A morte de Jesus é aqui apresentada como a manifestação suprema do amor de Deus pela humanidade, desta forma, devemos ser agradecidos a Deus pela nossa religião, onde podemos experimentar a revelação: da bondade, da misericórdia e do amor de Deus por nós.
“Deus é amor” (cf. 1Jo 4,16), tudo se resume nesta grande verdade, ao ponto de São Paulo escrever “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. (Gl. 20,2).
Grande é o amor de Deus. Um amor de espera, de braços abertos, todos os dias, como o Pai da parábola que esperava o filho pródigo (Lc 15,11-32).
Porque não o tratamos com amor? Porque nos afastamos D’Ele? Porque temos medo de nos compreender?
Na Encíclica Redemptor hominis, n.10, o beato João Paulo II, nos diz: “O homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se o não experimenta (…). E por isto precisamente Cristo Redentor (…) revela plenamente o homem ao próprio homem. Esta é a dimensão humana do mistério da Redenção. Nesta dimensão o homem reencontra a grandeza, a dignidade e o valor próprios da sua humanidade. (…). O homem que quiser compreender-se a si mesmo profundamente (…) deve, com a sua inquietude, incerteza e também fraqueza e pecaminosidade, com a sua vida e com a sua morte, aproximar-se de Cristo.
Ele deve, por assim dizer, entrar n’Ele com tudo o que é em si mesmo, deve apropriar-se e assimilar toda a realidade da Encarnação e da Redenção, para se encontrar a si mesmo. Se no homem se atuar este processo profundo, então ele produz frutos, não somente de adoração de Deus, mas também de profunda maravilha perante si próprio. Que grande valor deve ter o homem aos olhos do Criador, se “mereceu ter um tal e tão grande Redentor” (Missal romano, Hino exultet da vigília pascal) se “Deus deu o seu Filho”, para que ele, o homem, “não pereça, mas tenha a vida eterna”.
Jesus Cristo exige como primeiro requisito para participar do Seu amor a fé n’Ele. Com ela passamos das trevas para a luz e entramos no caminho da salvação. “Quem nele crê não é condenado”.
“De fato, na história humana, mesmo sob o ponto de vista temporal, o Evangelho foi um fermento de liberdade e de progresso e apresenta-se sempre como fermento de fraternidade, de unidade e paz” (Ad Gentes, n. 8).
Em nossas orações rezemos para que o mundo creia.
Primeira leitura: Êxodo 34,4b-6. 8-9
O Deus único se revela a Moisés no monte Sinai
Os capítulos 32-34 do Êxodo recolhem as tradições javista (J) e eloísta (E). O capítulo 34 representa a renovação da Aliança segundo a tradição J. Na caminhada do deserto rumo à terra prometida, o povo sofreu a ameaça do fracasso e a figura de Moisés como líder foi fundamental.
Atendendo as ordens de Javé, Moisés preparou duas novas tábuas de pedra e subiu ao Sinai. Javé desceu na nuvem e ficou junto com Moisés. Este invocou então o nome de Javé (para os semitas, o nome é a identidade da pessoa). O nome de Javé era inominável.
Este capítulo fala, portanto, da Aliança no Sinai entre Deus e o povo de Israel, Aliança selada com o Decálogo. Ela foi violada pelo povo ao construir um bezerro de ouro. O nosso texto relata o fato depois que o povo pecou construindo o bezerro de ouro e Moisés quebrou as tábuas da Lei. Mas, por ordem de Javé, Moisés reproduziu as tábuas da Lei em pedra para a renovação da Aliança.
No Sinai acontece uma nova teofania, manifestando a transcendência de Deus, que mostra a sua misericórdia perdoando o povo. Neste encontro de Moisés com Deus, Moisés comete uma ousadia ao invocar o nome de Javé. Nessa ousadia, Deus se revela e Moisés proclama que Deus é compassivo, bondoso, rico em amor e fidelidade (v.6) e, apesar da infidelidade do povo, mantém o seu pacto de libertação.
Neste clima, Moisés adora Javé e lhe suplica o perdão para o seu povo. A súplica de Moisés contém quatro elementos:
01) Javé é aquele que caminha com o seu povo, pois o seu prazer é estar no meio dele.
