A liturgia do 19º domingo do tempo comum dá-nos
conta, uma vez mais, da preocupação de Deus em oferecer aos homens o “pão” da
vida plena e definitiva. Por outro lado, convida os homens a prescindirem do
orgulho e da auto-suficiência e a acolherem, com reconhecimento e gratidão, os
dons de Deus.
A primeira leitura mostra como Deus Se preocupa em
oferecer aos seus filhos o alimento que dá vida. No “pão cozido sobre pedras
quentes” e na “bilha de água” com que Deus retempera as forças do profeta
Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude para com
os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para testemunhar,
mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo.
O Evangelho apresenta Jesus como o “pão” vivo que
desceu do céu para dar a vida ao mundo. Para que esse “pão” sacie
definitivamente a fome de vida que reside no coração de cada homem ou mulher, é
preciso “acreditar”, isto é, aderir a Jesus, acolher as suas propostas, aceitar
o seu projeto, segui-l’O no “sim” a Deus e no amor aos irmãos.
A segunda leitura mostra-nos as consequências da
adesão a Jesus, o “pão” da vida… Quando alguém acolhe Jesus como o “pão” que
desceu do céu, torna-se um Homem Novo, que renuncia à vida velha do egoísmo e
do pecado e que passa a viver no caridade, a exemplo de Cristo.
1ª leitura – 1Re. 19,4-8 - AMBIENTE
Elias atua no Reino do Norte (Israel) durante o
século IX a.C., num tempo em que a fé jahwista é posta em causa pela preponderância
que os deuses estrangeiros (especialmente Baal) assumem na cultura religiosa de
Israel. Provavelmente, estamos diante de uma tentativa de abrir Israel a outras
culturas, a fim de facilitar o intercâmbio cultural e comercial… Mas essas
razões políticas não são entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de
Israel. O ministério profético de Elias desenvolve-se sobretudo durante o
reinado de Acab (873-853 a.C.), embora a sua voz também se tenha feito ouvir no
reinado de Ocozias (853-852 a.C.).
Elias é o grande defensor da fidelidade a Jahwéh.
Ele aparece como o representante dos israelitas fiéis que recusavam a
coexistência de Jahwéh e de Baal no horizonte da fé de Israel. Num episódio
dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os profetas de Baal para um
duelo religioso que terminou com um massacre de quatrocentos profetas de Baal
no monte Carmelo (cf. 1 Re. 18). Esse episódio é, certamente, uma apresentação
teológica dessa luta sem tréguas que se trava entre os fiéis a Jahwéh e os que
abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos.
Para além da questão do culto, Elias defende a Lei
em todas as suas vertentes (veja-se, por exemplo, a sua defesa intransigente
das leis da propriedade em 1 Re. 21, no célebre episódio da usurpação das
vinhas de Nabot): ele representa os pobres de Israel, na sua luta sem tréguas
contra uma aristocracia e uns comerciantes todo-poderosos que subvertiam a seu
bel-prazer as leis e os mandamentos de Jahwéh.
Após o massacre dos 400 profetas de Baal no monte
Carmelo, Acab e a sua esposa fenícia juraram matar Elias; e o profeta fugiu
para o sul, a fim de salvar a vida. Chegado à zona de Beer-Sheba, Elias
internou-se no deserto. É precisamente nesse contexto que o episódio do Livro
dos Reis que hoje nos é proposto nos situa.
MENSAGEM
A cena apresenta-nos um Elias abatido, deprimido e
solitário face à incompreensão e à perseguição de que é alvo. O profeta sente
que falhou, que a sua missão está condenada ao fracasso e que a sua luta o
conduziu a um beco sem saída; sente medo e está prestes a desistir de tudo… O
pedido que o profeta faz a Deus no sentido de lhe dar a morte (v. 4) reflete o
seu profundo desânimo, desilusão, angústia e desespero. É uma cena tocante, que
nos recorda que o profeta é um homem e que está, por isso, condenado a fazer a
experiência da sua fragilidade e da sua finitude.
