A liturgia deste domingo convida-nos a
despir esses valores efêmeros e egoístas a que, às vezes, damos uma importância
excessiva e a realizar uma revolução da nossa mentalidade, de forma a que os
valores fundamentais que marcam a nossa vida sejam os valores do “Reino”.
Na primeira leitura, o profeta Isaías apresenta um enviado de Jahwéh, da
descendência de David, sobre quem repousa a plenitude do Espírito de Deus; a
sua missão será construir um reino de justiça e de paz sem fim, de onde estarão
definitivamente banidas as divisões, as desarmonias, os conflitos. No
Evangelho, João Batista anuncia que a concretização desse “Reino” está muito
próxima… Mas, para que o “Reino” se torne realidade viva no mundo, João convida
os seus contemporâneos a mudar a mentalidade, os valores, as atitudes, a fim de
que nas suas vidas haja lugar para essa proposta que está para chegar…
“Aquele que vem” (Jesus) vai propor aos homens um batismo “no Espírito Santo e
no fogo” que os tornará “filhos de Deus” e capazes de viver na dinâmica do
“Reino”. A segunda leitura dirige-se àqueles que receberam de Jesus a proposta
do “Reino”: sendo o rosto visível de Cristo no meio dos homens, eles devem dar
testemunho de união, de amor, de partilha, de harmonia entre si, acolhendo e
ajudando os irmãos mais débeis, a exemplo de Jesus.
1ª leitura: Is.
11,1-10 - AMBIENTE
A primeira leitura apresenta-nos um
poema que alimenta o sonho do regresso a essa época ideal do reinado de David e
que dá fôlego à corrente messiânica. Não é claro o enquadramento histórico em
que este oráculo aparece. Para alguns autores, contudo, este poema (e outros
semelhantes) surge na fase final da atividade profética de Isaías…
Quando o rei Ezequias atingiu a
maioridade e começou a dirigir os destinos de Judá (por volta de 714 a.C.),
preocupou-se em consolidar uma frente anti-assíria (a potência que, nessa
época, ameaçava os países da zona), com o Egito, a Fenícia e a Babilônia.
Isaías condenou essas iniciativas… Elas significavam um colocar a
confiança e a esperança no poder de exércitos estrangeiros, negligenciando o
poder de Jahwéh: eram, portanto, um grave sinal de infidelidade ao Deus de
Judá. Essas iniciativas, na opinião do profeta, não poderiam conduzir senão à
ruína da nação… De fato, as previsões funestas de Isaías realizaram-se quando
Senaquerib invadiu Judá, cercou Jerusalém e obrigou Ezequias a submeter-se ao
poderio assírio (701 a.C.).
Por essa altura, desiludido com a
política dos reis de Judá, o profeta teria começado a sonhar com um tempo novo,
sem armas e sem guerras, de justiça e de paz sem fim. Tal “reino” só poderia
surgir da iniciativa de Jahwéh (os reis humanos de há muito que se haviam
revelado incapazes de conduzir o Povo em direção a um futuro de paz); e o
instrumento de Jahwéh na implementação desse “reino” seria, na opinião do
profeta, um descendente de David. Este texto será, talvez, dessa época em que a
profecia e o sonho de um mundo melhor se combinam.
MENSAGEM
Na primeira parte do poema (vs. 1-5), o
profeta apresenta a personagem que será o instrumento de Deus na realização
desse “reino” de justiça e de paz…
Em primeiro lugar, o profeta anuncia
que esse instrumento de Deus virá “da raiz de Jessé”. Jessé era o pai de David;
portanto, ele será da descendência de David (o que nos liga à promessa feita
por Deus a David – cf. 2Sm. 7) e, presumivelmente, fará voltar esse
tempo ideal de bem-estar, de abundância e de paz que o Povo de Deus conheceu
durante o reinado ideal de David.
