REFLEXÃO 1 – O EVANGELHO NO PRESENTE
Os membros de uma mesma família têm traços do rosto comuns…
As pessoas que partilham toda uma vida juntos acabam por se parecerem…
Esta festa anual de Todos os Santos reúne inúmeros rostos que trazem em si a imagem e a semelhança de Deus.
Um rosto de humanidade transfigurada.
Enquanto vivos,
os santos não se consideravam como tais, longe disso! Eles não esculpiam
a sua efígie num fundo de auto-satisfação…
Contrariamente
àquilo que geralmente aparece nas imagens ditas piedosas e nas
biografias embelezadas, eles não foram perfeitos, nem à primeira, nem
totalmente, nem sobretudo sem esforço. Eles tinham fraquezas e defeitos
contra os quais se bateram toda a vida.
Alguns, como S.
Agostinho, vieram de longe, transfigurados pelo amor de Deus que
acolheram na sua existência. Quanto mais se aproximaram da luz de Deus,
tanto mais viram e reconheceram as sombras da sua existência.
Peregrinos do
quotidiano, a maior parte deles não realizaram feitos heróicos nem
cumpriram prodígios. É certo que alguns têm à sua conta realizações
espectaculares, no plano humanitário, no plano espiritual, ou ainda na
história da Igreja. Mas muitos outros, a maioria, são os santos da
simplicidade e do quotidiano! Infelizmente, canoniza-se muito pouco
estas pessoas do quotidiano!
Um rosto com traços de Cristo.
Encontramos em
cada um dos santos e das santas um mesmo perfil. Poderíamos mesmo
desenhar o seu retrato-robô comum. Por muito frequentarem Cristo,
deixaram-se modelar pelos seus traços.
Como Jesus, os
santos tiveram que viver muitas vezes em sentido contrário às ideias
recebidas e aos comportamentos do seu tempo. Viver as Bem-aventuranças
não é evidente: ser pobre de coração num mundo que glorifica o poder e o
ter; ser suave num mundo duro e violento; ter o coração puro face à
corrupção; fazer a paz quando outros declaram a guerra…
Os santos foram
pessoas “em marcha” (segundo uma tradução judaizante de
“bem-aventurado”), isto é, pessoas activas, apaixonadas pelo Evangelho…
Os santos foram homens e mulheres corajosos, capazes de reagir e de
afirmar a todo o custo aquilo que os fazia viver. Eles mostram-nos o
caminho da verdade e da liberdade.
Aqueles que
frequentaram os santos – aqueles que os frequentam hoje – afirmam que,
junto deles, sentimos que nos tornamos melhores. O seu exemplo ilumina. A
sua alegria é o seu testemunho mais belo. A sua felicidade é
contagiosa.
REFLEXÃO 2 – TER UM CORAÇÃO DE POBRE (Gérard Naslin)
Eram quatro
casais amigos à volta da mesma mesa. Os copos estavam bem cheios e os
pratos bem guarnecidos. No meio da refeição, a conversa centra-se nos
acontecimentos da actualidade: fala-se dos estrangeiros e imigrantes. O
debate aquece e cada um proclama o slogan tantas vezes repetido, o
cliché veiculado pelos media… Todos parecem em uníssono.
Entretanto, um dos convivas, que estava em silêncio há alguns minutos, abrindo a boca, disse: “Não
estou de acordo convosco e vou dizer-vos porquê. Para mim, todo o homem
é uma história sagrada, eu acredito nisso, deixai-me dizê-lo”. Imaginai o tempo de silêncio que se seguiu, enquanto os olhares e os garfos mergulharam nos pratos.
Naquela noite, ao
longo de uma refeição entre amigos, passou-se qualquer coisa que nos
faz ver o que é o Reino de Deus: um homem só ousava deixar a multidão
para dizer: “Não estou de acordo!” em nome da sua fé no homem e, no caso preciso, em nome da sua fé em Deus.
Não foi o que se
passou no cimo de uma montanha da Palestina, há 2000 anos, quando um
homem, Jesus de Nazaré, tendo diante de si os seus discípulos que tinham
deixado a multidão para O seguir, “abrindo a boca”, se pôs a instrui-los e lhes falou de felicidade, mas de modo nenhum como o mundo fala dela?!
São estes discípulos que ele declara “bem-aventurados”. São Lucas, no seu Evangelho, será ainda mais preciso, pois escreverá: “erguendo os olhos para os discípulos…” E que lhes disse Ele? “Bem-aventurados vós, os pobres de coração, porque vosso é o Reino de Deus!”.
Eis a força
contestatária de Jesus. E as outras seis bem-aventuranças aí estão para
ilustrar a primeira, a da pobreza do coração. Quanto à última, ela
aparece como a conclusão: “Sim, se vós viveis dessa vida, esperai ser
perseguidos, porque isso impedirá as pessoas de dormir; isso
inquietá-las-á, e como as pessoas não gostam de ser inquietadas, vós
sereis perseguidos”.
As
bem-aventuranças, se as queremos tomar a sério, e sobretudo vivê-las,
colocam-nos em situação de contestação e fazem-nos assumir riscos. Sim,
em certos momentos, fazem-nos dizer, e sobretudo viver, um “Não estou de acordo” em nome da nossa fé.
