Por que o menino Jesus que nasce na manjedoura de Belém é uma ameaça tão grande aos poderes deste mundo.
Quando os magos vindos do Oriente chegaram a Jerusalém perguntando por um tal "rei dos judeus", Herodes ficou alarmado (cf. Mt
2, 3). O nascimento de um outro rei era um claro sinal de ameaça à sua
soberania. Ele, porém, não se limitando a preocupar-se, queria saber
onde estava o menino que acabara de nascer (cf. Mt 2, 8): não
porque quisesse adorá-lo, como queriam os magos, mas por desejo de
matá-lo. (O cruel martírio dos Santos Inocentes que o diga.)
Ainda hoje, diante de Cristo que Se apresenta como Rei do Universo, os
poderes deste mundo esboçam a mesma reação. Primeiro, sentem-se
ameaçados: diante de uma autoridade que os sobrepuja, eles se incomodam,
pois sabem que isso significa um limite ao seu poder. Se Deus existe, nem tudo é permitido.
Depois, passado o primeiro choque, eles precisam tomar uma decisão: ou
procuram a estrela de Belém para prostrar-se diante do menino Jesus, ou
saem à caça de Deus para (tentar) usurpar o Seu trono. No fundo, o que
lhes ressoa aos ouvidos é a velha tentação que seduziu os nossos
primeiros pais: "Sereis como deuses" (Gn 3, 5).
Deste episódio do Evangelho, no entanto, uma leitura psicológica talvez
indique com mais propriedade o porquê de vivermos em um mundo tão
secularizado e afastado de Deus. Na verdade, Cristo não reina apenas
sobre o cosmos, mas quer ser "rex et centrum omnium cordium
– rei e centro de todos os corações". O rei Herodes ameaçado não são
apenas os Stálines, os Hitleres e os Estados Islâmicos deste mundo; cada
ser humano em particular pode se sentir incomodado pela soberania
divina ou até sair em uma louca perseguição contra o menino Jesus – como
fazem os chamados "ateus militantes", que, mesmo não acreditando em
Deus, só sabem falar n'Ele o dia inteiro.
Sob essa perspectiva – a da alma –, todo o cenário muda e ninguém está isento de uma analogia com o sanguinário Herodes.
É que o grande mal deste mundo – que dá origem a todas as perseguições,
ditaduras e massacres – chama-se "pecado". Não adianta fugir ou
disfarçar, dizendo que o inimigo está fora ou que "o inferno são os
outros". A verdade é que "todos pecaram e estão privados da glória de
Deus" (Rm 3, 23). Sem a vida da graça, que nos é dada por
Cristo, através do batismo e do perdão dos pecados, a humanidade está
toda no mesmo nível.
É inútil recorrer a qualquer divisão humana – burgueses e proletários,
direita e esquerda, ricos e pobres, liberais e socialistas – para
explicar o problema da maldade. O mundo se divide verdadeiramente em "cidade de Deus" (civitas Dei) e "cidade dos homens" (civitas hominum): em quem está na graça de Deus e em quem está vivendo no pecado mortal.
No fim das contas, os justos ganharão a vida eterna – o Céu; e os maus,
o opróbrio eterno – o inferno. Tudo o mais não passa de ilusão,
ideologia e engano. A quem se gaba de ser mais que os outros confiando
em qualquer coisa que não seja a graça divina, Nosso Senhor dá o seu
alerta: "Se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo" (Lc 13, 3).
Quem olha para personagens bíblicas perversas, como o endurecido faraó,
o rei Nabucodonosor ou os carrascos que crucificaram Jesus, é tentado a
tomar a atitude daquele fariseu do Evangelho que, batendo no peito,
agradecia por não ser tão pecador quanto o resto dos homens (cf. Lc 18,
9-14). O Catecismo da Igreja Católica, porém, é bem claro ao dizer que
"todos os pecadores foram os autores da Paixão de Cristo" (§ 598).
Basta que nos examinemos atentamente, sem máscaras ou tentativas de
desculpar-nos, e enxergaremos dentro de nós um Herodes totalitário,
"preocupado" com os seus direitos, cioso de sua posição, sempre agitado interiormente por não querer "dar a Deus o que é de Deus".
É como reagem também muitas pessoas que, tendo abandonado os pecados
mais grosseiros, ainda teimam em adiar a sua "segunda conversão": não se
dedicam à vida de oração, nem ao cumprimento dos próprios deveres de
estado, e negligenciam a luta contra a maledicência e alguns "pecados de
estimação", que vão – sem que se deem conta – entravando o caminho de
seu progresso espiritual.
Alguém pode objetar que há muitas guerras e violências acontecendo no
mundo para que fiquemos nos preocupando com os nossos próprios defeitos –
aparentemente tão insignificantes. Veja-se, por exemplo, como alguns
lugares do mundo estão deixando de celebrar o Natal. Países mais
secularizados, principalmente na Europa, já vivem uma "guerra aberta" à
festa da natividade de Cristo. Presépios, árvores natalinas ou quaisquer
referências ao menino Jesus são prontamente banidas pelas autoridades públicas; a típica saudação Merry Christmas vai se convertendo em Happy Holidays – assim como, no Brasil, o bom e velho Feliz Natal vai facilmente degenerando em um vago e laico Boas Festas.
Até aquilo que era essencialmente religioso vai, pouco a pouco, sendo
profanado e destruído por um "fato inteiramente novo e desconcertante": a
existência de um "ateísmo militante, operando em plano mundial" [3].
O que acontece publicamente, porém, é apenas o sinal externo de uma tragédia que já acontece dia após dia nos corações humanos. Antes de Herodes ordenar a morte de "todos os meninos de Belém", "de dois anos para baixo" (Mt 2,
16), ele já havia matado Deus em seu coração. "Não poderá haver paz no
mundo se não houver paz na alma", pregava o venerável servo de Deus,
Fulton Sheen. "As guerras mundiais não passam de projeções dos conflitos
travados dentro das almas dos homens modernos, pois nada acontece no mundo exterior que não tenha primeiro acontecido dentro de uma alma" [2].
Por isso, para resgatar a beleza do Natal – e trazer a fé de volta ao
mundo –, não bastam os presépios; não basta que o menino Jesus seja
simplesmente disposto em uma manjedoura. É preciso que Ele encontre
abrigo em nossas almas. Caso contrário, ano após ano, o Natal continuará
sendo uma simples "festa de fim de ano", o "feriado" pagão de quem
exteriormente está feliz, mas interiormente está a viver o prelúdio do
inferno, porque afastado da amizade de Deus.
"Se as almas não forem salvas, nada se salvará", dizia
Fulton Sheen [2]. "Dai-me almas e ficai com o resto", repetia São João
Bosco. Caia o mundo, venham abaixo os céus, entre tudo em extinção, mas
que se salvem as almas! Porque é delas que tem sede Nosso Senhor; e são
elas que povoarão, por toda a eternidade, o Reino dos céus!
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- Admonitiones, 5 (FF, 154).
- Papa São João XXIII, Constituição Apostólica Humanae Salutis (25 de dezembro de 1961), n. 3.
- SHEEN, Fulton. A Paz da Alma (Trad. de Oscar Mendes). São Paulo: Editora Molokai, 2015, p. 7.
- Idem.
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