Em segundo lugar, essa personagem
será animada pelo Espírito de Deus (“ruah Jahwéh”). É o mesmo Espírito
que ordenou o universo na aurora da criação (cf. Gn. 1,2), que animou os heróis
carismáticos de Israel (cf. Jz. 3,10; 6,34; 11,29), que inspirou os
profetas (cf. Nm. 11,17; 1Sm. 10,6.10; 19,20; 2Sm. 23,2; 2Re. 2,9; Mi. 3,8; Is.
48,16; 61,1; Zac. 7,12). Esse Espírito confere a esse enviado de Deus as
virtudes eminentes dos seus antepassados: sabedoria e inteligência como
Salomão, espírito de conselho e de fortaleza como David, espírito de
conhecimento e de temor de Deus como os patriarcas e profetas (aos seis dons
aqui enunciados, a tradução grega dos “Setenta” acrescentará a “piedade”: é
esta a origem da nossa lista dos sete dons do Espírito Santo).
Da plenitude dos carismas brota o
exercício da justiça e a construção de um “reino” onde os direitos dos mais
pobres são respeitados e onde os oprimidos conhecerão a liberdade e a paz.
Desse “reino” serão excluídas, definitivamente, a injustiça, a mentira, a
opressão… Tal será o “reino” que o “messias” virá inaugurar.
Na segunda parte do oráculo (vs. 6-9),
o profeta apresenta – recorrendo a imagens muito belas – o quadro desse mundo
novo que o “Messias” vai instaurar. A revolta do homem contra Deus (cf. Gn. 3)
havia introduzido no mundo fatores de desequilíbrio que quebraram a harmonia
entre o homem e a natureza (cf. Gn. 3,17-19), entre o homem e o seu irmão
(cf. Gn. 4)… Mas agora o “Messias” trará a paz e, dessa forma, cumprir-se-á o
projeto inicial que Deus tinha para o mundo e para o homem: os animais
selvagens e os animais domésticos viverão em harmonia (o lobo e o cordeiro
pantera e o cabrito, o bezerro e o leão; a vaca e o urso) e todos eles estarão
submetidos ao homem (representado pela criança – isto é, o homem na
sua fragilidade máxima). A própria serpente (o animal que despoletou a
desarmonia universal, ao estar na origem do afastamento do homem do Deus
criador) comungará desta harmonia e desta paz sem fim: é a superação total do
desequilíbrio, do conflito da divisão que o pecado do homem introduziu no
mundo.
Destruídas as inimizades, superadas as
desarmonias, o homem viverá em paz, em comunhão total com o seu Deus (v. 9). No
primeiro paraíso, o homem escolheu ser adversário de Deus e escolheu viver no
orgulho e na auto-suficiência; agora, por ação do “Messias”, ele
regressou à comunhão com o seu criador e passou a viver no “conhecimento de
Deus”. É o regresso ao paraíso original.
ATUALIZAÇÃO
♦ Para nós, cristãos, Jesus
Cristo é o “Messias” que veio tornar realidade o sonho do profeta. Ele iniciou
esse “reino” novo de justiça, de harmonia, de paz sem fim… Cheio do Espírito de
Deus, Ele passou pelo mundo convidando os homens a tornarem-se “filhos de
Deus” e a viverem no amor, na partilha, no dom da vida… Nós, seguidores de
Jesus, temos dado uma contribuição efetiva para que o “Reino” se torne
realidade no mundo?
♦ A Igreja deve ser o sinal vivo
desse “reino” novo de justiça e de paz… É isso que acontece? Ela tem anunciado
– com palavras e com gestos – o projeto de Jesus? As nossas comunidades cristãs
e religiosas dão testemunho de harmonia, de entendimento, de amor sem limites?
♦ Que a realidade do “Reino” se
concretize ou não, depende também daquilo que faço ou não faço. Em termos
pessoais: o que é que, nas minhas atitudes, nos meus comportamentos, é
contra-testemunho e impede o nascimento do “Reino” da felicidade e da paz?