02) Ele aceita caminhar não porque o povo é bom, aliás é cabeça dura, mas porque Deus é solidário.
03) Javé é aquele que sabe perdoar os pecados e conduz à libertação.
04) Deus, mesmo sendo Criador e Senhor de tudo, aceita receber em herança um povo pobre, fraco e pecador.
A oração de Moisés é muito hábil e, como mediador perfeito, suscita os sentimentos de Deus, por assim dizer o “orgulho de Deus”, e pede o que o próprio Deus deseja.
Segunda leitura: 2 Coríntios 13,11-13
Saudação final trinitária (Jesus, Deus, Espírito)
Esta carta espelha um pouco as peripécias da comunidade de Corinto, com avanços e recuos, alegrias e sofrimentos. O nosso trecho é a conclusão da carta e até este ponto Paulo usa uma linguagem dura diante das situações dolorosas da comunidade. Neste trecho ele muda o tom e faz uma exortação para um comportamento bondoso. Exprime recomendações sintéticas de vida cristã e conclui com uma saudação mencionando os três autores divinos da salvação. É a fórmula trinitária mais completa do Novo Testamento.
O apóstolo recomenda à comunidade o cultivo da “alegria”, que é fruto do Espírito do Senhor (Gálatas 5,22) e dos tempos messiânicos. Pede a “busca da perfeição”, que é um convite para imitar a Deus: “Sejam perfeitos como seu Pai celeste é perfeito” (Mateus 5,48). “Sejam santos como Eu sou Santo” (Levítico 19,2). Pede encorajamento para que todos sejam alegres e busquem a perfeição, pois não é possível fazê-lo sozinho. Portanto, a comunidade deve ajudar. A comunidade cristã deve ser um modelo de comunidade reconciliada, superando os conflitos. Paulo faz uma exortação à unidade com todos esses valores ou virtudes, que são as ferramentas para que a comunidade possa ser a manifestação de Deus.
Em seguida, Paulo explica que os sinais externos são necessários para mostrar o amor interno e convida ao “beijo santo”, isto é, a um gesto que manifeste a solidariedade de todos num objetivo comum que é a santidade. O “beijo santo” manifestava a união. Era um ato litúrgico que se realizava na Assembléia com uma forte carga simbólica.
Paulo termina a carta exprimindo o desejo de que a Trindade seja a inspiração da comunidade na busca da comunhão e da partilha e invoca os atributos de Deus uno-trino, que é graça (charis), amor (ágape) e comunhão (koinonia).
Evangelho: João 3,16-18
O Filho revela o amor do Pai
Estes três versículos pertencem ao diálogo de Jesus com Nicodemos. É uma catequese que visa suscitar a fé destacando a imensa caridade de Deus pelos homens, que nos amou primeiro ao enviar o seu Filho. Ele não só perdoa os pecados e caminha com o seu povo (1ª leitura), mas ama a todos dando a vida em plenitude através de Jesus Cristo.
Deus amou o mundo dando-lhe o seu Filho (3,16). O amor do Pai é a fonte da missão do Filho e nesta ação gratuita de Deus pelo Filho manifestou-se o amor de Deus (ágape). “Nisto consiste o amor: Não que nós o tenhamos amado, mas Ele mesmo nos amou” (1 João 4,9-10). Portanto, Deus Pai é a fonte do amor. A missão do Filho deriva dele.
Deus em seu Filho caminhou conosco, perdoou os nossos pecados, assumiu-nos como propriedade e herança (1ª leitura). Ele nos ama não porque somos bons, mas porque quer nos salvar. Por isso, enviou o seu Filho ao mundo (v.17). Enviou-o ao mundo (kosmos) não só para os homens, mas para todo ser criado. O seu amor abrange toda a criação que sofreu as conseqüências do pecado (Gênesis 3,17) e também espera a redenção (Romanos 8,19-21).
A missão do Filho é a salvação. Quem crê nele tem a vida eterna. Deus não quer que nos percamos. O prazer dele é salvar a todos. “Quem crê nele não é condenado, mas quem não crê já está condenado” (v.18). Esta afirmação exprime a chamada “escatologia presencial” típica de João. Vale dizer que, com a revelação de Cristo, a salvação já está presente e quem crê já participa dela.