No entanto, Deus não está longe e não abandona o
seu profeta. O nosso texto refere, neste contexto, a solicitude e o amor de
Deus, que oferece a Elias “pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água”
(v. 6). É a confirmação de que o profeta não está perdido nem abandonado por
Deus, mesmo quando é incompreendido e perseguido pelos homens. A cena
garante-nos a presença contínua de Deus e o seu cuidado com aqueles que chama e
a quem dá o alimento e o alento para serem fiéis à missão, mesmo em contextos
adversos. Repare-se como Deus não anula a missão do profeta, nem elimina os
perseguidores; mas limita-Se a dar ao profeta a força para continuar a sua
peregrinação.
Alimentado pela força de Deus, o profeta caminha
durante “quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, o Horeb” (v. 8).
A referência aos “quarenta dias e quarenta noites” alude certamente à estadia
de Moisés na montanha sagrada (cf. Ex 24,18), onde se encontrou com Deus e onde
recebeu de Jahwéh as tábuas da Lei; também pode aludir à caminhada do Povo
durante quarenta anos pelo deserto, até alcançar a Terra Prometida. Em qualquer
caso, esta peregrinação ao Horeb – o monte da Aliança – é um regresso às fontes,
uma peregrinação às origens de Israel como Povo de Deus… Perseguido,
incompreendido, desesperado, Elias necessita revitalizar a sua fé e reencontrar
o sentido da sua missão como profeta de Jahwéh e como defensor dessa Aliança
que Deus ofereceu ao seu Povo no Horeb/Sinai.
ATUALIZAÇÃO
• No quadro que o texto nos apresenta, Elias
aparece como um homem vencido pelo medo e pela angústia, marcado pela decepção
e pelo desânimo, que experimentou dramaticamente a sua impotência no sentido de
mudar o coração do seu Povo e que, por isso, desistiu de lutar; a sua desilusão
é de tal forma grande, que ele prefere morrer a ter de continuar. “Este” Elias
testemunha essa condição de fragilidade e de debilidade que está sempre
presente na experiência profética. É um quadro que todos nós conhecemos bem… A
nossa experiência profética está, muitas vezes, marcada pelas incompreensões,
pelas calúnias, pelas perseguições; outras vezes, é o sentimento da nossa
impotência no sentido de mudar o mundo que nos angustia e desanima; outras
vezes ainda, é a constatação da nossa fragilidade, dos nossos limites, da nossa
finitude que nos assusta… Como responder a um quadro deste tipo e como encarar
esta experiência de fragilidade e de debilidade? A solução será baixar os
braços e abandonar a luta? Quem pode ajudar-nos a enfrentar o drama da
desilusão e da decepção?
• O nosso texto garante-nos que Deus não
abandona aqueles a quem chama a dar testemunho profético. No “pão cozido sobre
pedras quentes” e na “bilha de água” com que Deus retempera as forças de Elias,
manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude para com os seus
filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para testemunhar, mesmo
nos momentos de dificuldade e de desânimo. Quando tudo parece cair à nossa
volta e quando a nossa missão parece condenada ao fracasso, é em Deus que temos
de confiar e é n’Ele que temos de colocar a nossa segurança e a nossa
esperança.
• Como nota marginal, atentemos na forma de
atuar de Deus: Ele não resolve magicamente os problemas do profeta, nem Se
substitui ao profeta… O profeta deve continuar a sua missão, enfrentando os
mesmos problemas de sempre; mas Deus “apenas” alimenta o profeta, dando-lhe a
coragem para continuar a sua missão. Por vezes, pedimos a Deus que nos resolva
milagrosamente os problemas, com um golpe mágico, enquanto nós ficamos, de
braços cruzados, a olhar para o céu… O nosso Deus não Se substitui ao homem,
não ocupa o nosso lugar, não estimula com a sua ação a nossa preguiça e a nossa
instalação; mas está ao nosso lado sempre que precisamos d’Ele, dando-nos a
força para vencer as dificuldades e indicando-nos o caminho a seguir.