1ª leitura: Rom
15,4-9 - AMBIENTE
A carta aos Romanos é uma carta de
reconciliação, endereçada aos romanos, mas dirigida a toda a Igreja fundada por
Jesus. Pretende – numa altura em que fundos culturais diversos e
sensibilidades diferentes dividiam os cristãos vindos do judaísmo e os cristãos
vindos do paganismo – afastar o perigo da divisão da Igreja e levar
todos os crentes (judeo-cristãos e pagano-cristãos) a redescobrir a unidade da
fé e a igualdade fundamental de todos diante de Deus. Desde que optaram por
Cristo e receberam o batismo, todos receberam o dom de Deus, tiveram acesso à
salvação e tornaram-se irmãos, chamados a viver no amor. O texto que nos é
proposto pertence à segunda parte da carta. Nessa parte (que vai de Rm. 12,1 a
15,13), Paulo exorta os cristãos a viver no amor; em concreto, dá aos cristãos
algumas indicações de caráter prático acerca do comportamento que devem assumir
para com os irmãos.
MENSAGEM
O texto que nos é apresentado como
segundo leitura tem de ser entendido no contexto mais amplo de uma
perícope que vai de 15,1 a 15,13. Literariamente, esta perícope está construída
na base de dois parágrafos simétricos (cf. Rm. 15,1-6 e 15,7-13) que apresentam
uma mesma sequência e uma mesma organização:
a) exortação;
b) motivação cristológica;
c) iluminação a partir da Escritura; d)
súplica final. Na primeira parte da perícopa (cf. Rm. 15,1-6).
Paulo exorta os cristãos a vencer
qualquer tipo de egoísmo e de auto-suficiência e a dar as mãos aos mais débeis
e necessitados (a); como motivo para este comportamento, Paulo apresenta o
exemplo de Cristo, que não procurou seguir um caminho de facilidade, mas
escolheu o amor e o dom da vida (b); este comportamento que Paulo pede aos
cristãos (e é aqui que começa o nosso texto de hoje) é aquele que a Escritura –
que foi escrita para nossa instrução – nos sugere (c); e, finalmente, Paulo
pede ao “Deus da perseverança e da consolação” que dê aos cristãos de Roma a
harmonia, a fim de que louvem a Deus com um só coração e uma só alma (d).
Na segunda parte da perícope (cf. Rm.
15,7-13), Paulo começa por exortar os crentes a não fazerem discriminações, mas
a acolherem todos (a); como motivo para este comportamento, Paulo aponta o
exemplo de Cristo, que acolheu a todos os homens (b); e Paulo justifica o que
disse atrás com o exemplo da Escritura (e é neste ponto que termina o trecho
que a liturgia nos propõe como segunda leitura), citando explicitamente vários
textos do Antigo Testamento (c); finalmente, Paulo pede ao “Deus da esperança”
que cumule os crentes “de alegria e de paz, na fé” (d). O mais importante de
tudo isto é a mensagem fundamental que sobressai nesta dupla estrutura: a
comunidade deve viver em harmonia, acolhendo e ajudando os mais fracos, sem
discriminar nem excluir ninguém, no amor e na partilha. Cristo é o exemplo que
os membros da comunidade devem ter sempre diante dos olhos… Convém também
não esquecer que o ser capaz de viver deste jeito é um dom de Deus – dom que os
crentes devem pedir em todos os momentos ao Pai.
ATUALIZAÇÃO
♦ A comunidade cristã – como
rosto visível de Cristo no mundo – tem de ser o lugar do amor, da partilha
fraterna, da harmonia, do acolhimento. No entanto, com bastante frequência
encontramos comunidades onde os irmãos estão divididos: criticam os outros de
forma avulsa, tomam atitudes agressivas que afastam os mais débeis, discriminam
aqueles que não entram na sua “panelinha”, estão aferrados ao poder e fazem
tudo para dominar os outros e para afirmar a sua superioridade… Isto
acontece na minha comunidade? Eu tenho algumas responsabilidades nessa
situação? O que posso fazer para mudar as coisas?
♦ Convém não esquecer que a
conversão à harmonia, à partilha com os mais pobres, ao amor fraterno, ao dom
da vida, é algo exigente, que não pode ser feito contando apenas com a boa
vontade do homem; mas é algo que só pode ser feito com a força e com a ajuda de
Deus… Lembro-me de pedir a Deus a sua ajuda para vencer o meu egoísmo e a minha
auto-suficiência e para amar verdadeiramente os meus irmãos? Estou disposto a
ir ao seu encontro e a deixar que Ele converta o meu coração e a minha vida?