REFLEXÃO
A festa da Santíssima Trindade, depois do tempo pascal, parece convidar-nos a considerar unitariamente, como que em um epílogo, toda a história da salvação. Esta solenidade resume os dons que recebemos e celebramos durante o ano litúrgico. No Natal recebemos o dom do Pai, na Páscoa o dom do Filho e no Pentecostes o dom do Espírito Santo.
Ao celebrar esta festa, fazemos um ato de fé nas três pessoas divinas, na sua unidade, e ao mesmo tempo agradecemos os dons recebidos.
O mistério da Trindade é o primeiro dogma da nossa fé, a verdade fundamental do cristianismo. Não podemos negar nem explicar esta verdade misteriosa da nossa fé. Ela foi objeto de reflexão de mentes iluminadas do cristianismo como Santo Agostinho (o menino e a conchinha do mar) e São Patrício que, para tentar explicar este mistério aos holandeses, colheu um trevo e explicou-lhes que o trevo é um só, assim como uma só é a realidade de Deus, mas as folhas são três, distintas e iguais, como são distintas e iguais as pessoas da Santíssima Trindade.
A Santíssima Trindade é um “mistério doutrinal”. Cremos que Deus Pai enviou o Filho que morreu e ressuscitou, e que o Espírito Santo veio para a nossa santificação e que a manifestação no tempo e na história dos homens do Pai, do Filho e do Espírito é a revelação da existência eterna, pessoal e distinta das três pessoas divinas.
A Santíssima Trindade é um “mistério cultual”. Mistério presente na liturgia. No batismo fomos batizados em nome da Trindade. Na crisma recebemos do Pai por mediação do Filho o dom do Espírito Santo. Na confissão nossos pecados são perdoados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. No sacramento da Ordem há a invocação do Espírito Santo da parte do Pai pela mediação do Filho. No Matrimônio, os noivos entregam um ao outro as alianças em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Na oração Eucarística temos a tríplice invocação trinitária, primeiro como agradecimento ao Pai pela obra que realizou na história, depois a invocação do Espírito Santo sobre o pão e o vinho na hora da consagração.
A Santíssima Trindade é um “mistério na vida cotidiana”. Todas as vezes que rezamos o “creio” invocamos a Trindade.
A Santíssima Trindade age na história. “O Pai como criador e Salvador. O Filho que se fez homem por você, para que você se torne Deus por meio dele” (Gregório Nazianzeno). Ele restaurou a imagem de Deus ofuscada por nós pelo pecado. O Espírito Santo nos santificou e age junto com o Pai e o Filho na história (Gênesis 1; Lucas 1; João 4,6; 13; 14,16; 26; Romanos 8,15-16).
Sobre a festa da Santíssima Trindade podemos falar pouco, e com humildade. Ao falar de Deus devemos usar metáforas, imagens, simbolismos. É como procede a Bíblia, que não faz uma exposição sobre Deus, sobre a sua natureza, sobre o seu modo de relacionar-se com as criaturas e a criação. O mistério de Deus é inefável.
Os mistérios principais da nossa fé são dois:
01) Unidade e trindade de Deus;
02) Encarnação, paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Os muçulmanos crêem em Deus, mas não são cristãos, pois não crêem na encarnação de Jesus nem na Trindade. Os hebreus também crêem em Deus, e são monoteístas, mas não são cristãos. Igualmente as testemunhas de Jeová crêem em Deus, porém não são cristãos. Acreditam em Jesus como o Anjo Miguel encarnado. “O anti-Cristo é aquele que nega o Pai e o Filho” (1 João 2,22).
Os filósofos Platão e Aristóteles afirmam a unidade de Deus com a razão, mas nós, cristãos, afirmamos que Deus é uno na natureza e trino nas Pessoas, porque Jesus nos revelou: “O Filho Unigênito, que está no seio do Pai, nos revelou” (João 1,18). O mistério trinitário é como o sol: não conseguimos fixá-lo com os olhos, mas percebemos que vivemos na sua luz, no seu calor e no seu brilho.
A Trindade não é um enigma religioso a ser decifrado como um hieróglifo ou um quebra-cabeça teológico.
