A vida é o dom e o bem mais precioso para cada pessoa. A liturgia da palavra que nos é proposta neste domingo chama-nos a atenção para esta realidade. No evangelho, Jesus dá a vida ao filho da viúva de Naim, um acontecimento da vida de Jesus que é antecipado profeticamente por um acontecimento muito semelhante, aquele que nos é proposto na primeira leitura (1Re 17,17-24), a celebração da vida do filho da viúva de Sarepta.
Os dois episódios estão estritamente ligados entre si, através do método tipológico, o critério adoptado pela reforma do leccionário proposto pelo Concílio Vaticano II e que tem o seu modelo nas homilias dos antigos padres da igreja, nas quais, interpretando as escrituras, estabeleciam a ligação entre os Testamentos e garantiam o valor ontológico dos acontecimentos: O Antigo testamento é sempre anúncio profético, prefiguração e antecipação do evento sacramental de Cristo, da sua encarnação, da sua vida entre os homens, bem como da sua morte e ressurreição.
Se neste ano C somos conduzidos pela leitura semi-contínua do Evangelho de Lucas (“semi-contínua” porque escutamos apenas aqueles acontecimentos considerados mais importantes para a formação dos fiéis), a primeira leitura (normalmente do Antigo Testamento, sobretudo no tempo comum que hoje retomamos) não obedece a nenhum critério de leitura contínua da bíblia, mas é escolhida de acordo com o acontecimento narrado no evangelho, de acordo com o método tipológico referido.
Esta leitura tipológica da Sagrada Escritura transparece hoje claramente na relação ontológica existente entre a primeira leitura e no evangelho que escutámos: Os mortos são dois rapazes e as respectivas mães são viúvas. Trata-se da dor mais angustiante porque as duas viúvas são as criaturas que na sociedade hebraica estão colocadas no último patamar da escala social (viúvas e órfãos), postas à prova por uma dor sem igual: a perda de um filho único. A resposta de Elias e de Jesus têm também a mesma fisionomia (ressurreição do filho), mas possuem uma identidade diferente, que se desvela nas exclamações conclusivas nos respectivos textos.
Na primeira leitura a viúva exclama: «agora vejo que és um homem de Deus e que se encontra verdadeiramente nos teus lábios a palavra do Senhor»; e no evangelho os que presenciaram o milagre confirmam a diferença: «Apareceu no meio de nós um grande profeta; Deus visitou o seu povo».
As duas exclamações ajudam-nos a concluir o seguinte: Elias é reconhecido como profeta, porque realiza obras de Deus, Jesus é chamado de “grande profeta” (porque conheciam as obras de Elias e portanto atribuem-lhe o mesmo nome), mas é mais do que profeta, é o messias, é a «visita de Deus», é a presença de Deus entre os homens ou, melhor ainda, é Deus. O método tipológico é importante nesta relação porque estabelece uma relação entre os acontecimentos do Antigo Testamento e os do Novo Testamento, mas salvaguarda as diferenças.
De acordo com este método Jesus será chamado o “novo Elias”, o protagonista da primeira leitura (como também será chamado de “novo Moisés”, “novo Adão”, “novo Abraão”, “novo Isaac”), mas as diferenças serão sempre respeitadas: Jesus é mais do que Moisés, mais do que Elias e mais do que Adão. Porque as personagens e os acontecimentos do Antigo Testamento serão sempre prefiguração e anúncio de Cristo, no qual se realizam todas essas prefigurações, porque Ele é o “Deus” anunciado pelo Antigo Testamento, Ele é o messias, a realização de todas as personagens e acontecimentos do Antigo Testamento. A incarnação de Cristo é a “visita” de Deus à humanidade.
O milagre da ressurreição do filho da viúva de Naim é a sua síntese mais concreta. Deus visita o seu povo para que o homem tenha a vida e para consolação de quem é escravo do mal. Tudo parte da “compaixão” de Jesus para com a viúva, posta à prova pela morte do marido e pela morte do filho. A mulher é circundada pela morte, como Adão e Eva depois do pecado. A “compaixão” de Deus restitui a vida ao filho da viúva para que ela se sinta feliz. Deus sabe consolar os corações aflitos e sabe mudar as lágrimas em alegria (Cf. Ap 21,4).
Naim representa, portanto, o encontro de duas multidões (dois grupos). Por um lado, os “discípulos e uma grande multidão” acompanham Jesus, por outro, a viúva era acompanhada de “muita gente da cidade” que participava do funeral.
O primeiro grupo segue Jesus porque já tinha descoberto o seu amor pelos homens (Tito 3,4) e o reconhecia como Salvador, o segundo grupo segue a maldição da primeira Aliança, que Deus tinha comunicado a Adão como consequência da desobediência: «lembra-te que és pó e ao pós hás-de tornar» (Gen 3, 19). No entanto, as duas multidões serão testemunhas da “compaixão” de e do seu poder.
A reacção das duas multidões (de todos) é o temor e a glorificação. Recordamos que no contexto bíblico o “temor” não é o medo, mas o amor obediente para com Deus. A glorificação não é só o louvor, mas também o testemunho alegre daquilo que Deus fez. As duas multidões não evidenciam o milagre, mas através do milagre evidenciam a presença de Deus no meio dos homens.
O homem, portanto, não é um grão de areia à deriva no universo. O homem é a criatura que Deus “visita” com amor compassivo.
Fonte: Abadia de São Bento de Singeverga - Portugal
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