sábado, 10 de maio de 2014

04º DOMINGO DA PÁSCOA - ANO A


O Pastor que nos conduz para as nascentes de água viva.
 
O 4º Domingo da Páscoa é considerado o “Domingo do Bom Pastor”, pois todos os anos a liturgia propõe, neste domingo, um trecho do capítulo 10 do Evangelho segundo João, no qual Jesus é apresentado como “Bom Pastor”. É, portanto, este o tema central que a Palavra de Deus põe hoje à nossa reflexão.

O Evangelho apresenta Cristo como “o Pastor”, cuja missão é libertar o rebanho de Deus do domínio da escravidão e levá-lo ao encontro das pastagens verdejantes onde há vida em plenitude (ao contrário dos falsos pastores, cujo objetivo é só aproveitar-se do rebanho em benefício próprio). Jesus vai cumprir com amor essa missão, no respeito absoluto pela identidade, individualidade e liberdade das ovelhas.

A segunda leitura apresenta-nos também Cristo como “o Pastor” que guarda e conduz as suas ovelhas. O catequista que escreve este texto insiste, sobretudo, em que os crentes devem seguir esse “Pastor”. No contexto concreto em que a leitura nos coloca, seguir “o Pastor” é responder à injustiça com o amor, ao mal com o bem.

A primeira leitura traça, de forma bastante completa, o percurso que Cristo, “o Pastor”, desafia os homens a percorrer: é preciso converter-se (isto é, deixar os esquemas de escravidão), ser batizado (isto é, aderir a Jesus e segui-l’O) e receber o Espírito Santo (acolher no coração a vida de Deus e deixar-se recriar, vivificar e transformar por ela).

LEITURA I – Atos 2,14a.36-41

Continuamos no mesmo ambiente em que nos colocava a primeira leitura do passado domingo: em Jerusalém, na manhã do dia do Pentecostes. Pedro é o porta-voz de uma comunidade que, iluminada pelo Espírito, toma consciência da necessidade de testemunhar Jesus, a sua vida, a sua morte e a sua ressurreição. Diante dos habitantes de Jerusalém e dos forasteiros – idos das comunidades judaicas da “Diáspora” – reunidos para a festa judaica do “Savu'ot” (Pentecostes – a festa que celebrava a aliança do Sinai e o dom da Lei), a comunidade cristã apresenta o kerigma sobre Jesus e proclama a sua fé.
Este discurso é uma construção do autor dos Actos e não uma transcrição textual das palavras de Pedro, nesse dia; no entanto, é razoável supor que, nesse momento inicial da caminhada da Igreja, o testemunho dos discípulos de Jesus não se afastou muito das ideias aqui apresentadas.
O texto que hoje nos é proposto apresenta-nos, sobretudo, uma catequese acerca da atitude correta para acolher a proposta de salvação que Deus faz aos homens, por intermédio dos discípulos de Jesus.
Os homens e mulheres que, no dia do Pentecostes, escutam o discurso de Pedro representam a comunidade do antigo Povo de Deus, destinatária primeira desse kerigma que a comunidade cristã primitiva é chamada a propor.
Pedro, em nome da comunidade cristã, convida a comunidade do antigo Povo de Deus a reconhecer que rejeitou o “Senhor” (o “kyrios” – nome grego que traduz o “Adonai” hebraico – o nome dado pelos judeus a Jahwéh”), o “Messias” (isto é, o “ungido” de Deus, que veio concretizar as promessas de salvação e de libertação que Jahwéh tinha feito ao seu Povo) e a tirar daí as devidas consequências. Diante dessa interpelação, os ouvintes sentiram o coração “trespassado” (do verbo “katanyssô” – “afligir-se profundamente”). O verbo utilizado traduz o “pesar”, o “sentir pontadas no coração”, como remorso por ter feito algo contrário à justiça. É a atitude que conduz ao arrependimento e o primeiro passo para a mudança de vida, a “metanoia”.
O que é que vai resultar desse “remorso”? Antes de mais, os interlocutores de Pedro colocam-se numa atitude que manifesta total disponibilidade, face à interpelação que lhes é feita: “que havemos de fazer, irmãos?” É a atitude de quem reconhece a verdade das acusações que lhe são imputadas, de quem admite os seus erros e limitações e de quem está verdadeiramente disposto a reequacionar a vida, a corrigir os esquemas errados que têm orientado, até aí, a sua existência.
Pedro, em nome de Jesus e da comunidade cristã, define o caminho que a adesão de Jesus propõe a cada crente: converter-se, ser baptizado, receber o Espírito Santo.