Porque é que Jesus declara “felizes”
os seus discípulos? Porque eles são pobres de coração, porque eles
estão libertos de tudo o que poderia entravar a sua liberdade. Com
efeito, a alegria é o fruto da liberdade.
Mas de que pobreza fala Jesus? Fala da pobreza que permite crer, esperar e amar.
O pobre é aquele que “tem crédito” em Deus.
“Ter crédito” ou dizer “credo”,
é a mesma coisa. Quando se fala de noivos, fala-se de duas pessoas que
confiam entre si, que se fiam uma na outra, que “têm crédito”. A
desconfiança torna a pessoa infeliz. Confiar é aceitar um certo
abandono: aquele que grita em direcção a Deus no meio do seu sofrimento
ou da sua confusão é aquele que confia sempre em Deus.
O pobre é também aquele que espera.
O rico não pode
esperar, está plenamente satisfeito. O pobre, esse, está sempre virado
para um futuro que espera que seja melhor; depois, ele procura, porque
pensa nunca ter totalmente encontrado. A sua vida é uma procura e todos
os sinais que ele encontra enchem-no de alegria e fazem-no avançar. O
pobre é aquele que aceita ser criticado pela Palavra de Deus. Com
efeito, pôr-se em questão só é possível para aquele que espera tornar-se
melhor.
O pobre é aquele que ama.
Por não estar
plenamente satisfeito consigo mesmo, o pobre está disponível para servir
os seus irmãos. Não centrado em si próprio, abre os olhos e vê aqueles
que esperam os seus gestos de amor; ouve os gritos dos seus irmãos e
abre as suas mãos vazias para as estender àquele que tem necessidade. A
sua pobreza fá-lo receber e, ao mesmo tempo, dar o pouco que tem.
Jesus conhecia o
coração do homem, e soube reconhecer no coração dos seus discípulos esta
aspiração a crer, a esperar e a amar; é a razão pela qual ele os
escolheu e chamou.
As
bem-aventuranças vão, em tantas situações, contra a corrente, porque um
homem, um dia, ousou abrir a boca para dizer aos seus discípulos: “Sois
do mundo, e ao mesmo tempo não sois do mundo… Vós não sois do mundo do
cada um para si, do consumo, da violência, da vingança, do
comprometimento… E face a este mundo deveis dizer: não estou de acordo! É
certo que sereis perseguidos ou, pelo menos, rir-se-ão de vós, ou
procurarão fazer-vos calar. Sereis felizes, porque fareis ver onde está a
verdadeira felicidade. Chamar-vos-ão santos”.
Festejamos neste dia todos aqueles que tomam de tal modo a sério as bem-aventuranças que são hoje plenamente felizes.
Queremos experimentar ser já felizes? Basta-nos ter um coração de pobre.
REFLEXÃO 3 – A SANTIDADE DE MUITOS
(da Exortação Apostólica Ecclesia in Europa de João Paulo II, nº 14)
Fruto da conversão realizada pelo Evangelho é a santidade de
muitos homens e mulheres do nosso tempo; não só daqueles que foram
proclamados oficialmente santos pela Igreja, mas também dos que, com
simplicidade e no dia a dia da existência, deram testemunho da sua
fidelidade a Cristo. Como não pensar aos inumeráveis filhos da Igreja
que, ao longo da história do continente europeu, viveram uma santidade
generosa e autêntica no mais recôndito da vida familiar, profissional e
social? «Todos eles, como “pedras vivas” aderentes a Cristo “pedra
angular”, construíram a Europa como edifício espiritual e moral,
deixando aos vindouros a herança mais preciosa. O Senhor Jesus havia
prometido: “Aquele que acredita em Mim fará também as obras que Eu faço;
e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai'' (Jo 14,12).
Os santos são a prova viva da realização desta promessa, e ajudam a
crer que isto é possível mesmo nos momentos mais difíceis da história».
(1) João Paulo II, Homilia durante a Missa de encerramento da II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa (23 de Outubro de 1999), 4: AAS 92 (2000), 179.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS
1. DURANTE A CELEBRAÇÃO.
Podemos traduzir
hoje a nossa alegria através da nossa maneira de cantar. Mas podemos
igualmente imaginar outros meios para sublinhar a alegria e o júbilo:
com diversos instrumentos musicais, com a preparação de decoração ou com
o realce da iluminação, etc. O importante hoje é mostrar que os
cristãos são pessoas felizes!
2. PALAVRA DE VIDA.
Todos os Santos é
a festa de todos aqueles que procuram, em cada dia, amar os seus irmãos
e Deus. Conhecemos bem alguns destes anónimos aos olhos do mundo: os
nossos pais ou avós que nos amaram, um filho arrancado demasiado cedo ao
nosso afecto, educadores que nos formaram, padres que nos falaram de
Jesus Cristo, pessoas sempre prontas a prestar serviço, ou ainda pessoas
apaixonadas pela justiça e pela paz e que ficaram na sombra. Não os
esqueçamos neste dia de Todos os Santos, evoquemos o seu nome com
respeito, rezemos-lhes. Eles são santos, mesmo se os seus nomes não
estão nos calendários, mesmo se eles não foram beatificados nem
canonizados. É a sua festa: façamo-los sair do anonimato, porque o seu
nome está inscrito no coração de Deus.
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