Evangelho – Mt 3,1-12
- AMBIENTE
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus.
3 1 Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia.
2 Dizia ele: "Fazei penitência porque está próximo o Reino dos céus".
3 Este é aquele de quem falou o profeta Isaías, quando disse: "Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas!".
4 João usava uma vestimenta de pêlos de camelo e um cinto de couro em volta dos rins. Alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre.
5 Pessoas de Jerusalém, de toda a Judéia e de toda a circunvizinhança do Jordão vinham a ele.
6 Confessavam seus pecados e eram batizados por ele nas águas do Jordão.
7 Ao ver, porém, que muitos dos fariseus e dos saduceus vinham ao seu batismo, disse-lhes: "Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera vindoura?
8 Dai, pois, frutos de verdadeira penitência.
9 Não digais dentro de vós: ‘Nós temos a Abraão por pai!’ Pois eu vos digo: Deus é poderoso para suscitar destas pedras filhos a Abraão.
10 O machado já está posto à raiz das árvores: toda árvore que não produzir bons frutos será cortada e lançada ao fogo.
11 Eu vos batizo com água, em sinal de penitência, mas aquele que virá depois de mim é mais poderoso do que eu e nem sou digno de carregar seus calçados. Ele vos batizará no Espírito Santo e em fogo.
12 Tem na mão a pá, limpará sua eira e recolherá o trigo ao celeiro. As palhas, porém, queimá-las-á num fogo inextinguível".
Palavra da Salvação.
3 1 Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia.
2 Dizia ele: "Fazei penitência porque está próximo o Reino dos céus".
3 Este é aquele de quem falou o profeta Isaías, quando disse: "Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas!".
4 João usava uma vestimenta de pêlos de camelo e um cinto de couro em volta dos rins. Alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre.
5 Pessoas de Jerusalém, de toda a Judéia e de toda a circunvizinhança do Jordão vinham a ele.
6 Confessavam seus pecados e eram batizados por ele nas águas do Jordão.
7 Ao ver, porém, que muitos dos fariseus e dos saduceus vinham ao seu batismo, disse-lhes: "Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera vindoura?
8 Dai, pois, frutos de verdadeira penitência.
9 Não digais dentro de vós: ‘Nós temos a Abraão por pai!’ Pois eu vos digo: Deus é poderoso para suscitar destas pedras filhos a Abraão.
10 O machado já está posto à raiz das árvores: toda árvore que não produzir bons frutos será cortada e lançada ao fogo.
11 Eu vos batizo com água, em sinal de penitência, mas aquele que virá depois de mim é mais poderoso do que eu e nem sou digno de carregar seus calçados. Ele vos batizará no Espírito Santo e em fogo.
12 Tem na mão a pá, limpará sua eira e recolherá o trigo ao celeiro. As palhas, porém, queimá-las-á num fogo inextinguível".
Palavra da Salvação.
Depois do Evangelho da Infância (cf.
Mt. 1-2), Mateus apresenta a figura que prepara os homens para acolher Jesus:
João Baptista. João foi o guia carismático de um movimento de cariz popular,
que anunciava a proximidade do juízo de Deus. Vivia no deserto de Judá, nas
margens do rio Jordão. A sua mensagem estava centrada na urgência da conversão
(pois o “juízo de Deus” estava iminente); incluía um rito de
purificação pela água – um rito muito frequente, aliás, entre alguns grupos judeus
da época. É possível que João estivesse, de alguma forma, relacionado com essa
comunidade essênia que estava instalada em Qumran (o tema do juízo de Deus e os
rituais de purificação pela água faziam parte do dia a dia da comunidade
essênia).
Segundo a mais antiga tradição cristã,
Jesus esteve muito relacionado com o movimento de João, nos inícios da sua vida
pública e alguns discípulos de João tornaram-se, a partir de certa altura,
discípulos de Jesus (cf. Jô. 1,35-42).
Os primeiros cristãos identificaram
João com o mensageiro anunciado em Is. 40,3 e com Elias (2Re. 1,8) que, segundo
a tradição judaica, anunciaria a chegada do Messias (Mt. 11,14; 17,11; Ma.l
3,23-24 ou, noutras versões, 4,5-6). Nesta interpretação, João seria o
precursor que vem preparar o caminho e Jesus o Messias, enviado por Deus para
anunciar o reinado de Jahwéh.
MENSAGEM
Nesta primeira apresentação do Batista,
há vários fatores que nos interessa pôr em relevo: a figura, a mensagem, as
reações ao anúncio e a comparação entre o batismo de João e o batismo de
Jesus.
A figura do Batista é uma figura
que, por si só, nos questiona e interpela. João aparece ligado ao
deserto (o lugar das privações, do despojamento, mas também o lugar tradicional
do encontro entre Jahwéh e Israel) e não ao Templo ou aos sítios “in” onde se
reúne a sociedade seleta de Jerusalém; usa “uma veste tecida com pêlos de
camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins” (é dessa forma que se vestia,
também, Elias – cf. 2Re. 1,8), não as roupas finas, com pregas
cuidadosamente estudadas, dos sacerdotes da capital; a sua alimentação frugal
(de “gafanhotos e mel silvestre”) está em profundo contraste com as iguarias
finas que enchem as mesas da classe dirigente… João é, portanto, um homem
que – não só com palavras, mas também com a sua própria pessoa –
questiona um certo jeito de viver, voltado para as coisas, para os bens
materiais, para o “ter”. Convida a uma conversão, a uma mudança de valores, a
esquecer o supérfluo, para dar atenção ao essencial.
O que é que João prega? Mateus resume o
anúncio de João numa frase: “convertei-vos (“metanoeite”), porque está perto o
Reino dos céus” (v. 2). O verbo grego (metanoéo) aqui utilizado tem,
normalmente, o sentido de “mudar de mentalidade”; mas, aqui, deve ser visto na
perspectiva do Antigo Testamento – isto é, como um apelo a um
retorno incondicional ao Deus da Aliança. Porque é que esta “conversão” é tão
urgente? Porque o “Reino dos céus” está perto.
Muito provavelmente, João ligava a
vinda iminente do “Reino” ao “juízo de Deus”, que iria destruir os maus e
inaugurar, com os bons, um mundo novo (por isso, fala da “cólera que está para
vir” – v. 7; e acrescenta: “o machado já está posto à raiz das árvores. Por
isso, toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo” – v. 10).
A conversão era urgente, na perspectiva de João, pois aproximava-se a
intervenção justiceira de Deus na história humana; quem não estivesse do lado
de Deus seria aniquilado… É uma perspectiva muito em voga em certos
ambientes apocalípticos da época, nomeadamente na teologia dos essênios de
Qumran.
Quem são os destinatários desta
mensagem? Aparentemente, é uma mensagem destinada a todos. Mateus fala da
“gente que acorria de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a região do Jordão”
e que era batizada “por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados” (vs.
5-6).
No entanto, Mateus faz uma referência
especial aos fariseus e saduceus, para quem João tem palavras duríssimas: “raça
de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai ações
que se conformem ao arrependimento que manifestais. Não penseis que basta
dizer: «Abraão é nosso pai»…” (vs. 7-9). Trata-se de pessoas que “à cautela” ou
por curiosidade, vêm ao encontro de João; no entanto, sentem que o “juízo
de Deus” não os atingirá porque eles são filhos de Abraão, são membros
privilegiados do Povo eleito e estão do lado dos bons: Deus não terá outro
remédio senão salvá-los, quando vier para julgar o mundo e condenar os maus.
João avisa que não há salvação assegurada obrigatoriamente a quem tem o nome
inscrito nos registros do Povo eleito: é preciso viver em contínua conversão e
fazer as obras de Deus: “toda a árvore que não dá fruto, será cortada e lançada
ao fogo” (v. 10).