A “conversão” (“metanoia”) significa a mudança radical da mente, dos comportamentos, dos valores, de forma a que o coração do crente se volte de novo para Deus. No contexto neo-testamentário, mais especificamente, a “conversão” é a renúncia ao egoísmo e à autossuficiência, e o aceitar a proposta de salvação que Deus faz através de Jesus. Implica o acolher Jesus como o salvador e segui-l’O, no caminho do amor, da entrega, do dom da vida.
A adesão a Jesus traduz-se num gesto: o “receber o batismo”. “Pedir o batismo” é reconhecer que Jesus tem uma proposta de salvação e vida nova, optar por essa vida nova que Jesus propõe e incorporar-se à comunidade dos que seguem Jesus.
Receber o batismo significa receber o Espírito Santo: ao optar por Cristo, o crente acolhe no seu coração a vida de Deus e a sua existência passa a ser animada por um dinamismo divino que, continuamente, o recria, o vivifica, o transforma.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode partir das seguintes questões:
• Em cada linha da leitura que nos foi proposta, está presente a lógica de um Deus que não se conforma com o facto de os homens rejeitarem a sua oferta de salvação e que insiste em desafiá-los, em acordá-los, em questioná-los, até que eles percebam onde está a verdadeira vida e a verdadeira felicidade. Este Deus é, verdadeiramente, o Pastor que nos conduz para as nascentes de água viva.
• Perante a interpelação que Deus faz, por intermédio de Pedro, os membros da comunidade judaica perguntam: “que havemos de fazer, irmãos?” É a atitude de quem toma, bruscamente, consciência dos caminhos errados que tem trilhado, percebe o sem sentido de certas opções, comportamentos e valores, aceita questionar as suas certezas e seguranças, para aceitar os desafios de Deus. Trata-se de uma atitude corajosa: é mais fácil continuar comodamente instalado na sua auto-suficiência, do que “dar o braço a torcer” e reconhecer, com humildade, a necessidade de eliminar os preconceitos, de refazer os esquemas mentais, de admitir as falhas, os limites, as incoerências. Aceito questionar-me, estou disposto a admitir os meus limites, procuro humildemente o caminho certo, ou sou daqueles que nunca me engano e raramente tenho dúvidas?
• “Convertei-vos” – pede Pedro aos seus interlocutores. Converter-se é deixar os velhos esquemas de egoísmo, de prepotência, de orgulho, de autossuficiência que tantas vezes constituem o cenário privilegiado em que se desenrola a vida, para ir atrás de Jesus e aprender com Ele a amar, a servir, a dar a vida. Estou disponível para encarar a minha vida sob o signo da conversão? O que é que, na minha vida, mais necessita de ser transformado, em termos de ideias, valores, comportamentos?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)

Refrão 1: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.
Refrão 2: Aleluia.
O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva me a descansar em verdes prados,
conduz me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.
Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.
Para mim preparais a mesa à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça e o meu cálice transborda.
A bondade e a graça hão de acompanhar me todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor para todo o sempre.