• A “peregrinação” de Elias ao Horeb/Sinai,
para se reencontrar com as origens da fé israelita e para recarregar as
baterias espirituais, sugere-nos a necessidade de, por vezes, encontrarmos
momentos de “paragem”, de reflexão, de “retiro”, de reencontro com Deus, de
redescoberta dos fundamentos da nossa missão… Essa “paragem” não será nunca um
tempo perdido; mas será uma forma de recentrarmos a nossa vida em Deus e de redescobrirmos
os desafios que Deus nos faz, no âmbito da missão que nos confiou.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
Enaltecei comigo o Senhor
e exaltemos juntos o seu nome.
Procurei o Senhor e Ele atendeu-me, libertou-me de
toda a ansiedade.
Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes, o vosso
rosto não se cobrirá de vergonha.
Este pobre clamou e o Senhor o ouviu, salvou-o de
todas as angústias.
O Anjo do Senhor protege os que O temem e
defende-os dos perigos.
Saboreai e vede como o Senhor é bom:
feliz o homem que n’Ele se refugia.
2ª leitura – Ef 4,30-5,2 - AMBIENTE
A nossa segunda leitura apresenta-nos, mais uma
vez, um texto dessa “carta circular” que Paulo escreveu a várias comunidades
cristãs da parte ocidental da Ásia Menor (inclusive aos cristãos de Éfeso),
enquanto estava na prisão (em Roma, durante os anos 61-63?). Esta carta
(escrita na fase final da vida de Paulo) é uma carta onde o apóstolo expõe aos
cristãos, de forma serena e refletida, as principais exigências da vida nova
que resulta do batismo.
Na secção que vai de 4,1 a 6,20, temos uma
“exortação aos batizados”: é um texto parenético, que tem por objetivo
principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Batismo e
com o seu compromisso com Cristo. A perícope de 4,14-15,14 (que inclui o nosso
texto) deve ser entendida como um convite a viver de acordo com a condição de
Homem Novo, que o cristão adquiriu no dia do seu batismo.
MENSAGEM
Pelo Batismo, cada cristão tornou-se morada do
Espírito; e ao acolher o Espírito, recebeu um sinal ou selo que prova a sua
pertença a Deus. Tem, portanto, de viver em consequência e de expressar, nas
suas ações concretas, a vida nova do Espírito. A exortação a “não contristar” o
Espírito (4,30) deve entender-se como “não decepcioneis o Espírito que habita
em vós, continuando a viver de acordo com o homem velho”.
Em concreto, o que é que implica ser “morada do
Espírito”?
Significa, por um lado, que os vícios do “homem
velho” (o azedume, a irritação, a cólera, o insulto, a maledicência e toda a
espécie de maldade – 4,31) devem ser eliminados da vida do cristão. Repare-se
como todos estes “vícios” dizem respeito ao mundo da relação com os irmãos: o
cristão deve evitar qualquer ação que se oponha ao amor.
Significa, por outro lado, pautar toda a vida por
atitudes de bondade, de compaixão, de perdão, de amor, tendo Cristo como o
modelo de vida (4,32).
O que fundamenta todas estas exortações é o fato de
os crentes serem “filhos bem amados de Deus”; por isso, devem imitar a
perfeição, a bondade e o amor de Deus. Como exemplo concreto, os crentes têm
diante dos olhos Cristo, o Filho bem amado de Deus que, cumprindo os projetos
do Pai, ofereceu a sua vida por amor aos homens (5,1-2).
ATUALIZAÇÃO
Pelo batismo, os cristãos tornam-se filhos amados
de Deus e passam a integrar a comunidade de Deus. O Batismo não é, portanto,
uma tradição familiar, um rito cultural, ou uma obrigação social; mas é um
momento sério de opção por Deus e de compromisso com os valores de Deus. Tenho
consciência de que me comprometi com a família de Deus e que devo viver como
filho de Deus? Tenho consciência de que assumi o compromisso de testemunhar no
mundo, com os meus gestos e atitudes, os valores de Deus? Tenho consciência de
que devo, portanto, procurar ser perfeito “como o Pai do céu é perfeito” (cf.
Mt. 5,48)?
