consolação: a renúncia do dar-se inteiramente, “até doer” e do acolher inteiramente “ainda que doa”. Algo além do Amor do Espírito Santo, nos dá gozar de semelhante dor? Algo que não o Amor do Espírito nos faz considerar felicidade e alegria, consolo e gozo a cruz de amor de cada dia? Sim! Fazei-nos gozar sempre de Suas conolações!

Arranca-me, arranca-nos, Santo Espírito, de nossa mentalidade hedonista que considera consolação o que dá prazer. Faz em nós esta imensa obra de libertação e faz-nos aderir ao que Jesus e a Palavra apontam como consolação. Garanto, Santo Espírito, que assim Tu renovarás a face da terra! ”

Todos os dias, mesmo sob a trituração do Halleluya, é preciso levantar para amar. Consolo! Depois do almoço, dez minutos, não mais que isso, de sono. Aos 53 anos, a gente ainda é de ferro, mas tem, já, alguma ferrugem. Dez minutos e, novamente, todos os dias, o despertador. Hora de amar! E, outra vez, a oração automática sai por baixo do peso do sono exausto: “Obrigada, Senhor, por esta nova oportunidade de te provar meu amor! Vinde...”

Todos os dias, final do dia, e outra vez o “Vinde”. Revisão de vida, perdão, gratidão, repouso, novo “Vinde”, todos os dias, outra vez, pois sem o Amor que esconde o segredo da consolação da Cruz, sem este fogo que queima e ilumina e, queimando, transforma o nada em Nada-todo-no-Tudo, nada há no homem que agrade a Deus.




por Emmir Nogueira, Co-Fundadora da Comunidade Shalom *
Comunidade Shalom

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