LEITURA II – 1 Pedro 2,20b-25

Continuamos com essa Primeira “Carta de Pedro”, escrita por um autor desconhecido e dirigida, durante a década de 80, a comunidades cristãs de zonas rurais do interior da Ásia Menor. Trata-se de comunidades constituídas maioritariamente por pessoas provenientes do paganismo, de classe econômica débil: muitos são camponeses que cultivam as terras dos senhores locais, pastores que cuidam de rebanhos alheios, ou mesmo escravos. Este ambiente torna-as altamente vulneráveis face à hostilidade que os defensores da ordem romana manifestam para com os cristãos.
O autor da carta conhece perfeitamente a situação de debilidade em que estas comunidades estão e prevê que, num futuro próximo, o ambiente se vá tornar menos favorável ainda. Recorda, pois, aos destinatários da carta, o exemplo de Cristo, que sofreu e morreu, antes de chegar à ressurreição. É um convite à esperança: apesar dos sofrimentos que têm de suportar, os crentes estão destinados a triunfar com Cristo; por isso, devem viver com alegria e coragem o seu compromisso batismal.
O texto que nos é proposto integra uma perícope em que o autor apresenta aos destinatários da carta um conjunto de conselhos práticos sobre a conduta que os cristãos devem assumir em várias situações da vida (cf. 1 Pe 2,11-5,11). Mais especificamente, o nosso texto reflete sobre os deveres dos servos (cf. 1 Pe 2,18) face aos seus senhores.
No centro da catequese que aqui nos é proposta pelo autor da Primeira Carta de Pedro, está o exemplo de Cristo: Ele sofreu (vers. 21) sem ter feito mal nenhum (vers. 22); maltratado pelos inimigos, não respondeu com agressão e vingança (vers. 23); pelo dom da sua vida, eliminou o pecado que afastava os homens de Deus e uns dos outros (vers. 24); por isso, Ele é o Pastor que conduz e guarda os crentes (vers. 25).
O texto está cheio de referências vétero-testamentárias. Para descrever a atitude de Cristo, o autor utiliza a letra do quarto cântico do “servo de Jahwéh” (cf. Is 53,4-9.12) – um texto que reflete a experiência desse “servo sofredor” que “não cometeu pecado algum e em cuja boca não se encontrou mentira” (vers. 22; cfr. Is 53,9), que suportou pacientemente as injustiças e de cuja entrega resultou vida para o seu Povo. Provavelmente, estamos diante de um antiquíssimo hino cristão utilizado na liturgia primitiva, que comparava o sofrimento de Cristo ao sofrimento do “servo de Jahwéh” e o valor salvífico da morte de Cristo ao valor salvífico da morte do “servo”.
Por outro lado, o autor utiliza o motivo do “pastor” de Ez 34. Aí, o profeta falava de Deus como “o bom pastor”, que havia de vir cuidar das suas ovelhas fracas, doentes e tresmalhadas. Ao ligar o tema do “pastor” com o tema do sofrimento de Cristo, o autor desta catequese está a sugerir que foi do sofrimento de Cristo que resultou vida e salvação para o rebanho de Deus.
Do exemplo de Cristo, o autor da carta tira as consequências para a vida dos cristãos: como Cristo, os crentes são chamados a responder às ofensas e injustiças com bondade e mansidão. Isto é “uma graça aos olhos de Deus” (vers. 20b) – quer dizer, é uma atitude agradável a Deus e é uma atitude que resulta da graça de Deus. O autor da carta dirige-se explicitamente aos servos, aconselhando-os a suportar com paciência as provações a que são sujeitos pelos seus senhores. No entanto, ele pretendia, provavelmente, ir mais além e estender a sua exortação a todos os crentes… O cristão – seguidor desse Jesus que sofreu sem culpa e que suportou os sofrimentos com amor – deve rejeitar absolutamente o recurso à violência. É nessa atitude de bondade e de mansidão que se manifesta a graça de Deus.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, considerar as seguintes linhas:

• Como devemos lidar com a injustiça e com a violência? Haverá uma violência justa e aceitável? Os fins justificam os meios? É a este tipo de questões que a nossa leitura responde. O autor não está interessado em grandes argumentações filosóficas, sociológicas ou teológicas: propõe apenas o exemplo de Cristo, que passou pelo mundo fazendo o bem e foi preso, torturado, assassinado sem resistir, sem Se revoltar, sem responder “na mesma moeda” aos seus assassinos. É uma lógica incompreensível, ou até mesmo demente, aos olhos do mundo… Mas é a lógica de Deus; e Jesus demonstrou que só este caminho conduz à ressurreição, à vida nova, a um dinamismo gerador de um mundo novo. O cristão é chamado a ser testemunha no meio dos homens desta novidade absoluta: só o amor gera vida nova e transforma o mundo.
• Esta leitura apresenta Cristo como “o Pastor” que guarda e conduz as suas ovelhas. Neste contexto, em concreto, seguir o Pastor é responder à injustiça com o amor, ao mal com o bem. Cristo é, de facto, o meu “Pastor”, a minha referência, o modelo de vida que eu tenho sempre diante dos olhos – tanto nesta como noutras questões? Quem é que eu ouço, quem é que eu sigo, quem é o meu modelo?

ALELUIA – Jo 10,14
Aleluia. Aleluia.
Eu sou o bom pastor, diz o Senhor: conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-Me.