A teologia latina, sobretudo, procurou dar explicações abstratas do mistério da Santíssima Trindade. Os primeiros concílios deram origem ao símbolo Niceno-constantinopolitano no século IV. Depois vieram os parces latinos, com o trabalho “De Trinitate”, de Agostinho (354-430), e a teologia escolástica da Idade Média, e aí sobressaíram Tomás de Aquino (séc. XIII) e as Dezessete Questões sobre a Trindade (I-I, 27-43). Mais tarde o Concílio de Trento (séc. XIV) e a teologia neo-escolástica trataram deste tema até antes do Concílio Vaticano II (1962-1965).
Usando as categorias aristotélicas da filosofia grega, com sua distinção em essência e existência, natureza e Pessoa, a teologia clássica procurou explicar o mistério da Santíssima Trindade afirmando que Deus é uno na essência e na natureza, e trino nas pessoas. Uma só natureza divina, portanto um só Deus em três pessoas distintas de igual dignidade, glória e categoria.
Na verdade, todo o esforço que fazemos para explicar a Santíssima Trindade continua sendo uma ortodoxia abstrata e especulativa, portanto de difícil compreensão pastoral.
O Deus da Bíblia não é o mesmo dos filósofos, pois todas as perfeições que são atribuídas a Deus criador não podem exprimir a riqueza da sua bondade que se manifestou na história da salvação com Jesus Cristo e o dom do Espírito Santo. Nossa mente se perde diante de Deus Trindade. É difícil explicar a imagem da Santíssima Trindade, porém podemos ter uma idéia dela quando vemos pessoas se unirem para buscar um mundo melhor e mais feliz. Quando vemos pessoas lutarem unidas contra o mal, o sofrimento, a dor, o desânimo, o fatalismo... Quando vemos uma família crescer na união e no amor. Quando vemos jovens, apesar dos obstáculos e fracassos, continuarem acreditando e lutando por uma vida mais plena de sentido. Todos são uma imagem da Santíssima Trindade, pois fazem o que Deus uno e trino faz: criam, crescem, constroem, salvam, vivem no amor, na união, na solidariedade... Neste sentido, a Santíssima Trindade não é um mistério incompreensível, um tratado de teologia, mas o que de melhor procuramos realizar em nossas vidas.
A Santíssima Trindade é a própria vida no que ela tem de mais bonito e verdadeiro: o amor vivenciado constantemente, que cresce, se comunica, cria e salva. O amor é a alma do mundo, a vida da vida. A Trindade é a fonte de todos os dons e de todas as graças.
Deus, em sua pedagogia, foi se revelando aos poucos, manifestando a sua realidade íntima. Desde o Antigo Testamento foi dando a conhecer, sobretudo, a “unidade” do seu ser, a sua distinção completa do mundo e o seu modo de se relacionar com ele, como Criador e Senhor. Ensina-nos que é “incriado”, que não está limitado a um espaço, pois é “imenso”, nem ao tempo, pois é “eterno”. O seu poder não tem limites, pois ele é “onipotente” (Deuteronômio 4,39).
Deus se revela no Antigo Testamento como Deus único e criador, mas também como pastor que busca o rebanho, que o cuida com ternura e perdoa as infidelidades do seu povo.
Foi Cristo que revelou a intimidade do mistério trinitário (Mateus 11,27). Ele também revelou a existência do Espírito Santo junto com o Pai e o enviou à Igreja para santificá-la e revelou a unidade perfeitíssima de vida entre as pessoas divinas (João 16,12-15). O Pai gera o Filho eternamente e o Espírito Santo procede do Pai e do Filho e estas “procedências” entre as três pessoas divinas são eternas. Em Deus a Paternidade, a Filiação e a Expiração constituem todo o ser do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
O Deus que Cristo revelou não é um Deus distante e inacessível. Está próximo do homem. É compassivo e misericordioso, lento na ira e rico em clemência (1ª leitura). Por isso perdoa a idolatria e a infidelidade dos israelitas (Êxodo 32) e renova a Aliança assumindo-os como o seu povo. Deus não é um ser solitário, fechado em si mesmo, mas amor e alteridade.
padre José Antonio Bertolin, OSJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário