Neste  domingo a Palavra de Deus quer levar a Comunidade eucarística a uma atitude de  abertura para todos, sem exceção. O Evangelho traduz um problema que se  apresentava nas comunidades cristãs a quem se dirigia Mateus: deveriam ou não  abrir-se para os não-judeus? Ele apela para a atitude de Jesus, que se retira  para a região de Tiro e de Sidônia. Lá, encontra-se com a mulher cananéia, que  veio gritando: "Senhor, filho de Davi, tem compaixão de mim". E segue aquela  cena tão enternecedora! Jesus parece não dar atenção. Os discípulos querem  despedi-la. Jesus declara que não veio senão às ovelhas perdidas da casa de  Israel. Finalmente, Jesus atende aos seus rogos em favor da filha: "Mulher,  grande é a tua fé. Seja feito como queres". E, a partir daquele momento, sua  filha ficou curada. Não só por palavras, mas por sua ação Jesus responde que a  salvação veio para todos, sem distinção. Esta universalidade da salvação já fora  anunciada por Isaías. O critério para se pertencer ao povo de Deus é a fé e a  prática da caridade. O Salmo responsorial também convida todos os povos a  louvarem a Deus. Paulo, por sua vez, dedica-se aos gentios, com a esperança de  que através deles ele possa atingir também os judeus, herdeiros da promessa. A  comunidade eucarística é chamada a imitar o exemplo de Jesus Cristo, bem como o  de Paulo.
Trata-se  de abrir as portas do coração para todos, especialmente os distantes, os que não  crêem, os afastados, os viciados, os pecadores. Sua conversão a Cristo há de  revigorar a fé, a esperança e a caridade de seus membros, pois a misericórdia de  Deus está se manifestando neles. Esta abertura e acolhimento exige o cultivo do  ecumenismo e da missão. Sair do próprio território, deixar-se interrogar pelos  de fora, ter compaixão para com eles. Como Jesus, somos chamados a sair de nós  mesmos, a ir para outras regiões, a fim de partilhar pela palavra e pelo  exemplo. Para isso devemos pedir a graça de reconhecer que a misericórdia de  Deus quer atingir a todos igualmente. Que o Senhor nos dê a graça desta  abertura.
A  liturgia do 20º Domingo do Tempo Comum reflete sobre a universalidade da  salvação. Deus ama cada um dos seus filhos e a todos convida para o banquete do  Reino.
Na  primeira leitura, Jahwéh garante ao seu Povo a chegada de uma nova era, na qual  se vai revelar plenamente a salvação de Deus. No entanto, essa salvação não se  destina apenas a Israel: destina-se a todos os homens e mulheres que aceitarem o  convite para integrar a comunidade do Povo de Deus.
O  Evangelho apresenta a realização da profecia do Trito-Isaías, apresentada na  primeira leitura deste domingo. Jesus, depois de constatar como os fariseus e os  doutores da Lei recusam a sua proposta do Reino, entra numa região pagã e  demonstra como os pagãos são dignos de acolher o dom de Deus. Face à grandeza da  fé da mulher cananeia, Jesus oferece-lhe essa salvação que Deus prometeu  derramar sobre todos os homens e mulheres, sem exceção.
A  segunda leitura sugere que a misericórdia de Deus se derrama sobre todos os seus  filhos, mesmo sobre aqueles que, como Israel, rejeitam as suas propostas. Deus  respeita sempre as opções dos homens; mas não desiste de propor, em todos os  momentos e a todos os seus filhos, oportunidades novas de acolher essa salvação  que Ele quer oferecer.
1ª  Leitura – Is. 56,1.6-7 - Ambiente
A  primeira leitura deste domingo faz parte de um bloco de textos a que se  convencionou chamar "Trito-Isaías" (cfr. Is. 56-66). Para alguns, são  textos de um profeta anônimo, pós-exílico, que exerceu o seu ministério em  Jerusalém, entre os retornados da Babilônia, nos anos 537-520 a.C.; para a  maioria, trata-se de textos que provêm de uma pluralidade de autores, e que  foram redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente  entre os séc. VI e V a.C.). Estamos, em qualquer caso, na época  pós-exílica.
Não  é uma época fácil. Os retornados estão desiludidos, pois a tarefa da  reconstrução apresenta-se demorada e difícil. O país está arruinado, as cidades  destruídas e desabitadas, os campos incultos e abandonados. Os ricos bem  depressa começam a oprimir os pobres e a esmagar os humildes. Do ponto de vista  religioso, o ambiente caracteriza-se pela incompreensão dos planos de Deus, pelo  cepticismo e desconfiança, por um culto meramente exterior e pelo retorno às  práticas idolátricas. Nesta fase, desempenham um papel fundamental o sacerdote  Josué e o governador Zorobabel, responsáveis pelos trabalhos de reconstrução do  Templo.
Como  é que os regressados a Jerusalém se relacionam, nesta fase, com os outros povos?  A resposta não é clara, até porque não conhecemos bem este período da história  do Povo de Deus. Alguns textos desta época mostram uma certa abertura à  universalidade, sugerindo que o exílio, ao permitir o contacto com outras  realidades culturais e religiosas, levou o Povo de Deus a uma certa tolerância  para com as outras nações… No entanto, outros textos da época manifestam um  fechamento cada vez mais acentuado (além da experiência dramática do exílio, a  oposição dos povos vizinhos na altura em que os retornados tentam reconstruir  Jerusalém aumenta a desconfiança em relação aos estrangeiros), que culminará na  política xenófoba de Esdras e Neemias, na segunda metade do séc. V a.C. (os  casamentos mistos entre judeus e estrangeiros são anulados e proibidos – cf.  Esd. 9,1-10,44; Ne. 13,23-31).
Não  podemos situar exatamente, em termos cronológicos, o texto que nos é proposto.  Provavelmente, ele aparece nos primeiros decênios após o exílio, quando a  comunidade discute se os eunucos e os estrangeiros devem ou não integrar a  comunidade do Povo de Deus (cf. Is 56,3). De qualquer forma, o texto leva-nos  coloca-nos, sem dúvida, nesse ambiente – rico de desafios, mas cheio de  contradições – da época pós-exílica.
Mensagem
A  essa comunidade desiludida e decepcionada, o profeta anuncia que está para  chegar um tempo novo. O que caracterizará essa nova era é a presença na  comunidade do Povo de Deus da salvação e da justiça.
A  comunidade precisa, no entanto, de se preparar para receber o dom de Deus. Como?  Guardando o direito e praticando a justiça ("mishpat" e "zedaqa" –  as decisões justas dos tribunais, que fundamentam uma reta ordem social). Até  aqui, a "promessa" não apresenta nada de verdadeiramente novo. A "justiça" foi  pregada e anunciada, vezes sem conta (com estas mesmas palavras ou com outras  semelhantes), por todos os profetas de Israel…
A  verdadeira novidade aparece a seguir… A salvação que Deus vai oferecer não se  destina apenas a Israel, mas também aos estrangeiros. Trata-se de uma espantosa  revolução no universo religioso do Povo de Deus.
Para  os autores do livro do Deuteronômio, os estrangeiros deveriam ser vencidos e  votados à destruição; Israel não podia jamais fazer qualquer pacto, nem aceitar  qualquer aliança matrimonial com eles. Os altares dos povos estrangeiros  deveriam ser destruídos, os seus monumentos quebrados, os seus postes sagrados  cortados, os seus ídolos queimados no fogo. Se Israel não procedesse dessa forma  e tolerasse os estrangeiros, a cólera de Jahwéh inflamar-se-ia contra o seu Povo  e exterminá-lo-ia rapidamente (cf. Dt. 7,2-5).
Agora,  é o próprio Deus que quer oferecer a sua salvação a todos os povos, inclusive  aos estrangeiros. O que é necessário aos estrangeiros para entrarem na  comunidade do Povo de Deus ("os estrangeiros que desejam unir-se ao Senhor para  O servirem, para amarem o seu nome e serem seus servos" – vers. 6)? Duas coisas:  "guardarem o sábado, sem o profanarem" e serem "fiéis à Aliança". Serão, então,  membros de pleno direito da comunidade do Povo de Deus. Participarão plenamente  na vida litúrgica do Povo de Deus e o próprio Jahwéh os conduzirá ao Templo,  onde poderão oferecer holocaustos e sacrifícios, como os israelitas. O Templo  não será, então, um condomínio fechado a que só Israel tem acesso, mas será a  "casa de oração para todos os povos" (esta perspectiva deve ter conhecido uma  tal dificuldade para se firmar em Israel que, mesmo na época neo-testamentária,  os estrangeiros que visitavam Jerusalém não podiam passar da esplanada exterior  do Templo – o "átrio dos gentios" – e em nenhum caso podiam penetrar no "átrio  dos israelitas").
Atualização
Também  nós vivemos num mundo de contradições. Por um lado, o intercâmbio de ideias, de  experiências, de notícias, o contacto fácil, rápido e direto com qualquer  pessoa, em qualquer canto do mundo, contribuem para nos abrir horizontes, para  nos ensinar o respeito pela diferença, para nos fazer descobrir a riqueza de  cada povo e de cada cultura… Por outro lado, o egoísmo, a auto-suficiência, o  medo dos conflitos sociais, o sentimento de que um determinado estilo de vida  pode estar ameaçado, provocam o racismo e a xenofobia e levam-nos a fechar as  portas àqueles que querem cruzar as nossas fronteiras à procura de melhores  condições de vida… Não é, evidentemente, uma questão simples e que possa ser  objeto de demagogia… No entanto, o nosso Deus convida-nos a abrir o nosso  coração à universalidade, à diferença. Os outros homens e mulheres –  estrangeiros, diferentes, com outra cor de pele, com outra língua, com outros  valores ou com outra religião – são irmãos nossos, que devemos acolher e  amar.
A  Igreja é a comunidade do Povo de Deus. Todos os seus membros são filhos do mesmo  Deus e irmãos em Jesus, embora pertençam a raças diferentes, a culturas  diferentes e a extratos sociais diferentes. No entanto: todos são lá acolhidos  da mesma forma? O rico e o pobre são sempre tratados da mesma forma nas  recepções das nossas igrejas? Aqueles que têm comportamentos considerados social  ou religiosamente incorretos são sempre tratados com amor e acolhidos com  respeito nas nossas comunidades cristãs, ou são tratados como cristãos de  segunda?
2ª  leitura – Rm. 11,13-15.29-32 - Ambiente
Continuamos,  com Paulo, a refletir a questão posta pela segunda leitura do passado domingo…  Israel, apesar de ser o Povo de eleito de Deus e o Povo da Promessa, recusou a  salvação que Cristo veio oferecer. Que lhe acontecerá, então? Ficará, devido a  essa recusa, à margem da salvação?
Vimos como esse problema afetava Paulo e como o fazia sofrer. Na introdução a esta questão (cf. Rm. 9,1-5), Paulo confessava a sua dor e tristeza ao ver o seu povo obstinado na recusa da vida nova de Deus. Paulo admitia, até, aceitar ser separado – ele próprio – de Cristo, se isso servisse para que o Povo judeu aceitasse a salvação que Deus não desiste de lhe oferecer.
Vimos como esse problema afetava Paulo e como o fazia sofrer. Na introdução a esta questão (cf. Rm. 9,1-5), Paulo confessava a sua dor e tristeza ao ver o seu povo obstinado na recusa da vida nova de Deus. Paulo admitia, até, aceitar ser separado – ele próprio – de Cristo, se isso servisse para que o Povo judeu aceitasse a salvação que Deus não desiste de lhe oferecer.
A  desilusão e a tristeza de Paulo significarão a convicção de que não há mais  saída, que Israel vai manter-se fechado aos dons de Deus e que está,  definitivamente, à margem da salvação? Deus terá rejeitado o seu  Povo?
De  modo nenhum. Paulo vai, aliás, constatar que a questão não está encerrada. Em  primeiro lugar, porque uma parte (uma parte pequena, um "resto") de Israel  aderiu a Jesus (cf. Rm. 11,1-6) e entrou na comunidade do Reino (o próprio Paulo  faz parte desse grupo); em segundo lugar, porque o endurecimento de Israel face  à oferta de salvação feita por Deus já estava prevista na Escritura e insere-se,  certamente, nos planos de Deus (cf. Rm. 11,7-10). De resto, a recusa de Israel  fez com que o Evangelho fosse proposto aos gentios (cf. Rm. 11,11-12). Há males  que vêm por bem; Deus escreve direito por linhas tortas…
Mensagem
Entretanto,  Paulo continua o seu ministério entre os gentios, com a esperança de que os  israelitas sintam ciúmes e acolham os dons de Deus (vers. 13-14). De resto,  Paulo está convencido de que, um dia, todo o Israel será salvo. Assim será, não  só porque está anunciado na Escritura (cf. Rom. 11,26-27), mas sobretudo porque  Deus permanece fiel às suas promessas. Da sua parte, os gentios não têm nada que  se sentir superiores aos israelitas. Israel foi chamado por Deus desde os seus  inícios e o chamamento de Deus é irrevogável (vers. 29). Os gentios, que antes  estavam longe de Deus, agora tiveram acesso à sua graça; e os judeus, que agora  se afastaram dos dons de Deus, hão-de também alcançar a graça. Parece  enquadrar-se tudo no projeto salvífico de um Deus que permitiu que todos sejam  rebeldes, a fim de sobre todos deixar cair a sua misericórdia. E Israel, o Povo  eleito, chamado por Deus desde os seus inícios, não pode deixar de ser objeto  especial da misericórdia de Deus.
Atualização
Em  primeiro lugar, o nosso texto convida-nos a ter sempre presente que a  misericórdia de Deus não abandona nenhum dos seus filhos, mesmo aqueles que numa  determinada fase da caminhada rejeitam as suas propostas. Deus respeita sempre  as opções livres dos homens; mas não desiste de propor oportunidades infindáveis  de salvação, que só esperam o "sim" do homem.
Em  segundo lugar, o nosso texto sugere que "Deus escreve direito por linhas  tortas". Do mal, Ele é sempre capaz de retirar o bem (se os judeus – com a sua  mentalidade fechada aos estrangeiros e com a sua mentalidade de que a salvação  era uma proposta exclusiva, só a eles destinada – tivessem aderido em massa ao  Evangelho, dificilmente teriam aceite que a proposta de salvação se tornasse  universal). Aquilo que, muitas vezes, nos parece ilógico e sem sentido, talvez  faça parte dos projetos de Deus – projetos que nem sempre conseguimos entender e  enquadrar nos nossos esquemas mentais. Temos de aprender a confiar em Deus e na  forma como Ele dirige a história, mesmo quando não conseguimos entender os seus  projetos.
Em  terceiro lugar, o nosso texto convida-nos – implicitamente – a não nos  arvorarmos em juízes dos nossos irmãos. Por um lado, porque o comportamento  tolerante de Deus nos convida a uma tolerância semelhante; por outro, porque  aquilo que nos parece estranho e reprovável pode fazer parte, em última análise,  dos projetos de Deus.
Evangelho  – Mt. 15,21-28 - Ambiente
Continuamos  na secção da "instrução sobre o Reino" (cf. Mt. 13,1-17,27). Depois de  apresentar a pregação sobre o Reino em parábolas (cf. Mt. 13,1-52), Mateus  descreve a resposta dos interlocutores de Jesus à proposta que lhes foi  transmitida (cf. Mt. 14,1-17,27). De uma forma geral, a comunidade judaica  responde negativamente ao desafio apresentado por Jesus. Quer os nazarenos (cf.  Mt. 13,53-58), quer Herodes (cf. Mt. 14,1-12), quer os escribas, quer os  fariseus, quer os saduceus (cf. Mt. 15,1-9; 16,1-4.5-12) recusam embarcar na  aventura do Reino. Começa a tornar-se, cada vez mais claro, que a comunidade  judaica não está disposta a acolher a proposta de Jesus.
O  episódio que nos é proposto é, precisamente, antecedido de um confronto entre  Jesus, por um lado, os fariseus e doutores da Lei, por outro, por causa das  tradições judaicas (cf. Mt. 15,1-9). Em ruptura com os fariseus e os doutores da  Lei, Jesus "retirou-Se dali e foi para os lados de Tiro e de Sídon". A recusa de  Israel em acolher a proposta do Reino vai fazer com que a pregação de Jesus se  dirija para fora das fronteiras de Israel. A comunidade dos discípulos – esse  grupo que escutou atentamente a proposta do Reino e a acolheu – acompanha  Jesus.
O  episódio narrado no Evangelho deste domingo situa-nos na "região de Tiro e  Sídon". Diante de Jesus apresenta-se uma mulher "cananeia". O apelativo  "Cananéia" designa, no Antigo Testamento, uma mulher pagã (neste caso, trata-se  de uma mulher fenícia, provavelmente residente na região de Tiro e  Sídon).
A  Fenícia não era, aos olhos dos judeus, uma região "recomendável". De lá tinham  vindo, frequentemente, exércitos inimigos; de lá tinham vindo, muitas vezes,  influências religiosas nefastas, que afastavam os israelitas da fé em Jahwéh e  os levavam a correr atrás dos deuses cananeus. A famosa Jezabel, mulher do rei  Acab, que potenciou o culto a Baal e Asserá (meados do séc. IX a.C., na época do  profeta Elias) e que tão má memória deixou entre os fiéis a Jahwéh era filha de  um rei de Sídon. Não admira, portanto, que os fariseus e doutores da Lei,  defensores intransigentes da Lei e da pureza da fé, considerassem os habitantes  dessa zona como "cães" (designação que, para os judeus, tinha um sentido  altamente pejorativo). O apelo da mulher fenícia vai no sentido de que ela  possa, também, ter acesso a essa salvação que Jesus veio propor. Jesus passará  por cima dos preconceitos religiosos dos judeus e oferecerá a salvação a esta  pagã? Uma mulher fenícia (estrangeira, inimiga, oriunda de uma região com má  fama e, ainda por cima, "mulher") merecerá a graça da salvação?
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Consideremos,  em primeiro lugar, a figura da mulher fenícia… As suas três intervenções  mostram, por um lado, a sua ânsia de salvação; e, por outro, a fé firme e  convicta que a anima (as designações "filho de David" – que equivale a "Messias"  – e "Senhor" – "Kyrios" – com que ela se dirige a Jesus, lidas em contexto  cristão, equivalem a uma confissão de fé). É uma figura que nos impressiona pela  fé, pela humildade e também pelo sofrimento que transparece no seu apelo.  Surpreende-nos depois, numa primeira leitura, a forma dura como Jesus trata esta  mulher que pede ajuda. Ele começa por passar em silêncio, aparentemente  insensível aos apelos da mulher (v. 23). Depois, perante a insistência dos  discípulos, responde: "não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de  Israel" (v. 24). Finalmente, diante do dramático último apelo da mulher  ("socorre-me, Senhor"), responde: "não é justo que se tome o pão dos filhos para  o lançar aos cães" (v. 26).
Como  entender esta atitude rude e insensível do mestre galileu, sempre preocupado em  traduzir em gestos concretos o amor e a misericórdia de Deus pelos homens? A  reação de Jesus será fruto da convicção de que, de acordo com o plano de Deus, a  salvação devia derramar-se, em primeiro lugar, pelos judeus, antes de alcançar  os gentios?
A  atitude de Jesus faz sentido, se a virmos como uma estratégia pedagógica,  destinada a mostrar o sem sentido dos preconceitos judaicos contra os pagãos.  Jesus conduziu o jogo de forma a demonstrar como eram ridículas as atitudes de  discriminação dos pagãos, propostas pela catequese oficial judaica. Endurecendo  progressivamente a sua atitude face ao apelo que lhe foi feito pela "Cananéia",  Jesus dá à mulher a possibilidade de demonstrar a firmeza e a convicção da sua  fé e prova aos judeus que os pagãos são bem dignos – talvez mais dignos do que  esses "santos" membros do Povo de Deus – de se sentar à mesa do Reino. Esta  mulher, na sua humildade, nem sequer reivindica equiparar-se a esse Povo eleito,  convidado por Deus para o banquete do Reino… Ela está disposta a ficar apenas  com "as migalhas" que caem da mesa (v. 27); mas pede insistentemente que lhe  permitam ter acesso a essa salvação que Jesus traz. Ao contrário, os fariseus e  doutores da Lei, fechados na sua auto-suficiência e nos seus preconceitos,  rejeitam continuamente essa salvação que Jesus não cessa de lhes oferecer.
No final de toda esta caminhada de afirmação da "bondade" e do "merecimento" desses pagãos que a teologia oficial de Israel desprezava, Jesus conclui: "Mulher, grande é a tua fé. Faça-se como desejas". A afirmação de Jesus significa: "na verdade tu estás disposta a acolher-Me como o enviado do Pai e a aceitar o pão do Reino, o pão com que Deus mata a fome de vida de todos os seus filhos. Recebe essa salvação que se destina a todos aqueles que têm o coração aberto aos dons de Deus".
No final de toda esta caminhada de afirmação da "bondade" e do "merecimento" desses pagãos que a teologia oficial de Israel desprezava, Jesus conclui: "Mulher, grande é a tua fé. Faça-se como desejas". A afirmação de Jesus significa: "na verdade tu estás disposta a acolher-Me como o enviado do Pai e a aceitar o pão do Reino, o pão com que Deus mata a fome de vida de todos os seus filhos. Recebe essa salvação que se destina a todos aqueles que têm o coração aberto aos dons de Deus".
É  possível que Mateus esteja, nesta catequese, a responder a uma situação concreta  da sua comunidade… Nos finais do século primeiro (o Evangelho segundo Mateus  aparece durante a década de oitenta), alguns judeo-cristãos ainda tinham  dificuldade em aceitar a entrada dos pagãos na Igreja de Jesus. Mateus  recorda-lhes, então, que para Jesus o que é decisivo não é a raça, a história, a  eleição, mas a adesão firme e convicta à proposta de salvação que, em Jesus,  Deus faz aos homens. O texto mostra que a proposta de Jesus é para todos. A  comunidade de Jesus é, verdadeiramente, uma comunidade universal. Aquilo que é  decisivo, no acesso à salvação, é a fé – isto é, a capacidade de aderir a Jesus  e à sua proposta de vida.
Atualização
A  primeira questão que o nosso texto põe prende-se com a definição daquilo que é  essencial na experiência cristã. Quem é que é cristão? Quem é que pode fazer  parte da comunidade de Jesus? A resposta está implícita na história da mulher  Cananéia: torna-se membro da comunidade de Jesus quem aceita a sua oferta de  salvação, quem acolhe o Reino, adere a Jesus e ao Evangelho. O que é  determinante, para integrar a comunidade do Reino, não é a raça, a cor da pele,  o local de nascimento, a tradição familiar, a formação acadêmica, a capacidade  intelectual, a visibilidade social, o cumprimento de ritos, a recepção de  sacramentos, a amizade com o pároco, os serviços prestados à "fábrica da  igreja", mas a fé (entendida como adesão a Jesus e à sua proposta de salvação).  Para mim, o que é que é ser cristão? O que está no centro da minha experiência  cristã é a pessoa de Jesus e a sua proposta de salvação? Em que é que se  fundamenta a minha fé?
O  exemplo da mulher Cananéia leva-nos a pensar, por contraste, nesses "fariseus e  doutores da Lei" que rejeitam a oferta de salvação que Deus lhes faz, em Jesus.  Estão cheios de certezas, de convicções firmes, de preconceitos; mas não têm o  coração aberto aos desafios que Deus lhes faz… Conhecem bem a Palavra de Deus,  têm ideias definidas acerca do que Deus quer ou não quer, são orgulhosos e  auto-suficientes porque se consideram um povo santo, eleito de Deus, mas não têm  esse coração humilde e simples para acolher a novidade de Deus… Atenção: o  verdadeiro crente é aquele que se apresenta diante de Deus numa atitude de  humildade e simplicidade, acolhendo com um coração agradecido os dons de Deus e  a graça da salvação. O verdadeiro crente não se barrica em certezas imutáveis ou  em chavões doutrinais, mas procura descobrir, cada dia, com humildade e  simplicidade, a verdade eterna de Deus e as suas propostas para o mundo e para  os homens.
Teoricamente,  ninguém põe em causa que a Igreja nascida de Jesus seja uma comunidade aberta a  todos os homens e mulheres, de todas as raças, culturas, classes sociais,  quadrantes políticos… Na prática, será que todos encontram na Igreja um espaço  de comunhão, de amor, de fraternidade? Os homens e as mulheres, os casados e os  divorciados, os pobres e os ricos, os instruídos e os analfabetos, os conhecidos  e os desconhecidos, os bons e os maus, os novos e os velhos, todos são acolhidos  na comunidade cristã sem discriminação e todos são convidados a pôr a render,  para benefício dos irmãos, os talentos que Deus lhes deu? Independentemente do  que os documentos da Igreja dizem, do que o Papa ou os bispos dizem o que é que  eu faço para que a minha comunidade cristã seja um espaço de fraternidade, onde  todos se sentem acolhidos e amados?
Como  a primeira leitura, também o Evangelho sugere uma reflexão sobre a forma como  acolhemos o estrangeiro, o irmão diferente, o "outro" que, por razões políticas,  econômicas, sociais, laborais, culturais, turísticas, vem ao nosso encontro. Se  Deus não discrimina ninguém, mas aceita acolher à sua mesa todos os homens e  mulheres, sem distinção, porque não havemos de proceder da mesma forma?  Particular cuidado e atenção devem merecer-nos os imigrantes que não falam a  nossa língua, que não têm casa, que não têm trabalho, que sentem a ausência da  família e dos amigos, que são perseguidos pelas redes que exploram o trabalho  escravo… O convite que Deus nos faz é que vejamos em cada pessoa um irmão,  independentemente das diferenças de cor da pele, de nacionalidade, de língua ou  de valores.
P.  Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
 

 
 
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