EVANGELHO – Jo 10,1-10

O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do “Bom Pastor”. O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a missão de Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude.
A imagem do “Bom Pastor” não foi inventada pelo autor do 4º Evangelho. Literariamente falando, este discurso simbólico está construído com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em especial, este discurso tem presente Ez 34 (onde se encontra a chave para compreender a metáfora do “pastor” e do “rebanho”). Falando aos exilados da Babilônia, Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, maus “pastores”, que conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas – diz Ezequiel – o próprio Deus vai agora assumir a condução do seu Povo; Ele porá à frente do seu Povo um “Bom Pastor” (o “Messias”), que o livrará da escravidão e o conduzirá à vida.
A catequese que o 4º Evangelho nos oferece sobre o “Bom Pastor” sugere que a promessa de Deus – veiculada por Ezequiel – se cumpre em Jesus.
O texto que nos é proposto deve ser entendido no contexto mais amplo da denúncia da atuação dos dirigentes espirituais judeus. No episódio do cego de nascença (cf. Jo 9), tinha ficado claro que os dirigentes não estavam interessados em acolher a luz e em deixar que o Povo escolhesse a liberdade que Jesus oferecia. Em jeito de conclusão desse episódio, Jesus avisa os dirigentes de que veio chamá-los a juízo (“krima”) por causa da sua má gestão como líderes do Povo de Deus (cf. Jo 9,39-41 – os versículos que antecedem o nosso texto): eles não só preferiram continuar nas trevas da sua autossuficiência, como impedem o Povo que lhes foi confiado de descobrir a luz libertadora que Jesus lhes quer oferecer.
O texto do Evangelho, que hoje nos é proposto, está dividido em duas partes, ou em duas parábolas.
Na primeira parábola (cf. Jo 10,1-6), Jesus apresenta-se preferencialmente como “o Pastor”, cuja ação se contrapõe a esses dirigentes judeus que se arrogam o direito de pastorear o “rebanho” do Povo de Deus, mas sem serem “pastores”.
Jesus não usa meias palavras: os dirigentes judeus são ladrões e bandidos (cf. Jo 10,1), que se servem das suas prerrogativas para explorar o Povo (ladrões) e usam a violência para o manter sob a sua escravidão (bandidos). Aproximam-se do Povo de Deus de forma abusiva e ilegítima, porque Deus não lhes confiou essa missão (“não entram pela porta”): foram eles que a usurparam. O seu objetivo não é o bem das “ovelhas”, mas o seu próprio interesse.
Ao contrário, Jesus é “o Pastor” que entra pela porta: ele tem um mandato de Deus e a sua missão foi-Lhe confiada pelo Pai. Em Ezequiel, o papel do “pastor” correspondia, em primeiro lugar, a Deus (cf. Ez 34,11-12.15) e ao futuro enviado de Deus, o “Messias” descendente de David (cf. Ez 34,23). Ao apresentar-se como Aquele “que entra pela porta”, com autoridade legítima, Jesus declara-Se, implicitamente, o “Messias” enviado por Deus para conduzir o seu Povo e para o guiar para as pastagens onde há vida em plenitude. Ele entra no redil das “ovelhas” para cuidar delas, não para as explorar. A sua missão é libertá-las das trevas em que os dirigentes as trazem e conduzi-las ao encontro da luz libertadora (cf. Jo 10,2).
Como é que Jesus exercerá a sua missão de “pastor”? Em primeiro lugar, irá chamar as “ovelhas”. “Chama-as pelo seu nome”, porque conhece cada uma e com cada uma quer ter uma relação pessoal de amor, de proximidade, de comunhão: para Jesus, não há “massas”, mas pessoas concretas, com a sua identidade própria, com a sua riqueza, com a sua dignidade.
Não obrigará ninguém a responder-Lhe; mas os que responderem ao seu chamamento farão parte do seu “rebanho”. A esses, Jesus conduzi-los-á “para fora” (vers. 3): Jesus não veio instalar-Se na antiga instituição judaica, geradora de opressão e de escravidão; mas veio criar uma comunidade humana nova – a comunidade do novo Povo de Deus.
Depois, o “pastor” caminhará “diante das ovelhas” e estas segui-l’O-ão (vers. 4). Ele indica-lhes o caminho, pois Ele próprio é “o caminho” (cf. Jo 14,6) que leva à vida plena. As “ovelhas” seguem-n’O: “seguir” traduz a atitude do discípulo, convidado a seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida, a fazer d’Ele a sua referência fundamental, a aderir a Ele de todo o coração. As “ovelhas” “escutam a sua voz”, porque sabem que só a voz de Jesus as conduz, com segurança, ao encontro da vida definitiva.
Na segunda parábola (cf. Jo 10,7-9), Jesus apresenta-Se como “a porta”. Aqui, Ele já não é o pastor legítimo que passa pela porta, mas “a porta”. O que é que Ele quer traduzir com esta imagem?
A imagem pode aplicar-se aos líderes que pretendem ter acesso ao “rebanho”, ou pode aplicar-se às próprias “ovelhas”. No que diz respeito aos líderes, significa que ninguém pode ir ao encontro das “ovelhas” se não tiver um mandato de Jesus, se não tiver sido convidado por Jesus; e significa também que ninguém pode ir ao encontro das “ovelhas” se não tiver os mesmos sentimentos, a mesma atitude de Jesus (que não é a de explorar as “ovelhas”, mas a de dar-lhes vida).
No que diz respeito às “ovelhas”, significa que Jesus é o único lugar de acesso para que as “ovelhas” possam encontrar as pastagens que dão vida. “Passar pela porta” que é Jesus significa aderir a Ele, segui-l’O, acolher as suas propostas. As “ovelhas” que passam pela porta que é Jesus (isto é, que aderem a Ele) podem passar para a terra da liberdade (onde não mandam os dirigentes que exploram e roubam), onde encontrarão “pastos” (vida em plenitude).
O nosso texto termina com a reafirmação do contraste entre Jesus e os dirigentes: os líderes religiosos judaicos utilizam o “rebanho” para satisfazer os seus próprios interesses egoístas, despojam e exploram o povo; mas Jesus só procura que o seu “rebanho” encontre vida em plenitude.

