O Papa Francisco concedeu uma bênção especial Urbi et Orbi contra a pandemia do coronavírus. Estas foram suas palavras na celebração
O Papa Francisco usou a imagem da tempestade para explicar o drama que o mundo tem vivido com a pandemia do coronavírus.
O Santo Padre se inspirou no episódio evangélico da tempestade no
barco (Mc 4, 35), em que os discípulos se desesperam enquanto Jesus
dorme tranquilamente, em sua homilia da bênção especial “Urbi et Orbi”,
que ele concedeu nessa sexta-feira ao mundo.
À semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos.
De acordo com o Papa, a tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade
e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que
construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos
e prioridades.
Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade.
A tempestade põe a descoberto todos os propósitos de «empacotar» e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente «salvadores», incapazes de fazer apelo às nossas raízes e evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim da imunidade necessária para enfrentar as adversidades.
Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso «eu» sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos.
Então Jesus desperta e diz aos discípulos: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?»
Nesta tarde, Senhor, a tua Palavra atinge e toca-nos a todos. Neste nosso mundo, que Tu amas mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa.
Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: «Acorda, Senhor!»
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?», continua a ressoar a voz de Jesus.
Senhor, lanças-nos um apelo, um apelo à fé. Esta não é tanto acreditar que Tu existes, como sobretudo vir a Ti e fiar-se de Ti. Nesta Quaresma, ressoa o teu apelo urgente: «Convertei-vos…». «Convertei-Vos a Mim de todo o vosso coração» (Jl 2, 12).
Chamas-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo de decisão. Não é o tempo do teu juízo, mas do nosso juízo: o tempo de decidir o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não o é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros.
O Papa então reconhece o trabalho de “tantos companheiros de viagem
exemplares, que, no medo, reagiram oferecendo a própria vida. É a
força operante do Espírito derramada e plasmada em entregas corajosas e
generosas”.
É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho.
“Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas
crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar
uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a
oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de
todos! A oração e o serviço silencioso: são as nossas armas
vencedoras”, prosseguiu o Papa.
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?», repetiu mais uma vez o Santo Padre.
O início da fé é reconhecer-se necessitado de salvação. Não somos autossuficientes, sozinhos afundamos: precisamos do Senhor como os antigos navegadores, das estrelas. Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida.
Confiemos-Lhe os nossos medos, para que Ele os vença. Com Ele a bordo, experimentaremos – como os discípulos – que não há naufrágio. Porque esta é a força de Deus: fazer resultar em bem tudo o que nos acontece, mesmo as coisas ruins. Ele serena as nossas tempestades, porque, com Deus, a vida não morre jamais.
Segundo o Papa Francisco, o Senhor interpela-nos e, no meio da nossa
tempestade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a
esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em
que tudo parece naufragar.
O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor.
No meio deste isolamento que nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma vez o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado.
Da sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós. Não apaguemos a mecha que ainda fumega (cf. Is 42, 3), que nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança.
“Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas
as contrariedades da hora atual, abandonando por um momento a nossa
ânsia de omnipotência e possessão, para dar espaço à criatividade
que só o Espírito é capaz de suscitar”, disse o Papa.
Significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos possam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade. Na sua cruz, fomos salvos para acolher a esperança e deixar que seja ela a fortalecer e sustentar todas as medidas e estradas que nos possam ajudar a salvaguardar-nos e a salvaguardar. Abraçar o Senhor, para abraçar a esperança. Aqui está a força da fé, que liberta do medo e dá esperança.
“Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos
corações! Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e
sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da
tempestade. Continua a repetir- nos: «Não tenhais medo!». E nós,
juntamente com Pedro, «confiamos-Te todas as nossas preocupações,
porque Tu tens cuidado de nós»”, encerrou Francisco.
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