Para os batizados, o modelo do “Filho amado de
Deus” que cumpre absolutamente os planos do Pai, é Jesus… A vida de Jesus
concretizou-se na contínua escuta dos projetos do Pai e no amor total aos
homens. Esse amor (que teve a sua expressão máxima na cruz) expressou-se sempre
em gestos de entrega aos homens, de serviço humilde aos irmãos, de dom de Si
próprio, de acolhimento de todos os marginalizados, de bondade sem fronteiras,
de perdão sem limites… Dessa forma, Jesus foi o paradigma do Homem Novo, o
modelo que Deus propõe a todos os outros seus filhos. Como é que me situo face
a esse “modelo” que é Jesus? Como Ele, vivo numa atenção constante às propostas
de Deus e disposto a responder positivamente aos seus desafios? Como Ele, estou
disposto a despir-me do egoísmo, a caminhar na caridade e a fazer da minha vida
um dom total aos irmãos?
• Seguir Cristo e ser um Homem Novo implica,
na perspectiva de Paulo, assumir uma nova atitude nas relações com os irmãos. O
apóstolo chega a especificar que o azedume, a irritação, os rancores, os
insultos, as violências, a má-língua, a inveja, os orgulhos mesquinhos devem
ser totalmente banidos da vida dos cristãos. Esses “vícios” são manifestações
do “homem velho” que não cabem na existência de um “filho de Deus”, cuja vida
foi marcada com o selo do Espírito. É necessário que estejamos cientes desta
realidade: quando na nossa vida pessoal ou comunitária nos deixamos levar pelo
rancor, pelo ciúme, pelo ódio, pela violência, pela mesquinhez e magoamos os
irmãos que nos rodeiam, estamos a ser incoerentes com o compromisso que
assumimos no dia do nosso Batismo e a cortar a nossa relação com a família de
Deus.
Evangelho – Jo 6,41-51 - AMBIENTE
Naquele tempo, 41os judeus começaram a murmurar a respeito de Jesus, porque havia dito: “Eu sou o pão que desceu do céu”.
42Eles comentavam: “Não é este Jesus o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como pode então dizer que desceu do céu?”
43Jesus respondeu: “Não murmureis entre vós. 44Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia. 45Está
escrito nos profetas: ‘Todos serão discípulos de Deus’. Ora, todo
aquele que escutou o Pai, e por ele foi instruído, vem a mim. 46Não que alguém já tenha visto o Pai. Só aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. 47Em verdade, em verdade vos digo, quem crê, possui a vida eterna.
48Eu sou o pão da vida. 49Os vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. 50Eis aqui o pão que desce do céu: quem dele comer, nunca morrerá. 51Eu
sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente.
E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”.
No seu “livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), João
apresenta-nos um conjunto de cinco catequeses sobre Jesus; e, em cada uma
delas, usando diferentes símbolos, Jesus é apresentado como o Messias que veio
ao mundo para cumprir o plano do Pai e fazer aparecer um Homem Novo. Todas
essas catequeses (“Jesus, a água que dá a vida” – cf. Jo 4,1-5,47; “Jesus, o
verdadeiro pão que sacia todas as fomes” – cf. Jo 6,1-7,53; “Jesus, a luz que
liberta o homem das trevas” – cf. Jo 8,12-9,41; “Jesus, o Bom Pastor que dá a
vida pelas suas ovelhas” – cf. Jo 10,1-42; “Jesus, vida e ressurreição para o
mundo” – cf. Jo 11,1-56) terminam com uma secção onde se manifesta a oposição
dos judeus a essa vida nova que Jesus veio propor aos homens. João vai, dessa
forma, preparando os seus leitores para aquilo que vai acontecer em Jerusalém
no final da caminhada histórica de Jesus: a morte na cruz.
O texto que nos é hoje proposto apresenta-nos uma
dessas histórias de confronto entre Jesus e os judeus. No final do discurso
explicativo da multiplicação dos pães e dos peixes, pronunciado na sinagoga de
Cafarnaum (cf. Jo 6,22-40), Jesus propusera-Se como “o Pão da vida” e convidara
os seus interlocutores a aderirem à sua proposta para nunca mais terem fome. O
nosso texto é a sequência desse episódio. Refere a murmuração dos judeus a
propósito das palavras de Jesus e descreve a controvérsia que se seguiu.
MENSAGEM
Os interlocutores de Jesus não aceitam a sua
pretensão de Se apresentar como “o pão que desceu do céu”. Eles conhecem a sua
origem humana, sabem que o seu pai é José, conhecem a sua mãe e a sua família;
e, na sua perspectiva, isso exclui uma origem divina (v. 41). Em consequência,
eles não podem aceitar que Jesus Se arrogue a pretensão de trazer aos homens a
vida de Deus.
Em lugar de discutir a questão da sua origem
divina, Jesus prefere denunciar aquilo que está por detrás da atitude negativa
dos judeus face à proposta que lhes é feita: eles não têm o coração aberto aos
dons de Deus e recusam-se a aceitar os desafios de Deus… O Pai apresenta-lhes
Jesus e pede-lhes que vejam em Jesus o “pão” de Deus para dar vida ao mundo;
mas os judeus, instalados nas suas certezas, amarrados às suas seguranças,
acomodados a um sistema religioso ritualista, estéril e vazio, já decidiram que
não têm fome de vida e que não precisam para nada do “pão” de Deus. Não estão,
portanto, dispostos, a acolher Jesus, “o pão que desceu do céu” (vs. 43-46).
Eles não escutam Jesus, porque estão instalados num esquema de orgulho e de
auto-suficiência e, por isso, não precisam de Deus.
Para aqueles que, efetivamente, O querem aceitar
como “o pão de Deus que desceu do céu”, Jesus traz a vida eterna. Ele “é”, de
fato, o “pão” que permite ao homem saciar a sua fome de vida (“Eu sou o pão da
vida” – v. 48). A expressão “Eu sou” é uma fórmula de revelação (correspondente
ao nome de Deus – “Eu sou aquele que sou” – tal como aparece em Ex. 3,14) que
manifesta a origem divina de Jesus e a validade da proposta de vida que Ele
traz. Quem adere a Jesus e à proposta que Ele veio apresentar (“quem acredita”
– v. 47) encontra a vida definitiva. O que é decisivo, neste processo, é o
“acreditar” – isto é, o aderir efetivamente a Jesus e aos valores que Ele veio
propor.
Essa vida que Jesus está disposto a oferecer não é
uma vida parcial, limitada e finita; mas é uma vida verdadeira e eterna. Para
sublinhar esta realidade, Jesus estabelece um paralelo entre o “pão” que Ele
veio oferecer e o maná que os israelitas comeram ao longo da sua caminhada pelo
deserto… No deserto, os israelitas receberam um pão (o maná) que não lhes
garantia a vida eterna e definitiva e que nem sequer lhes assegurava o encontro
com a terra prometida e com a liberdade plena (alimentada pelo antigo maná, a
geração saída da escravidão do Egito nunca conseguiu apropriar-se da vida em
plenitude e nem sequer chegou a alcançar essa terra da liberdade que buscavam);
mas o “pão” que Jesus quer oferecer ao homem levará o homem a alcançar a meta
da vida plena (vs. 49-50). “Vida plena” não indica aqui, apenas, um “tempo” sem
fim; mas indica, sobretudo, uma vida com uma qualidade única, com uma qualidade
ilimitada – uma vida total, a vida do homem plenamente realizado.
Jesus vai dar a sua “carne” (“o pão que Eu hei-de
dar é a minha carne” – v. 51) para que os homens tenham acesso a essa vida
plena, total, definitiva. Jesus estará aqui a referir-se à sua “carne” física?
Não. A “carne” de Jesus é a sua pessoa – essa pessoa que os discípulos conhecem
e que se lhes manifesta, todos os dias, em gestos concretos de amor, de
bondade, de solicitude, de misericórdia. Essa “pessoa” revela-lhes o caminho
para a vida verdadeira: nas atitudes, nas palavras de Jesus, manifesta-se
historicamente ao mundo o Deus que ama os homens e que os convida, através de
gestos concretos, a fazer da vida um dom e um serviço de amor.
ATUALIZAÇÃO
Repetindo o tema central do texto que refletimos no
passado domingo, também o Evangelho que hoje nos é proposto nos convida a
acolher Jesus como o “pão” de Deus que desceu do céu para dar a vida aos
homens… Para nós, seguidores de Jesus, esta afirmação não é uma afirmação de
circunstância, mas um fato que condiciona a nossa existência, as nossas opções,
todo o nosso caminho. Jesus, com a sua vida, com as suas palavras, com os seus
gestos, com o seu amor, com a sua proposta, veio dizer-nos como chegar à vida
verdadeira e definitiva. Que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? É à volta
d’Ele que construímos a nossa existência? O projeto que Ele veio propor-nos tem
um real impacto na nossa caminhada e nas opções que fazemos em cada instante?
• “Quem acredita em Mim, tem a vida eterna” –
diz-nos Jesus. “Acreditar” não é, neste contexto, aceitar que Ele existiu,
conhecer a sua doutrina, ou elaborar altas considerações teológicas a propósito
da sua mensagem… “Acreditar” é aderir, de fato, a essa vida que Jesus nos
propôs, viver como Ele na escuta constante dos projetos do Pai, segui-l’O no
caminho do amor, do dom da vida, da entrega aos irmãos; é fazer da própria vida
– como Ele fez da sua – uma luta coerente contra o egoísmo, a exploração, a
injustiça, o pecado, tudo o que desfeia a vida dos homens e traz sofrimento ao
mundo. Eu posso dizer, com verdade e objetividade, que “acredito” em Jesus?
No seu discurso, Jesus faz referência ao maná como
um alimento que matou a fome física dos israelitas em marcha pelo deserto, mas
que não lhes deu a vida definitiva, não lhes transformou os corações, não lhes
assegurou a liberdade plena e verdadeira (só o “pão” que Jesus oferece sacia
verdadeiramente a fome de vida do homem). O maná pode representar aqui todas
essas propostas de vida que, tantas vezes, atraem a nossa atenção e o nosso
interesse, mas que vêm a revelar-se falíveis, ilusórias, parciais, porque não
nos libertam da escravidão nem geram vida plena. É preciso aprendermos a não
colocar a nossa esperança e a nossa segurança no “pão” que não sacia a nossa
fome de vida definitiva; é necessário aprendermos a discernir entre o que é
ilusório e o que é eterno; é preciso aprendermos a não nos deixarmos seduzir
por falsas propostas de realização e de felicidade; é necessário aprendermos a
não nos deixarmos manipular, aceitando como “pão” verdadeiro os valores e as
propostas que a moda ou a opinião pública dominante continuamente nos oferecem…
• Porque é que os judeus rejeitam a proposta
de Jesus e não estão dispostos a aceitá-l’O como “o pão que desceu do céu”?
Porque vivem instalados nas suas grandes certezas teológicas, prisioneiros dos
seus preconceitos, acomodados num sistema religioso imutável e estéril e
perderam a faculdade de escutar Deus e de se deixar desafiar pela novidade de
Deus. Eles construíram um Deus fixo, calcificado, previsível, rígido,
conservador, e recusam-se a aceitar que Deus encontre sempre novas formas de
vir ao encontro dos homens e de lhes oferecer vida em abundância. Esta “doença”
de que padecem os líderes e “fazedores” de opinião do mundo judaico não é assim
tão rara… Todos nós temos alguma tendência para a acomodação, a instalação, o
aburguesamento; e quando nos deixamos dominar por esse esquema, tornamo-nos
prisioneiros dos ritos, dos preconceitos, das ideias política ou religiosamente
corretas, de catecismos muito bem elaborados mas parados no tempo, das
elaborações teológicas muito coerentes e muito bem arrumadas mas que deixam
pouco espaço para o mistério de Deus e para os desafios sempre novos que Deus
nos faz. É preciso aprendermos a questionar as nossas certezas, as nossas
ideias pré-fabricadas, os esquemas mentais em que nos instalamos comodamente; é
preciso termos sempre o coração aberto e disponível para esse Deus sempre novo
e sempre dinâmico, que vem ao nosso encontro de mil formas para nos apresentar
os seus desafios e para nos oferecer a vida em abundância.
P. Joaquim Garrido,
P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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