ATUALIZAÇÃO

Considerar, na atualização da Palavra, os seguintes elementos:
• Na nossa cultura urbana, a figura do “Pastor” é uma figura de outras eras, que pouco evoca, a não ser um mundo perdido de quietude e de amplos espaços verdes; em contrapartida, conhecemos bem a figura do presidente, do líder, do chefe: não raras vezes, é alguém que se impõe pela força, que manipula as massas, que escraviza os que estão sob a sua autoridade, que se aproveita dos fracos, que humilha os mais débeis… Ao propor-nos a figura bíblica do “Bom Pastor”, o Evangelho convida-nos a refletir sobre o serviço da autoridade… Propõe como modelo de presidência (ou de “Pastor”) uma figura que oferece a vida, que serve, que respeita a liberdade das pessoas, que se dedica totalmente, que ama gratuitamente.
• Para os cristãos, “o Pastor” por excelência é Cristo: Ele recebeu do Pai a missão de conduzir o “rebanho” de Deus das trevas para a luz, da escravidão para a liberdade, da morte para a vida. O nosso “Pastor” é, de facto, Cristo, ou temos outros “pastores” que nos arrastam e que são as referências fundamentais à volta das quais construímos a nossa existência? O que é que nos conduz e condiciona as nossas opções? Cristo? A voz do política e socialmente correto? A voz da opinião pública? A voz do presidente do partido? A voz do comodismo e da instalação? A voz do preservar os nossos esquemas egoístas e os nossos privilégios? A voz do êxito e do triunfo a qualquer custo? A voz do herói mais giro da telenovela? A voz do programa de maior audiência da estação televisiva de maior audiência?
• Atentemos na forma como Cristo desempenha a sua missão de “Pastor”: Ele conhece as “ovelhas” e chama-as pelo nome, mantendo com cada uma delas uma relação única, especial, pessoal. Dirige-lhes um convite a deixarem a escuridão, mas não força ninguém a segui-l’O: respeita absolutamente a liberdade de cada pessoa. É dessa forma humana, tolerante, amorosa, que nos relacionamos com os outros? Aqueles que receberam de Deus a missão de presidir a um grupo, de animar uma comunidade, exercem a sua missão no respeito absoluto pela pessoa, pela sua dignidade, pela sua individualidade?
• As “ovelhas” do rebanho de Jesus têm de “escutar a voz” do “Pastor” e segui-l’O… Isso significa, concretamente, tornar-se discípulo, aderir a Jesus, percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu, na entrega total aos projetos de Deus e na doação total aos irmãos. Atrevemo-nos a seguir o nosso “Pastor” (Cristo) no caminho exigente do dom da vida, ou estamos convencidos que esse caminho não leva aonde nós pretendemos ir?
• Nas nossas comunidades cristãs, temos pessoas que presidem e que animam. Podemos aceitar, sem problemas, que elas receberam essa missão de Cristo e da Igreja, apesar dos seus limites e imperfeições; mas convém igualmente ter presente que o nosso único “Pastor”, Aquele que somos convidados a escutar e a seguir sem condições, é Cristo. Os outros “pastores” têm uma missão válida, se a receberam de Cristo; e a sua atuação nunca pode ser diferente do jeito de atuar de Cristo.
• Para que distingamos a “voz” de Jesus de outros apelos, de propostas enganadoras, de “cantos de sereia” que não conduzem à vida plena, é preciso um permanente diálogo íntimo com “o Pastor”, um confronto permanente com a sua Palavra e a participação ativa nos sacramentos onde se nos comunica essa vida que “o Pastor” nos oferece.

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