Neste texto aparece também, em relevo,
um rito praticado por João. Consistia na imersão na água do rio Jordão das
pessoas que aderiam a esse apelo à conversão.
Era, aliás, um rito praticado em certos
ambientes judaicos para significar a purificação do coração (nos ambiente
essênios, os banhos quotidianos expressavam o esforço em direção a uma vida
pura e a aspiração à graça purificadora)… O batismo de João significava o
arrependimento, o perdão dos pecados e a agregação ao “resto de Israel”,
subtraído à ira de Deus.
No entanto, João avisa: “aquele que vem
depois de mim (…) batizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo” (v. 11). De fato,
o batismo de Jesus vai muito além do batismo de João: confere a quem o recebe a
vida de Deus (Espírito) e torna-o “filho de Deus”; implica, além disso, uma
incorporação na Igreja (a comunidade dos que aderiram à proposta de salvação
que Cristo trouxe) e a participação ativa na missão da Igreja (cf. At. 2,1-4).
Não significa, apenas, o arrependimento e o perdão dos pecados; significa um
quadro de vida completamente novo, uma relação de filiação com Deus e de
fraternidade com Jesus e com todos os outros batizados.
ATUALIZAÇÃO
♦ A questão dominante que o
Evangelho de hoje nos apresenta é a da conversão. Não é possível acolher
“aquele que vem” se o nosso coração estiver cheio de egoísmo, de orgulho, de
auto-suficiência, de preocupação com os bens materiais… É preciso, portanto, uma
mudança da nossa mentalidade, dos nossos valores, dos nossos comportamentos,
das nossas atitudes, das nossas palavras; é preciso um despojamento de tudo o
que rouba espaço ao “Senhor que vem”. Estou disposto a esta mudança, para que
no meu coração haja lugar para Jesus? O que é que, prioritariamente, deve mudar
na minha vida?
♦ A figura de João Batista
obriga-nos a questionar as nossas prioridades e valores fundamentais. Ele não
se apresenta de “smoking”, pois a sua prioridade não é brilhar em alguma festa
do jet-set; nem usa gravata e camisa de seda, pois a sua prioridade não é
impressionar os chefes ou mostrar que é um homem de sucesso em termos de ganhos
anuais; nem petisca pratos delicados com molhos esquisitos e nomes franceses,
pois a sua prioridade não é a satisfação de apetites físicos; nem promete
bem-estar e riqueza aos seus interlocutores, pois a sua prioridade não é
receber aplausos das massas; nem busca o apoio da hierarquia civil ou
religiosa, pois a sua prioridade não é o triunfo, as honras, o poder… João
Baptista é alguém para quem a prioridade é o anúncio do “Reino dos céus”. Ora,
o “Reino” é despojamento, simplicidade, amor total, partilha, dom da
vida… São esses valores que ele procura anunciar, com palavras e com
atitudes. E quanto a mim, quais são os valores que me fazem “correr”? Quais são
as minhas prioridades? Os meus valores são os valores do “Reino” ou são esses
valores efêmeros e fúteis a que a civilização ocidental dá tanta importância,
mas que não trazem nada de duradouro e de verdadeiro à vida dos homens? O nosso
texto deixa claro que não chega ser “filho de Abraão” para ter acesso à
salvação que Jesus veio oferecer, mas é preciso viver uma vida de fidelidade a
Deus. Quer dizer: não chega ter o nome inscrito no livro de registros de
batismo da paróquia, nem ter casado na Igreja, nem ter posto os filhos na
catequese e aparecer lá para tirar fotografias na festa da primeira comunhão (o
estatuto do “cristão não praticante” faz tanto sentido como um círculo
quadrado); mas é preciso uma conversão séria, empenhada, nunca acabada ao
“Reino” e aos seus valores e uma vida coerente com a fé que escolhemos quando
fomos batizados. João deixa claro que receber o batismo de Jesus é
receber o batismo do Espírito… Equivale a aceitar ser “filho de Deus”, a viver
em comunhão com Deus, no amor e na partilha com os irmãos que caminham ao
nosso lado. É esse o caminho que eu procuro, dia a dia, percorrer?
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